quarta-feira, 1 de novembro de 2017

E AGORA?

Viram-se crianças. Ele mais adiantado na idade do que ela. Namoraram ao iniciar a juventude plena, ele,  e ela a findar a adolescência. Madó e Loló, naquele tempo assim conhecidos, seus pais e até seus avós nasceram e sempre viveram no Margoso. Estudaram em escolas diferentes, encontraram outros cônjuges com os quais juntaram trapos e formaram famílias. Viveram, porém, e vivem no mesmo bairro. Ele em um edifício de três andares, construído ainda no tempo colonial. Ela em habitação térrea.

             Já a caminho da senilidade, ele pai de menina, a Tininha, prendada por Deus e pela herança biológica. Uma "estraga sapatos" ao passar. Qual homem que se depara com sua carga e não tropeça? Ela, dona Madalena, Madó em tempos de menina, é hoje mãe de rapaz.

As conversas de comadre, entre Madó e amigas de juventude, levaram o Totó a se aperceber que no passado houvera um "affaire" entre a sua mãe e o pai da jovem que ele ardentemente cobiçava. Sentiu-se encorajado ao ouvir aquela conversa e conseguiu cravar o primeiro beijo à Tininha.

Com o tempo, conversas daqui e dacolá, Totó contou à namorada o que foram a adolescência e os factos marcantes entre seus progenitores. Outros factos lhes chegariam aos ouvidos, por meio de tios e tias com que os pais conviviam.
- Teu pai deflorou minha mãe! - Disse um dia Totó, despretensioso e a seco.
Tininha nem sim, nem não. Era ainda uma flor imaculada. Rolaram os tempos, cada vez mais eram vistos de mãos dadas.
- Esses meninos estão mesmo a seguir as peugadas dos pais. - Diziam os mais velhos do bairro que sabiam mas nada diziam.

 
Dias depois. Noite de pouca luz. Depois da telenovela das vinte e trinta, Tininha chegava a casa banhada de lágrimas. Saia, quase a cambalear, do terraço do prédio onde fora vista a conversar com o Totó.


- O que foi, filha? - Questionou o pai preocupado.

- Foi o Totó, pai.  Fez-me o que o papá fez à mãe dele!
 
 Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 29/06/17