quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A MORTE DO REI ACICATADO PELA CONSORTE



Até ao registo destes acontecimentos o reino de Magestic desfrutava de uma paz abundante e vida farta. Corria o ano de 3102 do tempo comum. Os limites geográficos de Magestic, um reino secular, eram a Avenida da Lagoa Negra, a leste; o Grande Rio Intermitente, a norte; e uns Estados autónomos em constantes guerras, a oeste e sul. Era, sobretudo, a sul de Magestic que mais se sentia a desestabilização que indirectamente acabavam por afectar o Magestic, sua corte e seu povo.
Tata Ngana, Senhor das Terras, era a autoridade suprema de Magestic, auxiliado por uma corte fiel e prestativa que administrava os Estados vassalos e cobrava impostos.
Detentor de um poder hereditário, Tata Ngana, estava desposado com Arra Gante, uma plebeia de origem citadina. O seu poder consistia num meio termo entre o autocrático e o democrático, custando-lhe a alcunha de “O Senhor do equilíbrio”. Ele , porém, preferia ser tratado pelo epíteto de “O inventor da terceira via” que aos poucos levava o reino a transformar-se em império. Numerosos eram os povos que o admiravam e tão notória era a áurea da sua corte e Estado.
- Se grandes males não houver, construirei um império que sobreviva a todas intempéries durante mil anos. – Gabava-se aos embaixadores e homólogos a quem oferecia banquetes.
Nu dia, daqueles em que o sol e nuvens negras se revezas no alto dos céus, o reino de Magestic acordou alvoraçado. Num dos Estados litigantes do sul, onde grassavam a fome e a miséria, a  rainha tinha feito comentários e comparações deselegantes em relação à forma como o seu rei conduzia os destinos do Estado.
- Quero uma capital com torres iluminadas, universidades, alamedas, sorrisos, transportes públicos e muito mais. É isso que quero que faças em vez de te estares a afundar em guerras que só enfraquecem o nosso Estado. – Disse Mbunda Inene, a rainha do Estado do Sul que ameaçou mesmo pedir asilo ao rei de Magestic.
 - Aié? Queres que te dê o que o Norte tem? Como sabes que Magestic tem tudo isso? - Questionou o rei Kasumuna furiosos.
- soube dos embaixadores e da media. - Respondeu Mbunda Inene que nem imaginou o fel que bombeava o coração do seu marido.
- Pois é… se subestimas o meu governo e me colocas abaixo de Magestic e Tata Ngana é porque há já muito tempo nos tens traído, a mim e ao meu reino. Desmereces minha consideração e tens 24 horas para deixar o palácio, se não queres ser decapitada em praça pública. – Sentenciou o rei possuído de ira.
- Eu abandonar o palácio que ajudei a decorar? Por que não abdicas antes e juntos nos exilamos para Magestic ou outro Estado que nos queira acolher? – Refilou Mbunda Inene.
Não convencido mas também sem argumentos, numa atitude cobarde, Kasumuna declarou guerra ao vizinho do norte, o Estado de Magestic.
O ataque relâmpago foi desferido às 5h de uma manhã. Mulhers da vida retornavam às casas e donas de casa cuidavam do asseio para rumarem às vidas diárias. Magestic estava em festa da coroação do rei. As suas tropas desfrutavam do repasto e há muito não sentiam o troar dum canhão ou o tagarelar duma kalashinikov. O belicoso Kasumuna aludiu um provável encontro secreto entre sua dama e Tata Ngana como motivo da guerra.
O ataque injusto e sem fundamentos desferido pelo Estado vizinho do Sul despoletou uma guerra civil em Magestic. Colocaram-se, lado a lado, generais conselheiros favoráveis ao rearmamento do Estado para fazer frente à guerra e outros que defendiam uma negociação incondicional com o belicoso vizinho do sul para evitar a destruição do Estado. Neste segundo grupo estava  a rainha e parte da população impreparada para a guerra que acusaram o soberano de relações promíscuas.
- Apelo à clemência e à calma. Vamos apelar as instancias internacionais e regionais para se apurarem as reais motivações dos ataques contra a nossa Pátria amada. – Pediu Tata Ngana à população reunida em frente ao palácio real.
- Não, não, não. Negou o povo eufórico e embriagado, paradoxalmente comandados pela rainha Arra Gante. – Queremos  a paz urgente. Queremos a cabeça. – Exigiram.
 - Eu, um homem livre, filho de príncipes, neto de soberanos, com serventes na corte, bisneto de príncipes com escravos, ser julgado em hasta publica por alegada traição ao meu próprio Estado? Quem o fez crescer o tornar-se destaque na sub-região e continente?  Nego. Nunca resignarei ainda que se quedem as estrelas dos céus. – Afirmou veemente o rei, aplaudido pela corte.
Tata Ngana não abdicou mas a sua vida e imagem ficou seriamente afectada. Deixou de ter vida pública como no passado. Tornou-se extrovertido e seus sorrisos apenas eram vistos nas sonenidades com monarcas estrangeiros que o visitavam ou quando retribuía visitas de cortesia. Até a água-ardente, sua predilecta água deixou de marcar presença na sala de trabalho.
Os largos sorrisos em companhia da família tinham desaparecido. A família e o reino estavam em retalhos. Faltavam as falas e Arra Gante embora arrependida dos dislates não conseguia reanimá-lo. Era apenas mais uma no palácio.
“Honra de rei lava-se com sangue”, comentava com os seus colaboradores sem nunca esmiuçar como lavaria a honra perdida.  Se investiria contra o Estado vizinho do Sul, se contra a sua consorte que não a apoiou se contra a oposição palaciana. Durante muitos meses e anos pensou calado em como resolveria a questão.
- Sacrificar a rainha Arra Gante? – Os seus botões aconselhavam que não! Seria tomado como sanguinário.
- Mover guerra e aniquilar o Estado atacante do sul? – sacrificaria o bem-estar da sua população e morreriam pessoas na guerra.
 
Diante do palácio real crescia uma figueira. Tinha sido plantada no dia da sua entronização. Já tinha dezena e maia de anos, sendo podada sempre com orientação vertical. Contava mais de dez metros. Tata Ngana olhou para a árvore, os figos e a alegria dos pássaros que a habitavam. Contrastava com a vida que levava nos últimos nãos.
- Vou entregar-me ao deleite e causar uma grande festa jamais vista neste Estado. – anunciou ao secretário do palácio.
Como quem empurrado pelos ventos e puxado pelos ancestrais, que o preferiram junto de si do que detestado por uma rainha e povo ingratos, Tata Ngana lançou-se aos figos que espreitavam o terraço.
- Buuuummmmmmmmm!
O secretário do palácio nem tempo teve para pedir socorro. O rei estava estatelado no pavimento térreo com as vísceras por fora.
Quando os bombeiros e o médico do Palácio chegaram Tata Ngana estava já sem vida. Uma missiva, no bolso do casaco, descrevia a sua ascensão e queda. Foi chorado durante meses e anos mas o reino de Magestic jamais conheceu dias áureos como aqueles vividos durante o seu reinado.