quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O IRMAO DA IGREJA

(Este texto é parte do livro "O Coleccionador de Pirilampos)

É manhã de segunda-feira. A cidade conhece um transito muito agitado devido aos que se dirigem ao serviço. Apanhar táxi está complicado. Pior ainda porque os machimbombos[1] estão difíceis por causa da chuva que fez das estradas lagoas para criar peixe, embora sejam as rãs que enchem as noites com o seu incómodo coaxar. Entre os que madrugam está Kafuringa. O homem está decidido em cruzar com o chefe no corredor principal. Conhece a hora da entrada dele. Oito e um quarto. Foi exactamente neste momento em que Kafuringa apareceu diante do chefe com os olhos todos avermelhados.

- Chefe Katimba, bom dia. - Disse Kafuringa aos soluços.

O homem tinha planeado tudo ao pormenor. Um pouco de cebola para provocar as lágrimas, um dente de alho para abafar o hálito do kimbombo[2] da noite anterior e intrujices mal pensados.

- Bom dia Kafu. – Respondeu-lhe o chefe. – O que se passa?

- Chefe é o meu irmão.

- O que se passou com o teu irmão?

- Morreu mesmo esta manhã!

- Ai que pena! De que padecia?

- Não chefe, não padecia. Morreu só mesmo.

- Ok. Ok… - Katimba teve de desviar o olhar e esconder o sorriso que de repente lhe invadiu a alma. - Os meus pêsames. – Prosseguiu comovido.

- E já trazes o documento dele?! – Indagou o chefe, olhando para o subordinado nada sério nas suas afirmações.

- Sim chefe. Ganhei já tempo para não ter de voltar mais a casa buscar.

- Deixa-me então ver. Pode ser?

- Sim chefe. Trouxe já para ver se o chefe me ajuda com uns produtos e a dispensa para o óbito…

- Ok, meu caro Kafu. (Olhando para os dados) - Mas os vossos apelidos não coincidem… Eram irmãos de pai ou de mãe? - Voltou a questionar o chefe, com o rosto já carregado de impaciência.

À medida que Kafuringa ia perdendo argumentos mais inconsistentes se tornavam as suas respostas. Kafu era naquele momento uma criança descalça correndo sob um chão molhado e escorregadio. Estava iminente a sua queda aparatosa.

- Não chefe, ele não é meu irmão de mãe nem de pai. - Respondeu Kafu.

- Hum! Como assim Kafu? Então era teu primo…

- Não chefe. É meu irmão da igreja!



[1] - Autocarros.
[2] - Bebida fermentada feita a base de arroz, fermento e açúcar (termo Kimbundu).