segunda-feira, 18 de abril de 2022

MARROCOS, O SAHARA E A UNIÃO

 

Usei o sábado, 19.03, para participar da minha primeira Assembleia Geral da União dos Escritores Angolanos (admitido a 5.03.22). Enquanto se aguardava pelo quórum, aproveitei, no espaço da União, fazer a dose vacinal de reforço, tendo me sido injectada a AstraZeneca que se comportou bem até ao meu regresso à casa, depois da Assembleia.

Momentos depois, estacionada a viatura, comecei a sentir o corpo todo a entrar em falência. Os membros apresentavam carências e dívidas na relação entre o pensamento fértil e a acção condicionada.


Tal como senti o meu corpo, apercebi-me que assim é o estado da (agora) nossa União: dívidas relativas a salários de colaboradores que chegam a dezenas de milhões de Kwanzas; dívidas com o pagamento de obrigações à segurança social; dívida com uma unidade sanitária, que leva quase década; entre carências e falências várias.
Dos "a receber", anotei: meros kilapis de escritores que levaram livros para vender e que não devolveram a parte institucional por falta de contrato e regulamento. Mais a receber não há no relatório 2019-2021, aprovado, sem voto contra, pela Assembleia.
Olhando do Largo das Escolas para dentro: uma "floresta" e uma estufa que ofuscam a designação, o brio e o brilho da mais antiga instituição associativa intelectual. Quem vê, ao passar, a marca da UEA? E aquela "lavra" de plantas ornamentais, logo à frente de tudo, sombreada por frondosas árvores que desconhecem a têmpera de um machado, catana ou serra eléctrica?!
Adentremos: bambus. Lindos bambus, demandando poda também. Nas dependências do edifício central, velhas mesas, cadeiras e armários que guardam lindas estórias, conhecimentos e reflexões sempre novas. Mas é trôpego o imobiliário, reclamando substituição.
E você que me lê, se calhar se pergunte: o que andou essa malta a fazer durante esse tempo todo? Que fez a equipa do último Secretário Geral?
Pois é. É sobre o último marido da senhora que todos têm os olhos mirados!
1- A UEA é instituição de utilidade pública, merecendo receber dotação orçamental para despesas funcionais, não destinada a pagamento de salários. Entre 2019 e 2021, não pingou na conta da União sequer um vintém de Kwanza.
2- A principal empresa angolana, que era patrocinadora de longa data e com bom caudal, deixou de apoiar, por alegadas dificuldades financeiras.
3- As medidas de prevenção e combate à covid-19 provocaram o fecho de muitas actividades e o  enxutamento das empresas, levando os arrendatários dos imóveis anexos a devolverem-nos. Hoje, demandam obras de reparação para que, com a reabertura dos negócios, se tornem atractivos a novos inquilinos.
3- Pela mesma razão acima evocada (Covid-19), a proibição das actividades sociais, culturais e lúdicas levou à paralisação do café, do njangu e outras dependências da União abertas ao arrendamento pontual.
Em suma, em menos de três anos, "perto de dez fontes de financiamento se fecharam".
Que fazer? Como salvar a União?
A mim, parece que não basta uma voz gritante. São necessárias muitas gargantas estridentes e, acima de tudo, uma combinação de cérebros pensantes que convirjam na solução do mar de dificuldades e manutenção da liberdade e coabitação dos criadores da arte literária e do pensamento evolucionista. É preciso apelar às instituições públicas, privadas e filantrópicas (fundações) a ajudarem a resgatar e preservar o legado histórico-cultural e social da União dos Escritores Angolanos. Todos (membros e sociedade) somos poucos para a empreita.
Se tal não acontecer, mais passa o tempo, mais surgirão "ideias marroquinas com o fito de abocanhar o Sahara Ocidental".
Aí será o fim!
(Membro da UEA)

Obs: Texto publicado pelo Jornal Cultura a 30.03.2022