domingo, 4 de dezembro de 2011

O MORCEGO DE MAYOMBE

(X conto)


Na floresta de Mayombe, Tati era um morcego feliz. Vivia com sua família e tinha tudo. Frutas abundantes, insectos com muitos nutrientes e uma família que cooperava na segurança e conforto. O ninho em que viviam era de plumas recolhidas junto a um aviário. Tati vivia em festa permanente, pois nunca lhe faltava nada.

O andar do tempo e a destruição do seu habitat trouxe, entretanto, alterações na sua vida.

Primeiro apareceram os madeireiros e derrubaram a árvore em que estava o seu ninho. Foi um dia muito triste, pois chovia muito em Mayombe e a família de Tati teve que dormir ao relento.

Quando a chuva terminou, ainda tentaram construir um outro abrigo, mas as plumas que aqueciam os abrigos ninhos tempo de chuvas ácidas estavam cada vez mais difíceis.

Depois surgiram as pestes, devido à poluição que se fazia sentir na região. As fábricas mandavam muito fumo para a atmosfera, as britadeiras faziam muita poeira e os esgotos das residências estavam todos apontados para os rios. Todos começaram a sofrer: os homens, os animais e até as plantas. Ninguém tinha um ar puro nem água potável.

Tati, o morcego de Mayombe que já era órfão de pai, perdeu a mãe e, depois, os seus cinco irmãos.

O sofrimento instalou-se e Tati começou a passar fome e falta de companhia.

Primeiro, juntou-se a um grupo de ratos que procuravam por comida debaixo duma árvore. Tati apresentou-se e contou toda a sua história: da perda da família, da destruição do ecossistema que grassava pelo Mayombe e da solidão da sua vida. Um dos ratos, Madyeco, que era por sinal o mais pequeno e muito instruído, ainda chegou a dar um abraço a Tati, mas os mais velhos, vendados pela ignorância, retiraram-se e negaram toda a aproximação com Tati.

- Oh Madyeco, estás burro ou quê? Já alguma vez viste um rato com asas? Isso é obra de Satanás. Anda dali, pá! - Ordenou o mais velho do grupo de nome Ntengo.

Madyeco teve de seguir o grupo e Tati continuou sozinho.

Veio a noite e depois a manhã. Um bando de passarinhos festejava na copa da árvore a chegada do rei sol. Tati acordou e depois da higiene matinal decidiu juntar-se a eles. Os morcegos geralmente são noctívagos e não se apresentam durante o dia, mas Tati fez coragem e lá foi ter com os passarinhos. Mal se apresentou, já dois deles zombavam da sua presença.

- Hi-hi-hi… - ria perdidamente Kadyembe, um passarinho conhecido na floresta pela sua loucura. - Vocês já viram, alguma vez, um parente nosso com pelos? - Perguntou outro, retirando-se posteriormente em voo rasante sobre as árvores mais baixas.

- Tati sentiu-se tão mal com o comportamento daqueles jovens ignorantes que nada entendiam de convivência pacífica entre as espécies. Abordou o passarinho que parecia ser o mais velho do grupo para explicar que apenas queria conversar, já que estava sem os seus parentes, mas Ntyete, o chefe daquele bando, também o desprezou.

- Sai daqui seu dentuço. Não há, por esta floresta, pássaro nenhum que tenha dentes. - Alertou ao seu grupo que se retirou de imediato.

Com a segunda desfeita, Tati não teve outra saída que não fosse o seu recolhimento ao ninho.

Com o desgosto da desfeita, Tati deixou de comer em condições e a vida para ele parecia não ter mais sentido.

Um belo dia, quando tudo parecia perdido, apareceram perto da árvore que suportava o seu pequeno ninho uns homens com roupas que se pareciam a folhas de árvores. Os homens de verde inventariavam os estragos que a desflorestação tinha causado à flora e à fauna do Mayombe. Notaram que muitas árvores tinham sido cortadas e os animais, sobretudo os morcegos que à noite embelezavam a floresta com seus voos, tinham desaparecido.

- Vamos preservar a nossa herança colectiva. - Disse um deles.

- Sim. Vamos recolher tudo o que for exemplar único para que possa viver e reproduzir-se. Temos de fazer com que os nossos filhos vejam árvores, pássaros e outros animais como nós víamos quando éramos pequenos. – Responderam os demais integrantes do grupo que carregavam uma enorme gaiola onde colocavam todos os passarinhos que encontravam solitários .

Tati apercebeu-se então que podia ser salvo da morte anunciada. Fez a última força que lhe permitia o seu corpo e saiu do ninho.

Os homens recolhiam também para um zoológico os animais e as plantas que estavam em vias de extinção para os preservar.

Os ambientalistas levaram-no ao jardim zoológico de Simulambuco onde Tati vive até hoje muito feliz, com outros animais e aves de várias espécies recolhidos do Mayombe.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O CÃO RAFEIRO DA RUA DA LIBERDADE

Na cidade de Ondjiva, Twayovoka era o cão mais rafeiro da rua da Liberdade. Lutava por tudo e nada e tinha as orelhas todas estraçalhadas devido às arranhaduras e mordeduras que já sofreu. De longe, as marcas das feridas e os buracos nas orelhas pareciam argolas.

Twendi ko Vaso, o seu amo, até já quis se desfazer dele mas a dona Nsingi, uma senhora do Zaire que gostava de cães, impediu que Twayovoka fosse morto e prometeu ficar com ele caso Twendi ko Vaso insistisse em matá-lo.

O surgimento de uma cadela em período de cio era motivo para Twayovoka se envolver em brigas com outros canídeos que se fizessem à rua. As suas lutas demoravam horas ou mesmo o dia todo e Twayovoka, o cão mais rafeiro, como também era conhecido, só deixada de brigar quando chegasse o seu amo ou a dona Nsingi. E não era fácil separá-lo dos outros cães da cidade. Era preciso dar-lhe um pedaço de frango ou um osso qualquer. A briga só terminava ao fugir dos outros, para que não cobiçassem o seu lanche.

Certa vez, numa das suas brigas, Twayovoka enfrentou um cão polícia que não lhe deu tréguas. A sua fama de melhor lutador tinha terminado, pois o cão polícia, que era enorme, enrolou Twayovoka como se fosse uma bola e o arrastou por muitos metros. Até as cadelas que preferiam o aguerrido Twayovoka tinham deixado de gostar dele. Não se sabe ainda se foi por causas das suas frequentes brigas ou se foi por causa daquela surra que apanhou do cão polícia.

Mas a grande cena do Twayovoka foi mesmo quando a vizinha Nsingi lhe ofereceu um grande osso de vaca.

Twendi ko Vaso, o seu amo, estava ausente em gozo de férias na Lunda Norte e Twayovoka, que era odiado pela vizinhança, passava fome.

Zelosa, como sempre, a dona Nsingi, que também era assistente de veterinário , decidiu dar-lhe uma segunda oportunidade. Deu-lhe um osso, ainda com alguma carne, e o cão, com o osso na boca, meteu-se em correrias para o outro lado do rio Kunene.

Foi então que ao atravessar a ponte, viu a sua imagem reflectida na água. Ambicioso como era, Twayovoka pensou que fosse um outro cão que o perseguia para lhe receber o osso.

