- Lupuka, lupuka! - Kota Matadi acordou às 10 horas, ainda kimbonzado[1].
A noite lhe tinha despedido no alambique do Januário onde se embebedou até
desconhecer-se por completo.
- É quê então, esta hora, cinco da manhã, já estão a se dar
kibeto[3]?
– Perguntou Kota Matadi, ainda entre a torpez e lucidez.
- Cinco horas, acorda mano Matadi. Já é meio dia. –
Respondeu-lhe a menina Joaninha.
Matadi olhou para o sol. Bola de fogo no meio da bola azul.
- É mano Bernardo que lhe picaram faca no primo
Joaquim. As tripas saíram todas da barriga e papá foi chamar o sô 'kifirmero'
para lhe cozer. – Explicou Joaninha, filha de Jacinta.
- E a burra da tua mãe foi aonde e onde é que Bernardo lhe
meteram?
Enquanto a
boca destilava fel, a cabeça de Matadi estava em caldo. O homem
gira-girava com a catana à cintura, sem destino.
- Esse gajo do Bernardo, se lhe apanho, vou lhe esquartejar.
– Vociferou.
- Ó tio Matadi naquele dia kimbanda[5] falou que o primo Joaquim lhe deram brune[6]
de ter dinheiro e está à procura de pessoa para lhe matar com wanga[7]
dele mas como não está aparecer… - Joaninha deu-se conta que estava em estrada
de adultos e meteu a mão na boca.
- Fala, sua burra. – gritou Matadi. – Quem te explicou essa
maka toda?
- E, tio não vê ainda mano Bernardo? - Astuta, Joaninha
cortou a conversa do feitiço.
- Não Joaninha. Não. Quando Juízo na cabeça me está a ferver
não gosto ver sangue porque quando viro bicho ninguém me aguenta. Mas, vai ,
corre ainda no caminho da tua mãe ver se 'kifirmero' está chegar.
Na phela do régulo havia motivo para reunião e o caso
não era simples. Havia, há já algum tempo rumores sobre wanga de dinheiro,
pedofilia e outras makas que estavam a espera de alguém que fosse encontrado
com a boca na botija. Os oficiais de justiça comunitária têm á mesa uma tentativa
de homicídio e vão aproveitar a fazer o Estado da Nação. A polícia estava longe
e a ordem tinha sido alterada.
Soba Kavuindi,
cachimbo na boca era motor a fazer ressonância na subida. Parecia tractor
preguiçoso a puxar carroça cheia de milho. Chamou os notáveis para analisar o
problema do Joaquim e mandou jovens com pulungunza caçar o Bernardo que estava
foragido. Até agora ainda não se sabia ao certo por que razão Joaquim levou a
navalha às miudezas de Bernardo.
Kinanvuidi, o enfermeiro, chegou a tempo de remendar a vida
de Bernardo. Estava já a caminho do Hospital Grande da Vila que ficava há vinte
quilómetros.
- Mas ó Joaquim, seu burro de merda, onde foi que tiraste
esse juízo da faca? – Interrogou
Kavuindi, o soba.
- Pai lhe encontrei com minha mulher a lhe dar um papel. –
Defendeu-se o réu.
Joaquim estava amarrado à borracheira que dava sombra à
phela.
- Mas que papel é esse? É 'fodrografia'? - Questionou o
régulo, algo impaciente.
- Não, pai.
- É dinheiro?
- Também não.
- Porra, pá?! Então é quê que não te sai dessa boca de
porcaria? - Kavuindi demonstrava já muita impaciência e os oficiais de justiça
entre olhavam-se a espera de uma ordem emanada pelo soberano.
- É poema, ngana soba. – Respondeu Joaquim entre lágrimas.
- E poema se espeta faca no outro? Ou se’xplica ou vais ver diabo a assar sardinha. - Ameaçou o soba.
- Bernardo e eu somos amigos. O pai sabe.
- Sim, continua. Respondeu o conselho do soba.
- Bernardo e eu fomos no kimbanda para receber brune de dinheiro.
Cada foi no dia dele. Ninguém se viu. Mas eu sei. Lhe mandaram dar papel de
amor na mulher do melhor amigo para depois lhe dormir. Sabendo que eu seria o
visado fiquei de olho e no dia do tal poema lhe antecipei com uma baioneta. Foi
apenas isso.
- E dizes
foi apenas isso como se tirar vida no outro fosse matar galinha? E a mulher
vais lhe assumir ou vais lhe sengar? – interrogou Ngana Tandela, responsável
pela aplicação da justiça e preservação dos costumes.
- Vou lhe entregar com ele. – Respondeu Joaquim.
- O quê? Fida caixa, pá!
Se eles não se serviram você vai sengar a mulher? Que culpa ela tem? Se tu e teu amigo se
meteram nos brune? Eu quero que você laperdoa já, logo logo sai das cordas. – Ditou
o ancião.
Sem mais nem menos, Joaquim desamarrado
da árvore da phela cumpriu a sentença: custear as despesas de saúde do
Bernardo, trabalhar na lavra do ofendido até que melhore e pegar de volta
Jacinta, sua esposa, que se refugiara em casa dos tios. Bernardo teria
igualmente a sua reprimenda mas só quando sarasse a última ferida.