Durante os anos 90, no coração da regedoria de Kuteka, havia um gaveto discreto entre duas alas do edifício da Kuditemo Lda., o maior fornecedor de kuribotices da época. Nesse canto esquecido, funcionava um serviço público modesto, quase clandestino, onde reinava uma máquina Konica — a famigerada fotocopiadora que, com seus ruídos metálicos e cheiro de toner, parecia ter vida própria.
Ali trabalhava André Kitongo, jovem culturista de 25 anos, cuja presença era tão aguardada quanto o café da manhã. As secretárias e o pessoal do expediente dirigiam-se a ele com uma mistura de respeito e urgência. Na sua ausência, deixavam os documentos por fotocopiar sobre uma velha mesa de madeira, marcada pelo tempo e pelos cantos lascados, acompanhados de recados em post it de todas as formas e cores: corações, tiras estreitas, tons quentes e frios, verdes-alface e amarelos desbotados. Com o tempo, André desenvolveu uma habilidade quase mística de identificar o remetente e a urgência apenas pela cor e formato do papel.
Na sala, além da Konica e da mesa, havia um sofá gasto, de estofos cansados, que durante anos acolheu as horas de descanso de André. Era ali que ele repousava entre uma cópia e outra, sonhando talvez com músculos maiores ou com os mistérios por trás dos recados que recebia.
André não descartava os post it. Guardava-os com zelo numa caixinha de papelão, onde cada bilhete era uma peça de um puzzle que só ele parecia entender. Alguns eram memoráveis:
“André, quero frente e trás. Jéssica.”“Querido André, hoje quero só de trás.” – Bela.“Andrezinho, hoje tens de fazer rapidinho. Quero duas de trás.” – Rosa.“André, sem demora, estou sem muito tempo. Quero de frente. Rápido...” – Andresa.
Com o tempo, o serviço foi transferido para outro local, por conta de obras de restauro. O gaveto ficou para trás, esquecido, como um segredo mal enterrado. A caixinha permaneceu ali, entre o pó e o silêncio, testemunha muda de uma rotina que já não existia.
Vieram os tempos de abandono. O edifício, outrora funcional, tornou-se abrigo de mendigos, vagabundos e mulheres da vida. O sofá, antes trono de André, virou leito de passagem. Alguns recados, curiosamente, foram materializados — não por André, mas por outros que ali encontraram refúgio e sentido nas palavras soltas.
Anos depois, chegaram os homens da empresa restauradora. Vasculhando os escombros, encontraram a velha mesa, o sofá desbotado e, por fim, a caixa de post it. Ao lerem os bilhetes, sem qualquer contexto, imaginaram histórias que não existiam, fantasias que não eram reais. E assim, entre risos e especulações, apelidaram aquele cubículo de “prostíbulo do André”.
Mal sabiam eles que ali se escondia apenas um capítulo singelo da burocracia de outrora — um lugar onde a rotina se escrevia em cores e onde cada recado era apenas um pedido de cópia, envolto em afecto, pressa e papel adesivo.