Para afastar aquele que pensava ser o seu inimigo, o cão guloso ladrou e o osso escapou-lhe da boca, caindo na água.

Faminto e aflito, o cão jogou-se rio abaixo, mas a corrente era tão grande que Twayovoka foi arrastado até a uma grande queda onde havia jacarés.

Sem como escapar daqueles famintos répteis, Twayovoka serviu de almoço dos jacarés que tiveram um dia de muita festa.

Com a morte de Twayovoka, as lutas entre cães vadios diminuíram na cidade de Ondjiva e os meninos que frequentavam a escola deixaram de ser atacados por cães raivosos que eram muitos no tempo de Twayovoka.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A GALINHA SOLTEIRA E O GALO QUE NUNCA SE VIU AO ESPELHO

Kaxinda era uma galinha solitária. Kolombolo, o galo que sempre lhe foi fiel companheiro, foi abatido para alimentar uma festa de fim do curso do Sr. Kalipande, o dono da casa em que Kaxinda vivia. Os seus lindos filhos, Kimone, Sanuka e Ngwami Maka, também foram abatidos em outras festas que se passaram na mansão do tio Kalipande e sua mulher, dona Nzala ya Ifo.

Um dia, ao ver que o portão da casa estava aberto, Kaxinda decidiu espreitar a vida fora do quintal e verificou que havia muitos galos, galinhas, frangos e pintainhos que se deleitavam com a vida fora daquele muro alto e gradeado. Kimone bateu as asas, deu um pulo e saiu.

Na rua, foi recebida com cantos e cacarejos, embora criasse ciúmes a certos galos que se gladiavam por causa da sua beleza ímpar.

Wafwa Meso, foi o príncipe encantado que Kimone escolheu. Ele era tão grande e tão calvo que tinha a cabeça em forma de meia-lua e a crista cheia de crostas e cicatrizes . Wafwa Meso vencia todas as lutas e tinha, por isso a simpatia de todas as galinhas daquela rua.

Depois de muito esgravatar a terra e conviver com os seus semelhantes, Kimone decidiu voltar à casa. Eram já treze horas, altura em que os meninos da primária voltavam da escola e o portão se voltava a abrir. Wafwa Meso, o namorado encantado, foi acompanhá-la e também entrou na mansão, sendo bem recebido pelo cão Mukwateno que cabriolava na relva e pelo pequeno Mwana Mwata, o kaçula da casa.

Enquanto Kaxinda passeava pelo quintal, como quem mostra a casa ao visitante, Wafwa Meso, que também enxergava mal, não se cansava de olhar para os vidros das portas e das janelas que reflectiam a sua imagem. Dentro de si terá pensado que havia à sua frente um outro galo e que cobiçava a sua nova namorada.

Wafwa Meso ensaiou posições de ataque e atirou-se várias vezes contra a porta fechada.

Aflita com a pequenice daquele galo grande, Kaxinda cacarejava cada vez mais forte, em jeito de correcção. Mas Wafwa Meso estava cego de tudo e não conseguia entender a razão do chamamento. Continuou a lutar contra a sua própria imagem reflectida no espelho.

O galo tanto lutou que acabou desmaiado na relva onde o aguardava o cachorro Mukwateno que o atacou pela garganta até não poder respirar. O rapaz Mwana Mwata ainda tentou acudi-lo, mas já era tarde. O galo morreu asfixiado e foi entregue aos seus donos que confeccionaram uma apetitosa cabidela.

Kaxinda continuou solteira e nunca mais decidiu levar à casa um galo que não tivesse vidros reflectores em sua casa, para não voltar a passar tamanha vergonha.

sábado, 3 de setembro de 2011

Lwole e Mukwa Wevu

(História e estórias do nosso povo)

Musumba era a antiga capital do reino da Lunda, uma grande cidade que ficava nas margens do rio Kasay. O rei Nkonde Mateta, já muito velhinho, tinha dois filhos, Kinguri e Cinhama e uma filha, Lueji.

Como os filhos eram muito desordeiros, o rei decidiu, antes da sua morte, deixar a coroa real à guarda de Lueji. Tanto por ser a mais nova e mais ainda por ser mulher, aquela escolha criou um grande descontentamento dos irmãos e daqueles aldeões mais conservadores.

Kinguri juntou os seus apoiantes e, com a mulher e os filhos, retirou-se para oeste. Cinhama também juntou a sua família e os seus amigos e partiram para o sul.

Lueji e todos aqueles que a aceitaram como nova rainha ficaram na Musumba. Mais tarde casou com Ilunga, um caçador estrangeiro, de origem Luba.

Na Musumba do rei Mateta o povo vivia da caça, da pesca e dos frutos que a terra dava. A retirada dos dois príncipes, veio alterar esses hábitos antigos. Kinguri e o seu povo optaram pela guerra, pelo comércio e pela agricultura. Cinhama, continuaram a caçar e a pescar nas chanas [1] do Moxico, mas tornaram-se grandes viajantes, chegando a conhecer vários povos com os quais se casaram e formaram alianças.

Essas viagens dos descendentes de Cinhama deixaram histórias que foram passando de geração em geração.

Perto de Kameya viviam dois homens, netos de Cinhama.

Lwole era cego e vivia com a sua esposa e sete filhos na aldeia de Hwima, encostada a uma pequena montanha. Cultivava masambala [2] ao redor da sua pequena aldeia familiar. Possuía muitos cães de caça e outros animais domésticos.

Mukwa Wevu tinha herdado do avô uma espingarda de caça e passava a vida junto às nascentes dos rios e nos prados [3] onde apareciam muitos animais selvagens. Certo dia, vendo que estava sem cartuchos, deixou a sua aldeia, nas margens do rio Luxico e foi ter com o irmão Lwole.

- Meu irmão, estou sem cartuchos para caçar. Preciso que me emprestes os teus cães de caça e tudo quanto conseguir será dividido ao meio.

Lowle, que era o mais velho entre os netos de Cinhama, concordou.

- Está bem meu irmão. Peço-te apenas que tenhas cuidado com os animais ferozes e voltem todos completos.

Mukwa Wevu, satisfeito, partiu no dia seguinte com os sobrinhos e os valentes cães de raça. Levavam ração para os dias de retiro.

Durante sete dias, Mukwa Wevu conseguiu apanhar, com a ajuda dos cães, dez gazelas, vinte cabras do mato e algumas lebres. A carga foi repartida entre os seus ajudantes que seguiram de imediato à aldeia de Citende onde viviam.

Ao chegar à aldeia, Mukwa Wevu foi recebido pela mulher e pelos filhos com uma grande festa. Cimwanga, a esposa de Wevu, apercebeu-se de que a caça tinha sido boa e por isso convidou todos os parentes e os povos das aldeias mais próximas para um grande banquete. Tão grande foi a festa que boa parte da carga foi consumida, restando pouca carne para o irmão mais velho que aguardava pelas peças que lhe foram prometidas.

Três dias mais tarde, quando Lwole lamentava já a ausência do irmão e dos seus cães, lá apareceu o caçador com uma gazela pendurada ao ombro e duas lebres como recompensa.

-Mano, aqui estão os cães e a metade da carne que apanhámos. - Disse Mukwa Wevu.

- Será que os meus cães só apanharam esta carne? - Interrogou Lwole, desconfiado. E prosseguiu, acusador: - Até soube da grande festa que houve na tua aldeia e que se espalhou por todo este Cifuci [4].

