sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

MANGODINHO NO EMPOSSAMENTO DE JLo

Em Novembro de 1975, criança ainda com 12 anos, Mangodinho era já homem no pensar. Quando ouviu no rádio que a independência estava a chegar, preparou um kaquibuto de macroeira e meteu-se numa BEDFORD a caminho de Luanda. Sorte ou azar, ainda não me contou bem essa parte, encontrou a ponte do rio Zenza suspensa. 
- Ninguém mais passa. Os carcamanos e mobutistas estão a vir para impedir o camarada Neto levantar a bandeira. - Contou que lhe disseram isso e ficou mesmo por ali.
Quando entrou na Ngimbi, encontro o camarada Agostinho Neto já era Presidente e Angola já não era mais de Portugal.
Em 1979, o óbito do camarada Neto apanho-o numa ilhota do rio Longa. Tinha ido tarrafar sem o seu radito e quando voltou, com muitas "salambas" de peixe, encontrou toda aldeia de Kuteka "era só choro". Escapou desmaiar mas fez coragem de se aproximar devagar, devagarinho até se cruzar com rapaz Sabalo que o informou sobre o infortúnio do camarada Neto. Dos mabululos onde ficava a aldeia até chegar a capital levou quatro semanas. Aliás, é já hábito dos homens de Kuteka que, quem vai à capital, mesmo que se hospede em casa de "burguês", tem de levar qualquer coisa. E nessa de preparar a viagem perdeu a investidura do camarada Eduardo dos Santos, que foi a 21 de Setembro.
Também, mesmo que fosse, não O deixariam entrar. A cerimônia parece que foi no Palácio onde até os makota grandes, se não têm convite, não entram. Dizem que no Palácio a segurança é apertada tipo é sandalheta de quem vai caminhar uma grande distância. Por isso mesmo, em 2008 e 212 Mangodinho não se deu massada de ir a Luanda assistir a investidura do Presidente reeleito.
- Se ele é já nosso Presidente desde que o cda Neto se foi para quê só "se dar" massada de ir mais "lhe" ver? Foi assim que Mangodinho tinha parado de tentar. Mas quando ouviu que o camarada dos Santos vai meter o colar da República no pescoço do camarada Lourenço, Mangodinho fez tudo às pressas. O quibuto dele de macroeira já estava preparado. O peixe do rio Longa a e carne de caça também já tinha. Uma semana antes, meteu-se já na estrada. Agora com a paz que temos viagem de trezentos quilómetros é só mesmo em um dia e a pessoa chega mbora bem. E chegou. Ficou na casa do tio dele Sabalo onde a luz não falta para ver televisão.
Quando "lhe disseram no" Bartolomeu que a entrada no Mausoléu é de borla, ou seja sem convite, Mangodinho, cinco da manhã já estava lá com garrafa dele de água mamão e um pouco de bombô assado com jinguba. Ao sair do Benfica ainda estava a cair kawelewele. Nalguns sítios era mesmo irmão pequeno de chuva. Por isso, levou boné, casaco de lona e mais um guarda-chuva que não chegou a usar.
Aliás, antes de sair de casa, penetrou bem o cabelo, escovou o casaco e os sapatos, embora com sola gasta e inclinada, estavam a brilhar. Mangodinho para quem o visse era homem de pôr respeito. Posto na bancada pública da Praça da República, Mangodinho disse para si mesmo "não quero confusão". Foi, por isso, ocupar uma cadeira na penúltima fila, onde esperou, esperou, esperou sem desesperar.
- A viagem do Kuteka a Luanda demora mais do que esperar pelo Cda Presidente das cinco e meia ao meio dia. - Disse para se encorajar.
Mangodinho no lugar dele de visibilidade privilegiada viu todos os presidentes a chegarem, a serem ovacionados, e o "camarada de vestido preto" que falou ao camarada Lourenço que "se abre, a partir de hoje, uma Via Expressa para corrigir o que está mal e melhorar o que está bem". O homem disse mesmo como pai que recomenda o filho que (camarada Presidente), "combata a corrupção, melhore a vida da população, diversifique a economia...". Já a lhe correrem lágrimas de contente, Mangodinho ouviu atentamente o camarada Lourenço a reafirmar que vai cumprir as promessas da campanha e as detalhou uma a uma.
- Não. Esse camarada Lourenço tem cabeça. Não esqueceu nenhuma das promessas e ainda acrescentou lá outras como "Ninguém é tão rico para não ser punido ou tão pobre para não ser protegido". - Mangodinho a baba a cair-lhe tipo é nenê que está a esperar a chegada dos dentes de leite. É alegria ou quê?!
Mangodinho, assim mesmo, está a preparar as malas para regressar à aldeia de Mbangu de Kuteka. Pelo caminho vai fazer a acta detalhada que vai apresentar ao povo já convocado para uma Assembleia. Afinal, ele foi já indicado "Administrador de aldeia", no âmbito do regulamento da Lei da Administração Local.


Texto publicado no Jornal de Angola, Jan. 2018