sábado, 1 de setembro de 2018

ANTIGAMENTE NO RANGEL

 
O tambor, uma lata de leite de qualquer marca, agredido por um ferro ou uma pedra, gritava ao máximo de sua força. Pá-pá-pá-pá.
Atrás do som, uma, duas ou três senhoras, lábios secos e pés empoeirados de tanto gritar e caminhar, soltavam um coro, alegre para a nossa inocência de tundenge e preocupante para as mamães que podiam estar naquela situação um dia, a contar com as nossas travessuras e o seguidismo ao Mam-Brás, ao cavalo-tica-tica, e, sobretudo no tempo de carnaval. Essas as mamães confirmavam antes a presença dos seus tumbonga é prestavam-se em passar informação e pedir detalhes sobre o garoto ou garota desaparecida.
- Pá-pá-pá... O gritar intrépido da lata já ampliada ia, deixando rasto na rua varrida manhã cedo pelas mamães. Cada uma atacava o seu lado. Lixo tinha lugar, o balde, no quintal, e depois o depósito com ou sem contentor.
Atrás do barulho da lata, ou quase em simultâneo, a manhã aflita e suas companheiras gritavam, quase já sem força. Apenas esperança em reencontrar o filho amado.
- Nanyi wa ngi bongela kambonga Ka dyaléééé? É a lata tambor continuava Batucando.
É esse o Rangel do meu tempo, século passado, quarenta anos.
E o som, as trambiquices, as magoelas na carroça do carro do vizinho ou dum visitante qualquer, as pescarias de "bagudas" na vala Senado da Câmara, junto ao Catetão, as cercanias da DTA para apanhar loiça descartável já descartada, os pinos na Chicala e ou na praia do Mbungu, as castanhas de caju que só o comboio permitia chegar ao quilómetro trinta de Viana, tudo isso ainda no ouvido e na memória.
- Vocês, estão a ouvir n'é? É melhor tomarem cuidado. Se calhar quem se perdeu é vosso amigo da bola ou de brincadeiras. Quando mamã fala não sai é mesmo para não sair.
Qualquer vizinha era tia. Era mamã no aconselhar, repreender se necessário e acarinhar quando injuriado. 
- Filho 'lheio tem 'mbora razão dele. Pra quê só fazer no filho da outra quando você também tem kambonga? - Acudiam.
Hoje, com escolas do povo, colégios privados, ATL e creches para todos os bolsos, media e redes sociais para todos, nem o pregão que procura o filho desaparecido, nem as brincadeiras são as mesmas. Tudo mudou. Até as razões das desaparições dos meninos. Hoje a atenção redobrada é com raptores de menores. Porque a TV os jogos, as escolas e os quintais murados feitos prisões já não as leva tanto a caçar gafas, apanhar peixinhos para guardar em aquário de garrafão cortado, nadar inocente no perigo da Chicala e Mbungu ou pendurar-se ao comboio para chegar à fonte de castanhas de caju. São outros os males e os remédios também!

Texto publicado pelo Jornal Cultura/2018