sábado, 13 de agosto de 2011

DIÁLOGO

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Hoje em dia, há, em todo o lado, pessoas que falam mais dos feitos do passado do que do futuro, que falam mais da oposição do que da governação, que olham mais para si do que para a país, que andam aí a gabar-se de coisas que nunca fizeram nem pensaram um dia fazer… pessoas que andam na roda sem saber como se toca a música. E, vamos indo de rasto em rasto, de promessas em mentiras, de pobrezas em misérias até à morte final. Faltam coisas novas, ideias… a até novas mentiras. O diálogo entre Katende e Kaphonde, dois nativos com vivências comuns e incomuns é exemplo.  

- Oh Mano Katende, dizem que desde que vieste a capital cresceu muito. É verdade?
- Hum! Quem foi que te mentiu assim, oh Kaphonde? O Musseque nem um passo deu em direcção ao asfalto e a luz eléctrica desapareceu. Em Maio de 1984, quando do meu primeiro cara-a-cara com Luanda, a cidade começava na Sat’Ana. Era ali que começavam duas ruas larga com os carros orientados em apenas um sentido. Havia iluminárias altas que diferenciavam Luanda de outras cidades do interior, onde também havia carros ruidosos e luz eléctrica. Hoje, 27 anos depois, o cenário é o mesmo, apesar de alguns trabalhos que uns desatentos dizem tratar-se de crescimento.
- Como assim se antes tudo isso aqui era capim?
- Quem sai de Viana a Luanda, rapidamente se apercebe que a capital tem algumas ruas iluminadas apenas ao chegar ao cemitério da Santa’Ana. O mesmo trecho que vi em 1984 e que vai até ao Jumbo. Todo o resto a montante é “paisagem” escura e propiciadora de muitos acidentes de viação, à noite, dado o encandeamento de uns sobre os outros que circulam em vias opostas. Os desníveis no asfalto, entre um trecho reparado e outro a aguardar pelo novo tapete, tem sido outra causa de despistes, rebentamentos de pneus e a destruição de jantes, sobretudo os de liga leve.
- E quem se responsabiliza pelos danos? Há?
- Ninguém! Você pensa que aqui te ligam? No cú do perú!
- Mas então a cidade cresceu ou não?
- Aumentaram apenas as casas. A vila da Mata, o Golfe, o Palanca, o Tunga-Ngó, o Curtume, o Kikolo e arredores, o Mulenvos, Viana Sanzala, Vila Nova, Kambamba, Benfica e outros bairros que na altura eram lavras são agora autênticos guetos… O Musseque Braga Junta-se ao Musseque Baia. Nada mais do que isso! Quanto à evolução da cidade é tudo pioria!
- Pioria como?
- Sim pioria. Male-male. Pior ainda é a nova banga na recolha nocturna do lixo e sua pesagem para pagamento. O peso é que define o valor a pagar à operadora. E nesta correria pelo dinheiro que é público muitas operadoras preferem mesmo escavar e levar terra em vez de lixo. Consequências, deixam os bairros esburacados e cada vez mais sujos! Outros na ânsia de chegar primeiro, os motoristas, vão espalhando rastos de lixo por onde passam, chegando mesmo a provocar acidentes de veículos que volta e meia dão de cara com um estranho monte de lixo na estrada caído dum camião ou tractor sem cobertura. Acha que alguém da parte do “quem de direito” vê isso?
– Ninguém vê. Na hora todos tornam-se cegos, excepto aqueles que vivem os problemas sem onde se queixar. Passa ainda pela estrada dos Mulenvos, que dá à lixeira provincial. É um exemplo de todos os dias. Os condutores de ligeiros estão sob risco permanente de serem abalroados por um camião de lixo descontrolado ou embater contra uma montanha de lixo “descarregado” na via.
- E os hospitais como estão? É que estou a pensar operar a minha dituba...
- Ah! Esses só a descer. Um paciente que acompanhei por duas vezes consecutivas foi internado numa cadeira do Banco de Urgência dum hospital de referência. E note-se que não é dos que ficam na periferia. É mesmo entre o largo Primeiro de Maio e o largo da Sagrada Família. Depois de ter passado a receber soro numa cadeira foi-lhe dada alta médica, alegadamente por falta de espaço. E não é que teve de voltar à noite ao Hospital pois a saúde degradou? Solução: outra noite, no mesmo hospital, outro soro na cadeira e outra alta na manhã seguinte…Nesse jogo de rato e gato tivemos de optar pelo Hospital do Prenda onde, mesmo sem camas e espaço no B.U., os médicos e enfermeiros se mostraram autênticos profissionais, distribuindo os pacientes em macas: um mal menor para quem passou duas noites seguidas internado numa cadeira.
- E a água já jorra nas torneiras como no tempo do caputo?
- No hospital do Prenda sim. Até deu para lavar o doente. Mas na torneira de casa são as baratas e as minhocas que moram no PVC.
- E a educação, mano, como vai? Disseram-me que o a-e-i-o-u já não se ensina na pré…
- Antigamente cantávamos a ma me mi mo um ou depois de aprender o abcd. Agora tudo mudou. É só passar de ano e professor único para todas as classes, da kabunga à sexta, já se viu? E nem tudo isso é ainda o cúmulo…
- Ah! Não é?
- Sim. Imagina no vizinho que de lua em lua põe música alta e a polícia que tem esquadra bem ao lado ainda aproveita ir pedir cerveja sem mandar fechar a aparelhagem.
- Mas como assim se não há luz todos os dias?
- Oh mano, você está a ficar burro ou quê? São os fofando! Você num sabe que já substituíram a luz da EDELI? Arra xiça pá! Vamos só descansar, antes que pensem que somos do contra!