Então, Mukwa Wevu, que já tinha bebido uma cabaça [5] de hidromel, começou a maldizer o irmão mais velho, chamando-o de cego e inválido.

Da contenda entre eles resultou que os dois manos se amaldiçoaram um ao outro o que fez com que uma grande praga se instalasse sobre a região: De repente, o céu escureceu. Veio um vento muito forte. Tão violento que as árvores foram todas arrancadas do solo e ninguém sobreviveu. A aldeia de Hwima ficou transformada em gigantescas pedras que hoje só acolhem cobras e canta-pedras [6]. Por sua vez, a aldeia de Citende, onde vivia o ambicioso Mukwa Wevu, transformou-se num enorme lago onde ainda hoje abundam bagres e cacusos [7].

Isto aconteceu a muito, muito tempo! Mas quem vai ao Moxico, ainda hoje ouve os mais velhos contarem o que se passou com Lwole e Mukwa Wevu e da lição que ficou para lembrar a ambição de um dos netos de Cinhama, o fundador das terras do Moxico.



[1] - Terrenos alagados. Muito abundantes no Leste de Angola.
[2] - O mesmo que sorgo ou milho-miúdo.
[3] - Terrenos planos próprios para a pastagem de animais.
[4] - Território, País (na língua Cokwe).
[5] - Reservatório usado para a fermentação do mel e outras bebidas.
[6] - Pequenos animais roedores que se abrigam em cavernas.
[7] - O mesmo que Tilápia: peixe bastante apreciado pelos povos de Angola.

sábado, 13 de agosto de 2011

DIÁLOGO

===

Hoje em dia, há, em todo o lado, pessoas que falam mais dos feitos do passado do que do futuro, que falam mais da oposição do que da governação, que olham mais para si do que para a país, que andam aí a gabar-se de coisas que nunca fizeram nem pensaram um dia fazer… pessoas que andam na roda sem saber como se toca a música. E, vamos indo de rasto em rasto, de promessas em mentiras, de pobrezas em misérias até à morte final. Faltam coisas novas, ideias… a até novas mentiras. O diálogo entre Katende e Kaphonde, dois nativos com vivências comuns e incomuns é exemplo.  

- Oh Mano Katende, dizem que desde que vieste a capital cresceu muito. É verdade?
- Hum! Quem foi que te mentiu assim, oh Kaphonde? O Musseque nem um passo deu em direcção ao asfalto e a luz eléctrica desapareceu. Em Maio de 1984, quando do meu primeiro cara-a-cara com Luanda, a cidade começava na Sat’Ana. Era ali que começavam duas ruas larga com os carros orientados em apenas um sentido. Havia iluminárias altas que diferenciavam Luanda de outras cidades do interior, onde também havia carros ruidosos e luz eléctrica. Hoje, 27 anos depois, o cenário é o mesmo, apesar de alguns trabalhos que uns desatentos dizem tratar-se de crescimento.
- Como assim se antes tudo isso aqui era capim?
- Quem sai de Viana a Luanda, rapidamente se apercebe que a capital tem algumas ruas iluminadas apenas ao chegar ao cemitério da Santa’Ana. O mesmo trecho que vi em 1984 e que vai até ao Jumbo. Todo o resto a montante é “paisagem” escura e propiciadora de muitos acidentes de viação, à noite, dado o encandeamento de uns sobre os outros que circulam em vias opostas. Os desníveis no asfalto, entre um trecho reparado e outro a aguardar pelo novo tapete, tem sido outra causa de despistes, rebentamentos de pneus e a destruição de jantes, sobretudo os de liga leve.
- E quem se responsabiliza pelos danos? Há?
- Ninguém! Você pensa que aqui te ligam? No cú do perú!
- Mas então a cidade cresceu ou não?
- Aumentaram apenas as casas. A vila da Mata, o Golfe, o Palanca, o Tunga-Ngó, o Curtume, o Kikolo e arredores, o Mulenvos, Viana Sanzala, Vila Nova, Kambamba, Benfica e outros bairros que na altura eram lavras são agora autênticos guetos… O Musseque Braga Junta-se ao Musseque Baia. Nada mais do que isso! Quanto à evolução da cidade é tudo pioria!
- Pioria como?
- Sim pioria. Male-male. Pior ainda é a nova banga na recolha nocturna do lixo e sua pesagem para pagamento. O peso é que define o valor a pagar à operadora. E nesta correria pelo dinheiro que é público muitas operadoras preferem mesmo escavar e levar terra em vez de lixo. Consequências, deixam os bairros esburacados e cada vez mais sujos! Outros na ânsia de chegar primeiro, os motoristas, vão espalhando rastos de lixo por onde passam, chegando mesmo a provocar acidentes de veículos que volta e meia dão de cara com um estranho monte de lixo na estrada caído dum camião ou tractor sem cobertura. Acha que alguém da parte do “quem de direito” vê isso?
– Ninguém vê. Na hora todos tornam-se cegos, excepto aqueles que vivem os problemas sem onde se queixar. Passa ainda pela estrada dos Mulenvos, que dá à lixeira provincial. É um exemplo de todos os dias. Os condutores de ligeiros estão sob risco permanente de serem abalroados por um camião de lixo descontrolado ou embater contra uma montanha de lixo “descarregado” na via.
- E os hospitais como estão? É que estou a pensar operar a minha dituba...
- Ah! Esses só a descer. Um paciente que acompanhei por duas vezes consecutivas foi internado numa cadeira do Banco de Urgência dum hospital de referência. E note-se que não é dos que ficam na periferia. É mesmo entre o largo Primeiro de Maio e o largo da Sagrada Família. Depois de ter passado a receber soro numa cadeira foi-lhe dada alta médica, alegadamente por falta de espaço. E não é que teve de voltar à noite ao Hospital pois a saúde degradou? Solução: outra noite, no mesmo hospital, outro soro na cadeira e outra alta na manhã seguinte…Nesse jogo de rato e gato tivemos de optar pelo Hospital do Prenda onde, mesmo sem camas e espaço no B.U., os médicos e enfermeiros se mostraram autênticos profissionais, distribuindo os pacientes em macas: um mal menor para quem passou duas noites seguidas internado numa cadeira.
- E a água já jorra nas torneiras como no tempo do caputo?
- No hospital do Prenda sim. Até deu para lavar o doente. Mas na torneira de casa são as baratas e as minhocas que moram no PVC.
- E a educação, mano, como vai? Disseram-me que o a-e-i-o-u já não se ensina na pré…
- Antigamente cantávamos a ma me mi mo um ou depois de aprender o abcd. Agora tudo mudou. É só passar de ano e professor único para todas as classes, da kabunga à sexta, já se viu? E nem tudo isso é ainda o cúmulo…
- Ah! Não é?
- Sim. Imagina no vizinho que de lua em lua põe música alta e a polícia que tem esquadra bem ao lado ainda aproveita ir pedir cerveja sem mandar fechar a aparelhagem.
- Mas como assim se não há luz todos os dias?
- Oh mano, você está a ficar burro ou quê? São os fofando! Você num sabe que já substituíram a luz da EDELI? Arra xiça pá! Vamos só descansar, antes que pensem que somos do contra!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O HOMEM ZELOSO E O KIFUMBE

Era uma vez…

Na Angolândia, uma país que vivia dias d epaz e muitos sorrisos nos rostos das crianças, havia um homem muito humilde, amigo dos filhos da esposa e de seus familiares. Todos o respeitavam por isso e sentia-se ele um homem feliz . Tinha a família ao seu lado.

