sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

SOBERANO KANYANGA VOLTA À BNAP COM "INSTANTE NOSSO"

A iniciativa The Best "New" African Poets (BNAP) é uma antologia poética de autores africanos e diáspora, editada em Português, Francês e Inglês, sendo antólogos o zimbabueano Tendai Mwanaka e o angolano Daniel da Purificação.

Com inicio em 2015, na África do Sul, a BNAP vai na sua quinta edição (selecção 2019), contando com a quarta participação do angolano Soberano Kanyanga que na edição inaugural fez publicar os poemas "Mano Décimo", "No meu imaginário" e "Debaixo da ponte".
Em 2016 participou com os poemas "Faixa de gaja" e "Conte(n)são", fazendo pausa em 2017, segundo ele, "para dar oportunidade a uma plêiade de jovens que tutorava na Lunda Sul e Luanda, no âmbito do projecto Núcleo de Jovens Amigos da Leitura e Literatura da Lunda Sul".

Nesse contexto, conta, diversos jovens do NALL (hoje Núcleo Lev'Arte Lunda Sul) marcaram a sua estreia literária, dentre eles o seu primogênito Mohamed Canhanga ("Sei que te escondes", "Quinta-feira" e "Escritos libertários").

Soberano Kanyanga voltou a participar da iniciativa BNAP em 2018 com "Poeta Farrapo". Na edição de 2019, que conta com apenas cinco lusófonos, dentre eles dois angolanos, Kanyanga propôs "Instante Nosso", um texto que nos seus versos traz à tona o lado lírico e, às vezes, extravagante do autor de "Amor sem pudor".
A antologia é distribuída a partir de Abril de 2020 na África do Sul.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

DIA D (XI)

A operação FF estava como prevista.  Pouca Sorte, saído de Luanda, foi ver a Libertação de Kalulu. A coluna de Libertação de Kalulu, procedeu tudo quanto fora planeado. Os homens do Comandante Infeliz, conhecedores do terreno, foram à frente. No meio posicionaram-se os de Kara-Podre. O grosso saído de Luanda, com toda a fúria e fogo, posicionou-se na recta-guarda, como quem diz "Aqui, a ferro e fogo, ninguém recua".
- É retirar o galo da capoeira e má-nada! - Dizia o comandante Bonifácio nas recomendações finais.
Os primeiros foram pela Kakula. Os segundos entraram por Kibuma, os terceiros subdividiram-se em três subgrupos coordenados no espaço e tempo: A saída pelo Kisongu, sendo inatingível, estava sob a alça-de-mira da artilharia pesada, fazendo com que quem lá estivesse ou procurasse fuga tivesse como alternativa adentrar a vila. Um pente fino se fazia pela estrada de Mukongu-Longolo e outro, não menos apertado, por Kabuta.
-  É morrer ou se entregar! - Gritou, furioso, o Comandante Infeliz, ao reentrar no seu Quartel das Mangueirinhas, de onde fora desalojado, havia semana e meia, no dia de Natal daquele ano bissexto.
- Lupuka, lupuka, twendi.- Gritavam os desalojados, carregando o que podiam.
As milícias sobreviventes, já sem farda e sem armas deixadas na atrapalhação, tiveram, na fuga, de se juntar ao povo que procurava por abrigos mais seguros aos morteiros que caiam como chuva de Abril.
                                               
Depois da kitota, a tropa reuniu-se para curar os feridos, dar dignidade aos tombados e contabilizar o material restante e deixado pelos fugitivos.
Era no rossio da vila que os cansados e estropiados se curavam ao e com sol ausente na trincheira e caserna. No logradouro da casa do comissário, que se achava no sopé do monte que carrega a fortaleza, estavam os comandantes de olhos para a cozinha. Já tinha havido fumo, fogo, fumo e silêncio. Menos aquilo que levaria à contenda os garfos e facas sobre a mesa estendida longitudinalmente e forrada com lençóis verdes do SAMM (serviços de assistência médica militar).
Quando a paciência da tropa e do comando começou a escassear com o agigantar da fome, o cozinheiro saiu confesso:
- Comandante Boni, infelizmente não temos almoço.
- O quê? O Tê-Cê Infeliz mentiu?
-Não chefe. Não é o comandante que mentiu.
- Então quê que se passa para o comando não ter almoço? Falta arroz e lataria?
- Chefe, me perdoa só. Fizemos funji. Já está mesmo pronto. Só que na hora de ver onde estava o conduto, sentimos que o óleo estava misturado com gasóleo?
- E porque não matam o cabrito que disseram que estava a morar no palácio?
- Chefe, o cabrito também fugiu!

O quadrúpede que já se tinha habituado com os invasores e ocupantes temporários do Palácio que aí o levaram, ao vê-los em debandada, meteu-se também a fresco, indo pastar o mais distantes possível, na baixa do Kambuku, caminho da Kibuma, onde fora "raptado".

Publicado no Jornal Cultura de 22 de Novembro de 2023