sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

BIFAGRANDO

BIFAGRANDO é um novo termo, um pouco modista, do calão mediático dos últimos dias que os rapazes de três localidades de Luanda acabaram de inventar. - Bifagrando tem a ver com bife+bagre+falando. - Explicaram.
Encontrei-os na praia do Km 27, ao Ramiro, e conversavam sobre um novo "invento gastronómico" o bife de bagre.
Dizia Halyeya que "o bagre, por ser um peixe predador e de sangue vermelho, era o mais adequado para ser "bifado" em vez dos outros peixes de carne branca.
- Eu, no Coelho, a minha vida, de sol em sol, é só mesmo pescar e tramankar. É só mesmo do bagre da lagoa que vivo. Uns como e outros vendo frescos ou fumados.- Reforçou, algo vaidoso.
O seu companheiro, Kamaka, residente nas margens da EN230, pelos lados do Kazenga, ripostou que o kakusu da sua lagoa sabia melhor do que os bagres todos que já havia provado ao longo dos seus vinte e seis anos de vida de pescador artesanal no Velho Kimbundu.
- Mas como assim, vida de pescador artesanal se nem uma canoa e redes tens? - Questionou Mbela Yanda que até ali se mantivera calado.
A conversa animada com sumo fermentado de uva libolense já ia longa. Os petiscos eram locais, ou seja, todos kalús: bagres e ikusu capturados das bacias do Coelho, do Táki da Vila Nova e da lagoa do Velho Kimbundu.
Mbela Yanda, Kamaka e Halyeya desfilavam argumentos.
- Quem tem a lagoa mais antiga e mais produtiva?
- Quem tem a lagoa menos suja ou mais bafejada de podridão?
- Quem desfruta de bagres mais colossos ou ikusu mais saborosos?
Eram perguntas cujas respostas voavam à velocidade do eco. Já com o vinho a trespassar-lhe o cérebro e com o bagre fumado nos olhos, Mbela Yanda gritou alto:
- A melhor lagoa não é a do Coelho nem a do Velho Kimbundu. É a do Táki de Viana que tem bagre com osso. Ainda é pouco frquentada e os garimpeiros de peixe alheio têm a cadeia à vista.
Os companheiros ainda contra-arguiram puxando o bife para o seu bagrito mas Mbela Yanda foi mais adiante na defesa:
- É que a minha lagoa recebe água quer chova quer não. Para os deixar mesmo estatelados, Mbela retirou o telefone do bolso para mostrar as fotos das últimas fainas, da fonte de alimentação hídrica permanente (descarregadouro da drenagem urbana da cidade) e ainda as imagens da sua nova invenção gastronómica, um bife de bagre. Olhem!

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

EM TEMPO DE CRISE_IDEIAS VALEM MILHÕES

Dois casais amigos decidem ser inovadores nas célebres trocas de presentes que se verifica no dia dos namorados.

Luó e Mavoyo decidiram não cair nas extravagâncias doutros tempos e, vivendo um período de contenção, acordaram em fazer a troca de presentes na hora do pequeno-almoço. Na verdade, o presente seria um bem alimentar que normalmente se usa na refeição.

Maludi e Cácata, outro casal, sabendo do plano dos amigos pensaram numa maior ousadia: cada levaria ao local combinado para a troca de presentes uma ideia inovadora para gastar menos e arrecadar mais.

Chegados a 14 de Fevereiro, dia dos namorados, Luó, jovem funcionário público, levou à mesa um pão de leite forrado e decorado. Mavoyo, uma estudante de antropologia, abriu a gaveta da mesa e retirou, coincidentemente um pão que havia comprado e guardado de véspera. Era um casal recém-unido e que vivia ainda sem filhos. Ambos apreciaram a coincidência e a simplicidade dos presentes que, de tudo, foram inovadores na nova forma como abordavam a gestão da economia doméstica e a poupança  que se impunha.

Do outro lado da Avenida, Maludi que ainda não se juntara a Cácata combinaram um encontro no jardim da cidade, meio caminho das casas de ambos. Sem dinheiro, Maludi leu um livro “Ideias que valem milhões” e compilou uma com que se decidiu em presentear a namorada.

- Ela estuda economia e sei que mais do que coisas ela vai gostara da ideia que pode dar-lhe variadíssimas coisas no futuro. – Disse para si mesmo.

Cácata tinha participado de uma formação sobre Micro Finanças e Economia doméstica e não teria outro presente a dar ao namorado senão “Como gerir o pouco e fazê-lo crescer”.

Como é próprio de namorados, o encontro, no jardim, foi regado de beijos e abraços. Falaram sobre o presente e sobre o seu futuro. Na hora da despedida que corresponderia a troca de ideias, Cácata, a jovem, pegou num envelope em que estava a sua sugestão para que Maludi gerisse melhor o seu ordenado e o fizesse crescer. Maludi fez o mesmo. Sugeriu que a sua amada “ressuscitasse as valências adormecidas e abrisse um centro de superação de dúvidas já que tinha o sonho de ser professora e já o fazia de graça”.