Um certo dia resolveu visitar os parentes da esposa. Ela chamava-se Ngueve e ele Njamba. Pelo caminho, num cruzamento, encontrou um homem sem pés nem braços. Fazia tudo com a boca. Era desconhecido naquelas paragens, mas Njamba muito atencioso decidiu-se em dar-lhe ouvidos e atender as suas preocupações.
- Para aonde vão? - Perguntou o estranho.
- Visitar os meus sogros. – Respondeu Njamba.
- Também vou. – Afirmou o estranho.
- Tudo bem. – Respondeu Njamba sem questionar como ele iria e a que velocidade.
N a sua peculiar calma e paciência, Njamba arranjou uma maca e transportou o homem estranho que não se calava durante o caminho. Era tão impertinente que chegava a dar ordens a quem o transportava de graça.
- Pára aqui para beber água - Ordenou a certo momento.
- Pára ali que quero comer um figo. Vira acolá que quero descansar numa sobra de mufumeira .
Paciente, Jamba foi aturando até chegarem à aldeia dos sogros que distava uns treze quilómetros.
Mbuanga e Katambi, os sogros, receberam-nos como muito prazer e emoção. Até mesmo o estranho foi tratado como se de família se tratasse sentando-se também ele à mesa para o banquete .
- Eu só como carne e muita carne. – Disse o estranho Kifumbe.
- Ok. Sem problemas. Far-te-emos as honras da casa. Aguentamo-nos com as ervas que também nos fazem bem. - Disse Katambi, o sogro de Njamba, que teve a concordância da mulher, da filha e do genro.

Já de regresso à casa, os pais de Ngueve, que eram muito velhinhos, ofereceram ao genro muito gado, aves e cereais que colocaram numa carroça puxada por bois. Levaram de volta o estranho "empata" que não queria ficar naquela aldeia onde dizia ter parentes…
Ao chegarem ao mesmo cruzamento em que o encontraram pela primeira vez, o kifumbe disse para o casal: - Temos que repartir tudo o que vos ofertaram porque eu também fui visita na casa deles.
Mais uma vez Njamba concordou, embora tivesse a discordância da mulher, mas manso como era aceitou. Njamba não gostava de confusões. Deu-lhe dois cabritos, um boi, cinco galinhas e um saco de milho.
- Mas não é tudo. Não vês que falta uma coisa? – Perguntou o kifumbe.
- Uma coisa? Como assim? Não te dei parte do que me ofereceu o meu sogro? - Respondeu-lhe Njamba já meio aborrecido.
- Falta dividirmos a tua mulher - Disse-lhe o atrevido sorridente.
Chateado, perante aquela petulância e falta de gratidão, Njamba meteu-se aos choros e a clamar por socorro. Apercebeu-se de que estava perante um fantasma. Um assassino.
Primeiro apareceu um pássaro e depois um cão que perguntaram a Njamba por que estava ele a chorar de tanta raiva. Njamba explicou o que se tinha passado e o pássaro perguntou ao kifumbe:
- Como se pode repartir um ser humano ao meio?
O kifumbe sem resposta tentou atirar-se ao pássaro, mas este chamou pelo cão que correu com ele. Assim, a mulher ficou salva e a felicidade voltou a fazer parte daquele casal.

Moral da estória: Não se deve confiar em demasia nos estranhos.

sábado, 2 de abril de 2011

A MADRASTA TETÉ

ERA UMA VEZ…

Kibocolo é uma pequena vila do Uige. Uige é uma província do norte de Angola onde se planta muito café e muita mandioca também.

Na vila de Kibocolo vivia uma senhora cujo nome era Teté. A senhora era viúva tal como o senhor Jota-Jota que era pai da Joaninha.

Joaninha era uma menina de sete anos cuja mãe tinha falecido num acidente que até hoje ainda ninguém dos habitantes da vila sabe explicar. Como a menina precisava de cuidados de uma mãe, o seu pai decidiu-se casar novamente e dar a sua filhinha aos cuidados de dona Teté, a sua nova esposa.

Apesar de muito meiga e cumpridora dos seus deveres, Joaninha era muito maltratada pela madrasta e até privada de ir à escola. Sempre que chegasse o tempo de apanhar salalé era a ela que recaía esta missão difícil no meio do capim alto e muitos mosquitos que lhe podiam transmitir o paludismo e outras doenças da pele. Mas a menina mesmo sabendo que aquilo lhe podia fazer mal não incumpria.

Como o salalé era muito apreciado, a madrasta comia todo, contentando-se a menina com os restos. Tudo era feito na ausência de Jota-Jota que por ser pastor de gado ausentava-se frequentemente de casa para alimentar os seus rebanhos.

Um dia, Jota-Jota decidiu abandonar Kibocolo e mudar-se para Sanza Pombo que tinha prados com muito capim fresco para alimentar os cabritos e os carneiros. Como no quintal da nova casa havia uma figueira a madrasta incumbiu à Joaninha controlar a árvore de modo que ninguém roubasse os apetitosos figos.

Quando começaram as aulas Joaninha deixava a figueira desprotegida e os pássaros aproveitavam fazer a sua festa. Certo dia apareceram tantas aves famintas que acabaram com os figos todos. Foi um dia triste.

Ao chegar da escola, Joaninha apercebeu-se que a figueira estava sem frutas e muitas estavam espalhadas pelo chão. Começou a temer pelas represálias da madrasta que era muito má.

Dona Teté nem sequer deu ouvidos à menina e começou a bater nela até desmaiar. Temendo ser surpreendida pelo marido, a madrasta pegou o corpo da menina e o enterrou com vida longe da aldeia, num sítio de passagem do gado para a pastagem.

Chegado à casa, Jota-Jota notou a ausência da sua filhota e perguntou:

- Onde está a Joaninha?

- Foi ao rio acarretar água. – Respondeu ela a fingir.

Passado algum tempo Jota-Jota voltou a perguntar.

- Teté, onde foi que mandaste a criança?

- Já te disse Jota, foi ao rio. Sabes como é irresponsável a tua filha. Deve estar na brincadeira com as amigas. – Voltou a responder a senhora.

Preocupado, Jota-Jota meteu-se a caminho do rio e não encontrou a filha. Chegado à casa voltou a perguntar e a e mulher respondeu:

- Se não está no rio, também não sei aonde foi. Deve ter desaparecido.

Passados meses, no lugar onde a menina fora enterrada cresceu muita relva e sempre que os pastores por lá passassem acompanhando o gado ouviam uma estranha canção saída da mata.

Oh pastor do meu papá

Não cortes o meu cabelo

Minha mãe me criou

Minha madrasta me matou

Só por causa da figueira

Cujos figos não tirei.

Os pastores abandonaram o gado e correram à casa para contar o sucedido ao patrão Jota-Jota que decidira ir às compras na cidade de Carmona .

Suspeitando que estivesse quase a ser descoberta Teté mandou de imediato os pastores voltarem ao pasto, mas estes recusaram-se, e decidiram aguardar pelo patrão.

