É sexta-feira. As mulheres camponesas voltam cedo das lavras e as que trabalham na cidade também chegam uma hora mais cedo do que o habitual. Os homens, barulhentos como são à sexta-feira, estão todos reunidos. Uns nos jangos[1] comunitários que abundam na região e outros nos seus quintais, metendo conversa em dia.
A cantina do Dialó, um senegalês que aqui aportou em busca de negócios, regista um entra e sai sem precedentes. O estrangeiro, alheio à cultura deste povo, apenas bate palmas de contente devido à enchente que regista o seu estabelecimento, ignorando o que estará por atrás de tamanha procura de sumos, gasosas[2] e frangos congelados.
Mais movimentada ainda está a loja do
Satxambe onde o tilintar das garrafas que saem carregadas faz adivinhar a
ocorrência de uma festa em local não muito distante.
Maria, a filha do Sô Joaquim, da mota
de três rodas, deu à luz uma menina. Pariu com apenas sete meses de gestação
mas a bebé está saudável e dispensou a incubadora. É por isso que todos da
família estão contentes e em festa.
Na rua da trás, a dona Isabel,
parteira, mulher do Zé Toy que é kamanguista[3]
de muita fama e dinheiro, também deu à luz gémeos. Um rapaz, gordinho como
leitão, e uma menina com corpo de miss. Até já foi apelidada de miss Maura.
Zé Toy que se tornou pai pela
primeira vez não consegue conter a alegria e quase fechou a rua para dar uma
festa aberta a todos os vizinhos e outros transeuntes. A polícia teve mesmo de
intervir para amainar os ânimos e acautelar excessos. Uma notificação foi-lhe
passada para pagar a transgressão administrativa no comissariado, mas o
Kamanguista, apesar de ter acatado, não está preocupado com a multa e a sua
festa continua no quintal e no passeio da rua. É que todos os colegas e amigos
dele e da mulher apareceram com os seus carros e caixas térmicas repletas de
bebidas diversas, carne e peixe já temperados e outras iguarias. A festa
tornou-se mesmo popular e as mulheres do bairro vão chegando para saudar os
novos na phasa[4]
e sa phasa da rua Verde[5].
Na rua Amarela, onde vive Maria e o
seu pai Sô Joaquim, como lhe chamam os mais novos do bairro, também há festa
rija. Kasovita[6]
é motivo de alegria que contagia a vizinhança e vão chegando de hora em hora
brindes para a kivadi[7].
Maria e o seu marido Kexijina, apesar de muito novos, já vão no quarto
manongonongo[8]
que acaba sempre por juntar as duas famílias e todos os amigos comuns.
Na Lunda é assim. A festa espontânea
do recém-nascido só termina quando secar a última gota de álcool, quando soar o último
ngoma[9]
e quando cantar o último galo. É até se fartar a madrugada!
- Xé mano, paga manongonongo, não
fica só kamwelo[10]!
– Dizem as mulheres à passagem de um transeunte bem vestido.
E a festa que adivinhava o seu epílogo
retoma com as moedas doadas pelo forasteiro que deixa as últimas reservas da
sua algibeira para se juntar à festa tradicional. É manongonongo!
[1]
- Alpendre onde se reúnem os notáveis da aldeia para discutir e resolver os
problemas da comunidade (termo Bantu).
[2]
- Refrigerantes.
[3]
- Traficante ou explorador artesanal de diamantes (termo Cokwe)
[4]
- Mãe de gémeos (termo Cokwe)
[5]
- Pai de gémeos (termo Cokwe)
[6]
- Menina que nasce depois de rapazes seguidos (termo Umbundu)
[7]
- Parturiente (termo Kimbundu).
[8]
-Festa espontânea que se dá ao nascer de um bebé (termo Cokwe).
[9]
-Batuque; tambor.
[10]
- Pouco dado à partilha, soberbo (do kimbundu).