quarta-feira, 2 de março de 2011

A CEGA E O CÃO

ERA UMA VEZ…
Na aldeia de Kanjala, na costa de Angola, entre o Sumbe e o Lobito, vivia uma mulher com deficiencia visual em um dos olhos. O nome dela era Milika e estava casada tradicionalmente com um homem chamado Ngufu.

Ngufu era extractor de maruvo de palmeira e de bordão e praticava também a caça. Tinha por isso um cão chamado Kelula .

Um dia, ao trepara à palmeira para cortar um cacho de dendém e retirar uma cabaça de maruvu, Ngufu esqueceu-se de levar consigo o kanjaviti e olhando para baixo dá de olhos com o cão que farejava no trilho dos pukus . O homem, preguiçoso diz para si mesmo:

- Se esse cão fosse pessoa dar-me-ia o machadinho e eu evitaria de descer completamente.

O cão que ouvira a expressào desdenhosa do seu amo, fez aquilo que faria um ser humano adulto e deu-lhe o kanjaviti.

Cortado o cacho de dendém, chegou a vez de retirar o maruvo. Encheu o primeiro que tinha à cintura e a como a vasilha pendurada à palmeira ainda tinha líquido precisou de uma segunda. Nisso olha novamnete para baixo e lá estava novamente o Kelula nas suas brincadeiras, atrás de borboletas. O homem, desta vez em voz muito baixa, volta a exclamar:

- Se esse cão fosse um menino me teria dado a kabaça que está ao pé dele.

Espantosamente, Kelula o cão, deu-lha.

Ngufu apenas riu em gesto de agradecimento. Estava agradecido e preocupado também, porque nunca um cão tinha entendido a linguagem humana. Nisso o cão que apesar de cumprir as ordens não tinha emitido sequer um som disse-lhe:

- Meu amo, por teres menosprezado a importância dum cão, de hoje em diante passas a entender a linguagem de todos os animais, sem que o possas contar a alguém sob pena de morreres.

Ngufu concordou. Ao chegar à casa encontrou a mulher a moer bombó num almofariz e uma peneira rudimentar. Milika, a mulher, estava cercada por galinhas que aproveitavam os bocados de bombó que caíam ao chão.

Enquanto ela enxotava as galinhas, o galo que estava algo distanciado disse às galinhas:

- Oh! suas burras, passem do lado do olho cego.

Nisto, Ngufu percebeu a linguagem dos animais e meteu-se a rir em locas gargalhadas o que enfureceu a mulher que queria uma explicação sobre a razào de tamanha rizada.

- Por que estás a rir? Tens de me explicar porque se não vou enforcar-me por estares a zombar da minha deficiência. – Disse ela.

Mais o homem tentou convencê-la de que era um segredo que não podia desvendar, mas a mulher não o compreendeu.

Por fim, perante a insitência da mulher, Ngufu ordenou que ela chamasse os mais velhos e o soba da aldeia.

- Eu, quando sai hoje com o meu cão, vivi algo inédito nesta aldeia. Aflito em cima da palmeira, o meu cão ajudou-me a entregar o kanjaviti e a kabaça e falou como se de um ser humano se tratasse. Só que me pediu que guardasse um segredo: Não podia contar a ninguém o sucediodo. Mas como a minha mulher está desconfiante duma rizada que dei quando as galinhas falaram, estou a contar-vos que eu entendo a linguagem dos animais. E por desvendar o segredo também ponho fim à minha vida.

Posto isso, o homem sucumbiu.

Os mais velhos e o soba da aldeia realizaram o funeral e no fim expulsaram Milika daquela comunidade por não ter confiado no que o marido lhe dissera.