- Vocês sabem que o gado não pode ficar na aldeia, por que razão está aqui? – Perguntou ela ameaçando-os.

Os homens mantiveram-se calados e nada responderam. Teté ainda tentou inventar que os pastores tinham voltado à casa com o gado incompleto o que fez Jota-Jota dirigir-se mal aos seus trabalhadores.

O mais velho dos pastores chamou o patrão a um canto isolado e contou-lhe da música estranha que ouviram a caminho do pasto. Jota-Jota ainda tentou duvidar mas o pastor mais novo repetiu a canção;

Oh pastor do meu papá

Não cortes o meu cabelo

Minha mãe me criou

Minha madrasta me matou

Só por causa da figueira

Cujos figos não tirei.

Jota-Jota juntou os retalhos da história e concluiu que algo de mal se tinha acontecido com a sua filhinha. Rumou com os pastore ao local e mal o gado começou a comer a relva ouviu-se de novo a canção entoada por uma voz parecida à da Joaninha.

Concluiu então que dona Teté tinha morto a sua única filha querida.

Chegado à casa perguntou-lhe:

- Por que me disseste que a minha filha tinha desaparecido quando na verdade a mataste por causa dos figos?

Dona Teté, sem desculpas, começou a chorar implorando por perdão. Jota-Jota ordenou aos seus empregados que a amarrassem para não fugir e foi chamar a polícia que aprendeu, sendo condenada por muitos anos de cadeia.

quarta-feira, 2 de março de 2011

A CEGA E O CÃO

ERA UMA VEZ…
Na aldeia de Kanjala, na costa de Angola, entre o Sumbe e o Lobito, vivia uma mulher com deficiencia visual em um dos olhos. O nome dela era Milika e estava casada tradicionalmente com um homem chamado Ngufu.

Ngufu era extractor de maruvo de palmeira e de bordão e praticava também a caça. Tinha por isso um cão chamado Kelula .

Um dia, ao trepara à palmeira para cortar um cacho de dendém e retirar uma cabaça de maruvu, Ngufu esqueceu-se de levar consigo o kanjaviti e olhando para baixo dá de olhos com o cão que farejava no trilho dos pukus . O homem, preguiçoso diz para si mesmo:

- Se esse cão fosse pessoa dar-me-ia o machadinho e eu evitaria de descer completamente.

O cão que ouvira a expressào desdenhosa do seu amo, fez aquilo que faria um ser humano adulto e deu-lhe o kanjaviti.

Cortado o cacho de dendém, chegou a vez de retirar o maruvo. Encheu o primeiro que tinha à cintura e a como a vasilha pendurada à palmeira ainda tinha líquido precisou de uma segunda. Nisso olha novamnete para baixo e lá estava novamente o Kelula nas suas brincadeiras, atrás de borboletas. O homem, desta vez em voz muito baixa, volta a exclamar:

- Se esse cão fosse um menino me teria dado a kabaça que está ao pé dele.

Espantosamente, Kelula o cão, deu-lha.

Ngufu apenas riu em gesto de agradecimento. Estava agradecido e preocupado também, porque nunca um cão tinha entendido a linguagem humana. Nisso o cão que apesar de cumprir as ordens não tinha emitido sequer um som disse-lhe:

- Meu amo, por teres menosprezado a importância dum cão, de hoje em diante passas a entender a linguagem de todos os animais, sem que o possas contar a alguém sob pena de morreres.

Ngufu concordou. Ao chegar à casa encontrou a mulher a moer bombó num almofariz e uma peneira rudimentar. Milika, a mulher, estava cercada por galinhas que aproveitavam os bocados de bombó que caíam ao chão.

Enquanto ela enxotava as galinhas, o galo que estava algo distanciado disse às galinhas:

- Oh! suas burras, passem do lado do olho cego.

Nisto, Ngufu percebeu a linguagem dos animais e meteu-se a rir em locas gargalhadas o que enfureceu a mulher que queria uma explicação sobre a razào de tamanha rizada.

- Por que estás a rir? Tens de me explicar porque se não vou enforcar-me por estares a zombar da minha deficiência. – Disse ela.

Mais o homem tentou convencê-la de que era um segredo que não podia desvendar, mas a mulher não o compreendeu.

Por fim, perante a insitência da mulher, Ngufu ordenou que ela chamasse os mais velhos e o soba da aldeia.

- Eu, quando sai hoje com o meu cão, vivi algo inédito nesta aldeia. Aflito em cima da palmeira, o meu cão ajudou-me a entregar o kanjaviti e a kabaça e falou como se de um ser humano se tratasse. Só que me pediu que guardasse um segredo: Não podia contar a ninguém o sucediodo. Mas como a minha mulher está desconfiante duma rizada que dei quando as galinhas falaram, estou a contar-vos que eu entendo a linguagem dos animais. E por desvendar o segredo também ponho fim à minha vida.

Posto isso, o homem sucumbiu.

Os mais velhos e o soba da aldeia realizaram o funeral e no fim expulsaram Milika daquela comunidade por não ter confiado no que o marido lhe dissera.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O RECADO DO COELHO


Mensagem enviada por e-mail ao meu "grande kota" José Soares Caetano (Tazuari Nkeita) e que m'a fez chegar.

...  Ontem à noite, fazia eu um "zapping" pelos canais da televisão, quando deparei com um programa que não conhecia, Arco-Íris que, pelo que vi, presumo ser um magazine cultural.

E lá estava ele, o nosso jovem amigo Soberano (Luciano?) Kanhanga, feliz e emocionado apresentando o seu "filho", "O Sonho de Kaúia".

Tal como ele também eu fiquei feliz e emocionado, porque sei exactamente o que se sente quando se "dá à luz" uma primeira obra.

E também te vislumbrei, de relance, depois do Kanhanga ter agradecido publicamente o teu decisivo incentivo.

Mas, já no fim, senti alguma amargura: alguns dos convidados a falar sobre o livro eram escritores, que não conhecia, jovens na maior parte, de quem, possivelmente, não terei a possibilidade de ler as suas obras, porque não chegam a Portugal, tal como o meu livro talvez nunca chegue a Angola...

E aqui faço a mesma pergunta/desafio que um dia fizeste: para quando a criação de uma Casa da Cultura Luso-Angolana, ou vice-versa, que possibilite um canal aberto à divulgação do que se vai fazendo no campo das artes, nomeadamente na Literatura?

Um forte abraço para ti e, por favor, estende-o ao jovem Kanhanga, cronista de mérito que aprendi a gostar através do sítio do nosso amigo Manecas Ruivo!


Tomás Lima Coelho

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O COMÍCIO DO MBUKAYO

Mwata Cikambi sacudiu o único casaco que tinha e sem aviso prévio decidiu rumar à sede administrativa da circunscrição que tinha recebido um novo chefe. Com jeito vestiu a camisa branca, quase a perder a cor de tantas lavagens e nódoas involuntárias de sumo de caju. A parte traseira estava mesmo rota. O velho, um antigo guerrilheiro da luta de libertação, meteu-se a caminho para uma conversa aberta com o novel dimixi .

- Menina boa tarde. O camarada administrador está?
-Sim paizinho. Mas … o senhor veio da parte de quem?
- Da minha parte mesmo. Vim sozinho. Sou o Mwata Cikambi. Menina num me conhece?

