segunda-feira, 1 de julho de 2013

CHUMBO NO VULTO

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Obs: este conto é parte do livro "As Travessuras do Jacinto" no prelo
 
Terminada a 8ª classe, quando já tinha 17 anos, Jacinto decidiu-se mudar para Luanda, cidade com muitos institutos, institutos de imperar a “lei da gasosa” [1]nas instituições. Antes deslocou-se ao Lucusse, onde tinha o irmão mais velho da mão. A sua família estava espalhada, um pouco pelo país. Havia a família da parte materna da mãe que estava no território do Moxico. Os da parte paterna de Naxitula eram do Vye, enquanto os parentes do pai estavam espalhados entre os Kwanza-Sul e Norte, Luanda, Malanje e até no Zaire.
- Eh, pá! – exclamou uma vez na escola, aos amigos que zombavam da sua permanente condição de viajante.- Sou um cidadão nacional de pleno directo e com parentes por toda Angola.
Kumonla- o-Njamba, o tio que vive no Lucusse, era um “kazenze ya ihunda yali” [2]e exímio caçador de antílopes que abundavam o leste. Mal Jacinto se apresentou, o tio incumbiu-lhe, naquele mesmo dia, uma missão a desempenhar durante a semana.
- Sobrinho Jacinto!
- Ti- Njamba! – Respondeu sempre solícito.
- Essa é a tua tia Ndombwa, a primeira tia, estás a ouvir bem?
- Sim ti-Njamba.
- Essa é a Carlota, tua segunda tia – continuou Njamba a apresentação a que se seguiram os filhos, dez no total, apresentados conforma os nomes do registo oficial.
- Esse aqui, o filho mais velho da Ndombwa com teu tio, que sou eu, é o Twayovoka Ekokelo Gbadolite, nasceu no dia daquele acordo que não deu certo. Essa é a Yorque Carmelita, filha da tua tia Carlota, que nasceu no dia dos acordos de Nova York. Esse é fulano aquele é sicrano… - Prosseguiu.
 
Jacinto, sempre atento, foi apertando a mão e dizendo o seu nome. Às tias dizia o nome completo enquanto aos primos dizia apenas JAK.
 
Ao terceiro dia, Kumonla-o Njamba que estava em casa da segunda mulher, mais nova por sinal, decidiu mudar-se para a casa de Ndombwa e aproveitando a presença do seu depositário, chamo-o para uma missão.
- Sobrinho, como vês, o tio aqui é mwata. E mwata tem que ter protecção. Como hoje vou na casa da tia mais velha, ficas com essa caçadeira e não permitas nenhuma intrusão na casa da tua tia pequena. Qualquer vulto à noite que te pareça de homem, fogo!
- Missão dada, missão cumprida!– Respondeu o sobrinho.
As casas eram próximas uma da outra, separadas por escassos dez metros, mais ou menos. A noite era friorenta e Njamba lembrou-se que tinha o casaco na casa onde saíra. Como tinha a chave, não foi difícil entrar sem se fazer perceber pelo sobrinho. Pensou que àquela hora o sobrinho estaria no quinto sonho. Entrou sem acordar os miúdos, pegou o casaco e pós-se a lume. Porém, o barulho da porta alertou Jacinto que não fez mais do que cumprir a ordem recebida: Qualquer vulto à noite que te pareça de homem, fogo!
A caçadeira “22 longos” já estava carregada de dois chumbos e Jacinto não teve muito trabalho. Apenas premiu o gatilho e “chumbou as pernas do que lhe parecia um vulto com feições humanas.
O tiro nocturno acordou a comunidade que, de repente se juntou ao quarteirão do jacinto. Uns já cantavam“amukwata makoji” [3]. Num abrir e fechar de olhos estavam no terreiro adjacente à casa todos os aldeões, excepto o dono da casa, o que suscitou curiosidade. Destapado o ferido verificou-se que Jacinto tinha atirado contra o próprio tio.
Enquanto as mulheres choravam e os intriguistas incriminavam, Jacinto e os primos levaram o Njamba ao hospital do Lucusse onde recebeu tratamento. Felizmente os ferimentos não tinham sido tantos.
As más-línguas que corriam pelo bairro, insinuando a Njamba que era preciso dar uma lição ao sobrinho, fizeram com que Jacinto interrompesse as férias para escapar dos mais acérrimos críticos da aldeia.
Quanto a Njamba, não teve como se queixar da acção de Jacinto porque a ordem tinha partido dele. Tio e sobrinho despediram-se e o destino de Jack foi Luanda.
 


[1]Assim se designavam os actos de corrupção nas instituições públicas.
[2]O mesmo que “grilo com duas tocas” ou homem com duas mulheres (cokwe).
[3]Apanhado em adultério.