Luó e Mavoyo trocaram pães e cada ficou com um pão. Maludi e Cácata trocaram ideias e cada ficou com duas ideias. A que preparou para oferecer e a que recebeu de presente. Em tempo de crise é importante trocar ideias.

 Essa nota introdutória remete-me ao meu bloco de notas para rebuscar as principais ideias trocadas na palestra sobre Gestão de Economia Doméstica, realizada no Ministério da Geologia e Minas e que foram oradores os economistas António Kibonda e Lourenço Kibonda. Eis algumas ideias:

A)     CRISE:  para os japoneses e chineses significa PERIGO e OPORTUNIDADE. Logo deve ser aproveitada como oportunidade para fazem melhor.

B)      Fazer a coisa da mesma forma não produz resultados melhores. Hoje, a mesmice produz já resultados menores.   

C)      Ao gastar é preciso definir prioridades.

D)     Para definir prioridades é importante Planificar, Disciplina no cumprimento do planificado e Determinação que se pode traduzir em resiliência ante a tentações de adquirir o que não esteja no plano.

E)      É importante ir às compras com uma lista de necessidades e valores para cada item, resistindo à compra de produtos periféricos que podem desestruturar o plano de compras.

F)      O crédito e o parcelamento são as melhores formas de pagamento numa economia devidamente estruturada.

G)     Antes de comprar deve colocar-se as perguntas: (i) - preciso realmente disso? (ii) - posso comprar? (iii) - tem de ser agora? (iv) – a compra tem de ser agora? (v) – existe um produto alternativo mais barato?, (vi) – a despesa está planificada?

H)     Em tempo de crise, CRIE. Altere as prioridades e mantenha os valores (princípios). Priorize as aptidões adormecidas. Saia da área de conforto, pois,

I)        Quem não estabelece prioridades desperdiça oportunidades.

J)       Para medir o grau de prioridade, avalie o grau de Importância e de Urgência.

Faça como Maludi e Cácata. trocaram ideias e cada ficou com duas ideias em vez de um presente apenas. Cultive-se e circule informação.

domingo, 1 de janeiro de 2017

A CORVINA E O PUNGO

Era manhã quando se conheceram. Jacinto na fase área da masculinidade e Cármen no auge da beleza e da cobiça masculina

Jack era extrovertido e não se continha aos encantos que ela exalava. Estava ricamente prendada de atributos que punham meio mundo amedrontado, incluindo os garanhões dos bairros mais chique da urbe. Apesar dos seus milhentos atributos, Cármen era do estilo tímido. Aparentava isso nos seus poucos convívios e brincadeiras no recreio da escola. Se calhar os elogios e galanteios a coibiam de se expor. Mas era o que se via e ouvia. Tímida e abundantemente prendada, desde a rectaguarda que nunca acompanhava a cabine na mudança de direcção, aos cabelos negros e longos e uma cor entre o branco e o chocolate.

Para Jack, sempre sem papas na língua, Cármen era uma cobra. Aparente mente resguardada mas perigosa no seu dia-a-dia privativo. A história bíblica do Éden entre Eva, a  serpente e o diabo era o argumento de Jack para descrever a musa dos seus sonhos.

Benguela era a cidade dos sonhos. Conheceram-se numa formação para hospedeiros que Jacinto não terminou por gostar mais de aviação militar do que a civil.

- Jack, gostaria que me ajudasses. Posso contar contigo ou te vais comportar como os outros que não passam da lata? - Advertiu a jovem de forma insinuadora, esperando que Jack engolisse a gajaja.
- Que queres de mim gata?
- Quero quinhentos dólares emprestados. Quando receber o meu ordenado tos devolvo. – Justificou Cármen, exibindo todo o charme atrelado à voz.
- Sabes Carmen, não tenho esse valor de momento mas, se procurares por mim, sábado em casa, sou capaz de te arranjar algum.

Passaram-se dois dias. Jack na defensiva quando o assunto fossem dólares e ela no ataque até que o rapaz cedeu. Puxou tês notas americanas de maior valor facial e as entregou na curva dum corredor, esperando por um beijo em sinal de gratidão.
- Não nos podemos beijar na rua, Jack. Sabes que isso é perigoso, numa instituição. - Atirou , com um dos pés fora do edifício.
O cheiro à maresia daquele parque encaixou-se na mente de Jack.
- Não vou engolir isso em seco. Não sou homem de perder guerras. Vou até ao fim. Tenho de recuperar o meu anzol, com uma grande corvina. Pungo é que não!- falou alto para si mesmo, como quem prepara a apresentação de uma dissertação.

Chegou a noite e dormiu leve. Sonhou com a cama quente, os dólares, os beijos e todos complementos…

Publicado pelo Jornal Nova Gazeta de 26/04/18. In: As travessuras do Jack (no prelo).