A jovem, esbelta de se pôr inveja, dezanove anos mais ou menos, cintura fina e ombros de cabide, levou tempo a responder e logo o velho notou que ou não o conhecia ou a secretária estava a fingir.

- Essas meninas de agora são sempre assim. O chefe pode estar lá dentro, mas dizem sempre que não está ou está reunido. Mas hoje não sairei daqui sem que ele me receba. - Falou para si mesmo.

A secretária, sabendo que o chefe demoraria a atender o soba, optou por levá-lo à sala de espera.

- Mwata, espera só um bocado que vou já avisar o chefe que está reunido com umas pessoas que também vieram de longe e chegaram primeiro.
- Está bem filha, - respondeu, embora recticente.

Na sala, Satula recebia um a um outros senhores, os notáveis de Mbukayo. O administrador tinha apenas dias, mas a lista de pedidos de audiências já era enorme. Eram fazendeiros que pediam alfaias e acesso ao crédito agropecuário, sobas que exigiam regalias, antigos guerrilheiros que pediam pensões, viúvas que procuravam por maridos desaparecidos na guerra, enfim… um mar de preocupações com que Satula nunca contaria logo na primeira semana. Mas o destino estava traçado. “Não adianta fugir dos problemas porque eles antecipam-se à nossa marcha”. - Desabafava com os poucos amigos que tinha na vila.

- Pai, toma um café? - Questionou Lawa, a secretária.
- Sim menina.

O tempo passava, a vez de entrar na sala do administrador tardava em chegar e o café esfriava. Nem sequer o tinha adocicado com o mel delicadamente servido numa tigelinha. Duas horas depois, com o administrador já pronto para o cara-a-cara, Lawa voltou à sala de espera e reparou que o café, já sem calor, mantinha-se intocado. 

...

- Oh Citonji, essa tua mania do está ultrapassado eu não gosto. Como é que você vê as pessoas a sofrerem e na hora já de falar te ultrapassei. Por acaso você viu alguém na estrada a andar de vagar?
- Cala a boca seu terrorista. A tua sorte e que a guerra já acabou se não eu mesmo é que ia te apagar desta vez. – Rechaçou Citonji, Manuel Nyanga de seu nome, mas assim apelidado devido a contracção de uma deficiência física na guerra da independência.

A rivalidade entre Mwata Citonji e Kajivunda era de há muito tempo e escapava ao conhecimento do administrador que os recebeu em simultâneo para exporem em conjunto as dificuldades por que passam os antigos guerrilheiros da pátria em Mbukayo.

Residiam, enquanto crianças, em paredes-meias e foi o único tempo de amizade e cumplicidades. Um no primeiro andar do pequeno edifício da vila que chamavam kaprédio e outro no rés-do-chão. A rivalidade começou na juventude quando tiveram de aderir aos movimentos. Citonji era e é um fervoroso apoiante dos Vermelhinhos e como eles alinhou para as matas do Leste onde viria a ser lesionado no ombro esquerdo. Kajivunda sempre se reviu nos Verdinhos do Jacinto e cedo se tornou no encarregado da logística do mais novo movimento que depois passou à oposição armado ao regime dos vermelhinos. Separados no ano de setenta e um, voltaram a reencontrar-se já nos anos noventa e sem a pujança doutrora.

- Vocês do Vermelho são sempre assim. Lambem a bota até furar o cabedal… O administrador é novo e precisa de saber as coisas, pá!
- E vocês que partiram o Mbukayo pelo meio são quê. É? Me fala seu reaça.
- Reaça é você, seu cobarde. Onde te está a dar a comichão é onde você se coça. Porquê que andas roto se o vosso Vermelhinho te dá tudo e tu não precisas de nada mais?
- Cala a boca, pá! Olha que se não fosse o meu ombro punha-te agora mesmo a apanhar castanhas, seu inergúmeno duma figa…
- Inergúmeno, eu? Inergúmeno é a tua senhora que não te dá bons conselhos está bem? E olha que hoje andaste com sorte porque se fosse nos tempos do meu marechal isso ia ficar feio… e ia ficar mesmo…

A subida de tom das vozes dos dois idosos puxava para o quintal da administração muitos dos transeuntes que sem saberem as causas e os fundamentos daquela briga ora procuravam apaziguar evocando a paz do Jacinto ora colocando mais lenha na fogueira. Foi naquele instante que Lawa foi alertada pelo guarda que assistia à discussão entre os dois veteranos de guerra saídos da sala do administrador e foi ver o que se passava para informar ao chefe se fosse caso para tal.

- Mas paizinhos o quê então que se passa convosco, pai? – Perguntou no meio de tantos disse-que-disse da assistência.
- Filha, já viu esse Kajivunda a me ameaçar eu, um antigo combatente da pátria?
- Citonji explica só o que se passa. Talvez é o administrador que mandou a menina.
- Não, pá, seu filho da pu... você hoje vai me ouvir.

- Mas assim não vos oiço. - Interrompeu a moça no meio do disse que disse. - E se a discussão é de algo que saiu de lá dentro com o chefe é que vou informar?
- Pois bem. O Citonji explicou os problemas dele. Falou que lhe falta comida, casa e adubos. O chefe lhe escutou e eu não lhe cortei. Mas o gajo na minha vez de explicar veio com a mania dele de dizer que este assunto está ultrapassado, mas ele pensa já que também é chefe? Eu me coço ali onde está a me dar comichão…
….

- Então o paizinho não tomou o café?
- Não filha estava à espera do pão!
Sem se poder controlar, a secretária pôs-se a rir em bandeja larga o que deixou enfurecido o velho regedor que entrou de rompante na sala do administrador a quem expôs a falta de respeito por parte da secretária e os problemas que o afligiam. Satula só teve um caminho para apaziguar os ânimos exaltados do soba mais importante da região.

- Mwata, os jovens de hoje não sabem como estar perante um mais velho. Peço já as minhas desculpas e vamos tomar medida para que isso não volte a acontecer.

Satula largou um berro enraivecido ao gosto do velho que pretendia a tomada de medidas repreensivas contra a menina “mal-educada”.

- Lawa! arruma já as tuas coisas e estás suspensa!
- Não chefe, me desculpa só… - A jovem entrou humilde, ajoelhou-se aos prantos ao pé do velho que olhando para o administrador ordenou:
- Pronto já filha. Mostraste que apesar do erro conheces os costumes. Chefe, pode lhe perdoar. Emprego está difícil e escola para educar os filhos num há aqui desde que o colono foi embora.

Para contentar o velho, Satula propôs-lhe a realização do primeiro comício público na sua redoria, ao que de imediato concordou. Para mwa-Cikambi acolher o primeiro acto público do administrador era sinal de grande reconhecimento e de vantagem sobre os outros regedores e sobas da região. Rápido afogou a dor causada pela rizada da menina-moça e retirou-se satisfeito, mesmo sem ter levado nada de material. O dia para Mwa-Cikambi estava ganho. “O resto virá com o tempo” - disse ele ao chegar à sua aldeia que distava dez quilómetros da sede municipal.

Pim, pim, pimmmm…. Uion uion uion… Polícias e ambulância médica abriam o caminho entre a multidão revoltada para facilitar a retirada forçada do administrador. O comício tinha ficado pelo meio e o povo furioso, mais uma vez, conseguiu correr com um administrador.

