terça-feira, 15 de agosto de 2017

VELHO LUMINGU E NETINHO


Dizia o pregador: um jovem, Boss de seu nome, vivia com seu pai que era já muito idoso. Reumatismos e outras maleitas faziam dele franzino e trémulo. À mesa, quase sempre, deixava cair os talheres, os pratos e copos, recebendo desaprovação da nora que se queixava de ver o seu enxoval a diminuir.

Boss tentava encontrar um meio termo. Quando podia comprava louça substituta, porém, a fúria de Queen era tanta.
A conselho da mulher, o jovem Boss entendeu fabricar artesanalmente pratos de madeira e copos de caniço de bambu para o pai.
Velho Lumingu nem força tinha para comer, quanto mais para reclamar. Aceitava pacificamente tudo quanto lhe dessem ou lhe ditassem. A viver aflito encontrava-se Netinho, o filho de Boss e Queen. Acompanhava atento quer ao quebrar da loiça por parte do vovô Lumingu, das arrelias da "filha prendada" de maus ensinamentos que era Queen e  ainda a cegueira daquele jovem próspero, seu pai. E via o vovô Lumingu sempre comendo em prato de madeira e usando copos de bambu.
 

O tempo foi passando. O menino, já adolescente, ia ganhando prática em escultura. Trabalhava e talhava a madeira como ninguém da sua aldeia e da sua idade. Era já quase um artista no trabalho da madeira.
 

Certo dia, decidiu dedicar toda manhã à fabricação de utensílios de cozinha. Não tomou sequer o pequeno almoço.
 

Quando o Boss e a Queen, seu pai e sua mãe, foram ter com ele encontraram-no no meio de uma pilha de objectos: garfos, facas, colheres, pratos, copos, etc.
Surpreendidos, perguntaram-no para que seriam àqueles objectos todos.

- Serão para o papá e a mamã quando tiverem a idade do vovô. Pode ser que até lá eu já não tenha a destreza de os poder fabricar.

Atónitos com a resposta do filho, desfizeram-se automaticamente dos objectos de madeira e repuseram a qualidade de vida que haviam usurpado ao velho Lumingu.

Queen e Boss correm hoje para a idade senil e levam para o fim de suas vidas a lição aprendida do filho primogénito. Espalham-na por onde passam, tornando-se palestrantes em várias organizações, explicando a necessidade de os filhos acolherem os progenitores em casa.
- O tratamento que dispensares aos teus progenitores, será, tenha certeza, o mesmo que pedes a teus filhos! - Têm dito nas suas preleções.

Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta

terça-feira, 1 de agosto de 2017

NAS MARGENS DO RIO

Conta a lenda (com meu apimento):
Duas manas, Kimone e Samba, saídas das terras banhadas pelas águas do Lukala e Kwanza, lá pelas bandas de Kakulu nyi Kabasa, decidiram distanciar-se e constituírem seus “reinos”. Kimone correu em direcção à rota do Sol e fixou-se no médio Kwanza. Samba foi para sul, percorrendo a rota oposta à trajectória do sol, e encontrou terra vastas de vegetação farta que indiciavam ser de elevada fertilidade. Encontrou também sossego entre o Longa e Nyiha. Fazendo-se ao centro daquele território de água e caça abundantes, fixou nele a sua morada.

Com o correr do tempo, a saudade, quer de uma quer de outra, foi aumentando, chegando quase à exaustão. Recadistas não havia e aqueles que transmitiam “mensagens de ouvir contar” também rareavam. A travessia dos rios, em tempo chuvoso, era penosa. Kimone, a irmã mais velha, possuída de saudade, fez-se ao sertão, à procura da irmã. Terá sido em tempo de queimadas, normalmente entre Agosto e Outubro. Viam-se as planuras, as montanhas, os contornos dos rios, e os animais ferozes estavam distantes de terrenos lavrados pelo fogo.

Quando se achavam próximos da aldeia fundada pela irmã, Kimone mandou um emissário confirmar se o povoado à vista era o de Samba, ao que ergueu uma tenda onde aguardou pela resposta que veio afirmativa.

Samba, o emissário de Kimone e mais uns tantos aldeões saíram carregados de presentes e ali mesmo, onde Samba mandara erguer uma tenda para descansar e aguardar pela confirmação, se fez uma grande festa de recepção.

Para levar à posteridade aquele momento ímpar, no local foi construída uma casota que evoluiu até se constituir em aldeia, ganhando o nome da irmã visitante.

Kimone permaneceu na aldeia fundada pela irmã mais nova algum tempo. Dizem mesmo que foi quase um ano, nova época de queimadas, até afogar a saudade.

De regresso à casa, quando perguntada sobre "onde estivera todo aquele tempo", ela simplesmente respondeu:

- Ngwe(nde)le kumona ipala kya Samba (fui ver o rosto de Samba).

A terra conquistada por Samba ficou conhecida, até hoje, por Kipala-kya-Samba (Kibala). No local onde Kimone descansara surgiu uma aldeia registada com o seu nome. Antes da vila da Kibala (Quibala) está a aldeia de Kimone que possui um templo da Igreja Metodista Unida em Angola, baptizado por Boa Esperança-Kimone.

Publicado pelo Jornal Nova Gazeta de 23.02.2017