Terminadas as férias, Jacinto voltou
a casa dos pais, em Nambuangongo, mas desta preferiu viver com a tia, irmã do
pai, que estava viúva e tinha perdido o filho varão, devido à cólera que
grassava por aquela vila do Bengo.
Em Nambuangongo, o povo, sobretudo
os mais velhos, tinham a mania de estender as coisas num terreiro. Um chão
compactado e varrido a preceito que recebia a secagem dos cereais e de outros
produtos do campo.
Estendia-se no terreiro a fuba, o
bombo, o café, o milho e a jinguba. Era também no terreiro que os meninos mais
traquinas enchiam seus bolsos de coisas para comer no intervalo das aulas, como
bananas e batata-doce que assavam à escondida.
Habituado a ver o povo a estender
quase tudo, Jacinto interiorizou que a palavra estender se aplicava a tudo.
Estender água fria ao sol, por exemplo.
E foi neste pensar que um dia desses
a sua tia o pediu que estendesse a garapa[1] ao sol para fermentar. A palavra
era usada de forma indistinta.
Mbwanga, a tia, tinha tido uma noite
de muito labor. A festa de natal que se avizinhava exigia que os preparativos
fossem feitos de forma contínua e ao detalhe. Já havia fuba suficiente e francos
na capoeira. Estava-se na fase de preparar-se as bebidas. Garapa adocicada com
muxiri[2] ou mbundi, e outras bebidas que
deviam apanhar doses de sol para fermentar e entorpecer[3].
Como havia trabalhos ainda por fazer
na roça de café, Mbwanga chamou pelo sobrinho e ordenou.
- Sobrinho Jacinto!
- Tia, - respondeu o menino.
- Estou a sair. Quando o sol estiver
nesta direcção - apontou ela para o meio do centro celeste - vais estender a
garapa para fermentar.
- Está bem tia. É a hora em que saio
da escola e farei isso de imediato.
A aula daquele dia tinha sido sobre
os deveres dos filhos perante os pais. O Professor tinha falado sobre a
obediência, sobre as tarefas de casa e a revisão das aulas nos fins-de-semana.
Tão logo voltou da escola, Jacinto
levantou a cabeça e a bola amarela estava exactamente na posição indicada pela
tia. Eram doze horas mais ou menos. Jacinto pegou a cabaça[4] e com muito jeito a levou até ao
terreiro onde estavam já estendidas muitas coisas como de costume.
Pegou numa vassoura, varreu e
cuidadosamente jorrou o líquido ao terreiro.
Terminada a jornada, Mbwanga voltou
a casa e o seu espanto foi que a cabaça estava vazia.
- Sobrinho Jacintoéééééé! – Chamou
ela.
- Tiaaaa! - Respondeu Jacinto que
jogava à bola com os amigos.
- Onde foi que me guardaste a garapa?
- Estendi, tia!
- E depois?
- É que, tia… Ela desapareceu. O sol
levou toda kisângwa.
Tal como na cena anterior, Mbwanga
meteu-se em óbito. Chorou, amaldiçoou o sobrinho e inclusive se queixou ao soba
que julgou o caso e mais uma vez o menino teve razão.
- Mana Mbwanga - disse o soba Bwata
Maka – quando se fala com crianças e pessoas que não tem muita experiência, a
ordem tem de ser dada com clareza. Tem de ser branca como neve. O menino
Jacinto tem razão dele!
[1] O
mesmo que kisângwa: bebida caseira feita á base de farinha de milho ou múcua e açúcar.