Terminada a guerra, Satula abandonou o Maquis com a patente de Major e graças a argúcia que possuía e alguns compadrios na superestrutura partidária foi nomeado administrador do Mbukayo.

- Cipalavela!
- Chefe.
- Sabes falar Umbundu?
- Sim chefe. Nasci mesmo aqui- respondeu o guarda-costas.
- Amanhã vamos fazer o primeiro comício no Mwa Cikambi e como aquele povo é mafioso vais fazer a tradução.
- Está bem, chefe. Pode confiar.

Satula, um mukwakuyza, levava como recomendação dos seus superiores: pôr ordem naquele município que durante muito tempo foi administrado pela guerrilha. Já dois seus antecessores civis tinham fracassado e a ele, um militar, a missão seria a de impor a ordem administrativa, custasse o que custasse.

- Viva o povo!
- Viva!
- Viva a paz!
- Viva!

A multidão, embora rotulada de resistente, começava a flexibilizar-se e a cantar a “música” do administrador, tirando uma bolsa que se mantinha sentada debaixo da mulemba.

- A luta?
- Acabou! – Responderam.
- A vitória?
- Foi à lavra!
- Isto já me cheira à provocação, pá! - Recamou em voz baixa, mas se conteve.

O sol tornava-se cada vez mais intenso e a chuva anunciava presença. O povo cada vez mais incómodo de sentia, pior ainda com as palavras caducas do administrador. Este por sua vez, vacinado contra a resistência do povo, de imediato franziu o rosto e ordenou ao intérprete.

- Para ouvirem bem traduz tudo para a língua daqui. Não esquece nem uma vírgula está bem? E diz-lhes que vou falar em português.
- Sim chefe.

E o intérprete começou:
- A Wiñi wo Mbukayo kalungi!
- Kuku! - Respondeu a multidão que aguardava pelas novidades do novo administrador.
- Omo akuti Soma kapopi elimi lietu, otuvanguila mwenle voputu, noke ame ndipitilisa ondaka vumbundu. – Preveniu Cipalavela, o guarda-costas promovido a tradutor.

(Como a administrador não fala a nossa língua, vai falar a língua dos portugueses e eu vou traduzi-lo para Umbundu).

E começou:
- Camaradas do Mbukayo, já sei que vocês correram com dois comissários porque negaram cumprir as ordens que trouxeram da província. Eu vim com muito respeito do povo e quero também muito respeito para comigo. Se não, vamos ver quem é que manda, se é o administrador enviado para governar ou se é o povo que não quer obedecer as leis do Estado...

A população se conteve às palavras ameaçadoras do administrador e até mesmo os conhecidos sabotadores dos comícios se mantiveram silenciosos.

- Os camaradas que por cá passaram já me disseram que vocês gostam de foder os outros, só porque andaram nas matas, numa vida errante de cada um por si. Mas comigo a coisa vai ser diferente. Trago orientações superiores que são muito precisas. Quem tentar me foder engana-se. Eu é que o fodo primeiro, ouviram?

O administrador fez uma pausa para limpar o suor que lhe inundava o rosto enquanto o tradutor convertia o discurso letra a letra para a língua do dia-a-dia.

De imediato o povo reagiu com gritos de reprovação e alguns tomates que tinham sido recolhidos para servirem de oferta ao administrador foram lançados ao alpendre que produzia a sombra. Uns retiravam-se aos muxoxos e outros ensaiavam posições ameaçadoras à integridade física do dirigente. O clima estava empolvorado.

Satula olhou para o também aflito Cipalavela e questionou:

- Que se passa, pá?
- Parece que não gostaram do que o chefe disse que lhes vai foder primeiro.
- Mas tu falaste mesmo assim do que os adultos fazem à noite?
- Sim chefe. O chefe mandou falar tudo. Palavra com virgula…
- Porra, pá! Agora tu é que me fodeste, pá!

No local, terreiro da casa do soba Mwa Cikambi, o povo largou uns “kwende, katuyongola usonguwi wu ndeti ”, mas apenas uma mancha de poeira se via no trilho. O céu continuou ameaçador de chuva, mas nada os demovia. Nem mesmo o sol que se revezava com a sombra das nuvens viajantes.

Livre da rebelião, mas nunca da punição, Satula esperaria pela sua sorte, talvez a cadeia, tão logo a notícia chegasse à província. E não tardou. Dois dias depois foi chamado à sede da província pelo Comissário-Chefe. Seguiu no sei NIVA amarelo acompanhado de dois emissários armados que não o deixaram sequer despedir-se da mulher. Até o volante foi-lhe retirado e entregue a um dos emissários do Comissário-Chefe.

Pelo caminho, tentou saber a razão da chamada e daquele canino acompanhamento.

- O Maior disse-nos apenas para não o deixar respirar, Sr. major Satula. - A voz firme era dum jovem de uns vinte e tal anos. Pedro Gama, cabeça rapada, barba aparada nem parecia um bófia. Ao volante seguia um senhor de idade, quarenta e tal cacimbo vividos ao volante ora de IFA ora de DAIMER, ora de ZIL e outras tantas marcas que só ele sabia. O homem de pouca palavra, respondia apenas pelo cognome de Dono da Estrada.

- Estamos apenas para cumprir ordens, nós também não sabemos o motivo que nos trouxe. -Respondeu ele à pergunta de Satula que a todo o custo pretendia saber para onde iam e com quem falaria uma vez chegados à cidade.

Satula foi conduzido à penitenciária provincial e despachado semana depois para Luanda onde cumpriu seis meses de sem julgamento.

Na cadeia, o homem sôfrego sente ainda as cordas a lhe morderem a carne. Havia já dois dias que fora ali depositado como cão sem dono. Aquela dor, como dentes que se encravam horas sem fim na carne moída, era uma enorme tortura. Satula não se conteve de tanta raiva - raiva mesmo era o que sentia – e largou as últimas lágrimas que guardara para a mãe já cansada de velhice. A solidão e o sofrimento apossaram-se dele e viria a largar um pequeno sorriso apenas, diga-se involuntário, à resposta de um dos companheiros de cárcere à música tocada no rádio a pilhas pendurado na parede alta do recinto.

Francisco Cikolasonyi, natural do Mwa Cimbundu, estava ali detido por ter aderido a um movimento secessionista e posto na Kinyonga às ordens de quem desconhecia. Fora agarrado numa noite de festa. Propositadamente embriagado por um indivíduo que conheceu no mesmo dia, foi levado já sem sentido e acordou na cela. A mínima noção de culpa que tem foi-lhe transmitida por um outro desconhecido que passou pela cela no último domingo.

- Você é o Cikolasonyi?
- Sim chefe.
- Sabes o que significa?
- Sim chefe. É provoca vergonha, chefe!
- E te sentes bem aqui numa cadeia, um pai de filhos com mulher e família?
- Não chefe.
- Então, se um dia saíres daqui, pensa bem antes de te juntares àqueles divisionistas sem cérebro, está bem?
- Sim chefe! - Respondeu sem saber de onde vinha e que missão tinha aquele homem de baixa estatura, mas cheio de ares de grandeza.

Cikolasonyi ignorava o poder das ondas hertezianas e a telegrafia sem fios era, para ele, um conto de fadas. O homem acreditava piamente no feitiço e noutras forças ocultas que podiam colocar homens de grande estatura dentro de um garrafão de vinho ou numa caixa de fósforos, mantendo a sua vida e executando as acções dos humanos no seu ambiente natural: falar, por exemplo, ou mesmo cantar como se canta nos coros juvenis da igreja protestante.

Era a primeira vez que ligava um rádio a mando do chefe da cela, o famigerado Tira Sangue. Tão logo girou para a direita o botão power, saíram da pequena caixa preta, com barra de vidro na parte superior, vozes que ele entendeu como se uma pessoa cativa dentro do aparelho o tivesse perguntado: “Cika, Cika nunca mais te vi” …, ao que ele de imediato respondeu na mesma bitola cantada:

- “Num estovo aqui, andovo no Mwa-Cimbundo”…

Ninguém se conteve, nem mesmo o carcereiro que andava à solta a procura de zaragateiros, que existiam aos montes, para meter em acção o seu predilecto porreto de borracha.

Santula pôde, finalmente e por alguns instantes, interromper aquele rosário de pesares e, por uns curtos segundos, desfrutar do que muito gostava de fazer em horas vagas: Troçar e rir de bandeja farta.

Cikolasonyi que nunca “engoliu” nenhuma ciência trazida pelos brancos também nunca lhe passou pela cabeça que aquele objecto transmitia apenas a música de alguém que podia estar em local muito distante e incerto, sendo a caixa apenas um reprodutor de “recados”. Para ele, só podia ser uma pessoa escondida dentro do aparelho e que ao vê-lo aproximar-se para o tocar, de imediato o questionou da sua prolongada ausência, como diria no seu habitual Cokwe: ca kumwene!

Não fosse a rudeza do Tira Sangue, um pilha-galinhas dos musseques calús , um dia destes tiraria a dúvida. Estava decidido em desmontar o rádio e ver quem se alojava dentro daquelas pequeníssimas paredes de madeira, vidro e plástico. Queria ver o tal branquelo com aquela voz de gente fina e farta de benesses, bem-disposto, dando ordens e sango ou cantando sem soluçar. Foi uma pena!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

DO PUNHO DOS OUTROS (I)

PONTO PRÉVIO:
1- Não sou crítico literário, muito menos um escritor consagrado. Sou apenas um amante da literatura e com apenas um rebento trazido à luz. Tudo o que faço é por gosto e convicto de que é exercitando que se "dá forma à pedra".
2- Começo essa aventura (DO PUNHO DOS OUTROS) trazendo escritos de outros confrades, para que: tal; como eles me dão a conhece nas suas páginas, por este blog se conheçam também os feitos/escritos dos meus confrades e amigos de peito.

Espreitando a "prosa poética e melancólica" de Armando Graça, um luso-angolano, emigrado para a metrópole nos tempos da Revolução dos Cravos, encontro na sua proposta de leitura esta "preciosidade" que resumida pelo editor, levo ao conhecimento do meu leitor.

"Memórias de Gente Vulgar" levam-nos a fazer uma viagem das origens do autor aos dias de hoje (1945-2010).

Como o título deixa antever, não há aqui berços de ouro nem se trata de desfilar de sucessos, bem pelo contrário. Revelam-se aqui como enfrentaram as dificuldades muitos dos portugueses nascidos logo após a II Guerra Mundial. E dá-se conta como a procura de vidas melhores dá lugar a infâncias conturbadas.

Entra-se em África, pela Baía de Luanda, retendo cheiros, cores e sabores de um novo mundo.

Relatam-se aventuras escolares e desventuras de prematuros empregos. E sentem-se...

Sentem-se servidões, colonislismos e racismos oficialmente desmentidos.

Sentem-se alguns dos terrorres que deram lugar a nova fuga, então apelidade de "retorno"...

Sentem-se as aventuras de quem volta ao seus país e se acha no estrangeiro, seja porque é mesmo assim, seja porque a Revolução dos Cravos agitou alguma coisa...

Sentem-se, ao longo de várias décadas, governos que desgovernam, empresas geridas para afundar e pessoas que não se comportam como tal...

Mas sente-se, acima de tudo e apesar de tudo, um constante fazer pela vida...
(...)".

É esta prosa que nos oferece Armando Graça, também meu revisor, a par de José Soares Caetano (autor de "O Último Segredo" - UEA/Edições Novembro, 2010), no seu "Memórias de Gente Vulgar" cujo lançamento em Portugal está agendado para os primeiros dias deste mês de  Fevreiro/2011 em Portugal.

Espero que o livro chegue às mãos dos angolanos sedentos de "leitura limpa"  ou no mínimo esteja à disposição dos cibernautas.

Voce pode ler um pouco aqui: http://www.sitiodolivro.pt/fotos/livros/excerto-memorias-de-gente-vulgar_1290100247.pdf

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O CIÚME E O FEITIÇO

Era uma vez…
Havia na aldeia do Kuteca uma mulher muito ciumenta, cujo marido, já velho, saia todas as noites sem nunca dizer para aonde ia. A mulher sempre que lhe perguntasse sobre as suas saídas ele respondia:

- É melhor não saberes onde vou. Olha que isso é para o teu próprio bem.

Mas a senhora, Milika de seu nome, já desconfiada de algo que não sabia e nem entendia, fez um plano e falou consigo mesma:
- Hoje, quando ele pretender sair, vou seguiu-lo para saber aonde tem ido e o que tem feito.

De noite, quando Kavindi chegou, deu-lhe o jantar: funje com bagre fumado e lombi . Depois do repasto, o homem decidiu-se em sair como de costume.

De pianinho, sem fazer-se perceber, Milika começou a segui-lo. O homem atravessou a aldeia e entrou no sertão. Chegado ao muzungu, o chefe dos feiticeirtos disse-lhe:

- Homem, estás a ser seguido!

- Eu? Não. Vim sozinho e com muito cuidado como sempre. - Respondeu ele.

Perante a insistência dos colegas, Kavindi ordenou que se revistasse o matagal e a mulher foi descoberta, escondeida atrás de uma bananeira.

- Por teres desfeito o nosso segredo também te tornas feiticeira. - Disseram-lhe.

- Não, por favor. Eu não posso ser feiticeira. Sou religiosa e toda a minha família requenta a igreja. – Suplicou ela.

- Então terás de morrer.- Sancionaram em coro.
- Por favior, tenho filhos pequenos.
Perante as súplicas da senhora, os homens deixaram-na partir, mas com o decorrer do tempo Milika começou a adoecer. Frequentava os melhores hospitais da região mas nunca mehorava, definhando cada vez mais, até que contou a verdade ao soba da aldeia sobre o que tinha feito e o que tinha descoberto na mata cerrada.

Milika pediu antes que todos os aldeões se reunissem no jango, à volta de uma enorme fogueira, e contou:

- Sei que vou morrer. A minha morte será por ter sido ciumenta e curiosa, chegando a descobrir um segredo que era apenas do meu marido, mesmo tendo ele me pedido que não o fizesse. Como não aceitei morrer no local nem tornar-me feiticeira, tenho esta penitência: a morte lenta.

E ela morreu.

Por sua vez, uma vez descobertos pela comunidade, os feiticeiros foram jogados à fogueira pela população reunida em torno do soba Mbembwa-yo-Cily .