Viram-se crianças. Ele mais adiantado na idade do que ela. Namoraram ao iniciar a juventude plena, ele, e ela a findar a adolescência. Madó e Loló, naquele tempo assim conhecidos, seus pais e até seus avós nasceram e sempre viveram no Margoso. Estudaram em escolas diferentes, encontraram outros cônjuges com os quais juntaram trapos e formaram famílias. Viveram, porém, e vivem no mesmo bairro. Ele em um edifício de três andares, construído ainda no tempo colonial. Ela em habitação térrea.
Já a caminho da senilidade, ele pai de menina, a Tininha, prendada por Deus e pela herança biológica. Uma "estraga sapatos" ao passar. Qual homem que se depara com sua carga e não tropeça? Ela, dona Madalena, Madó em tempos de menina, é hoje mãe de rapaz.
As conversas de comadre, entre Madó e amigas de juventude, levaram o Totó a se aperceber que no passado houvera um "affaire" entre a sua mãe e o pai da jovem que ele ardentemente cobiçava. Sentiu-se encorajado ao ouvir aquela conversa e conseguiu cravar o primeiro beijo à Tininha.
Com o tempo, conversas daqui e dacolá, Totó contou à namorada o que foram a adolescência e os factos marcantes entre seus progenitores. Outros factos lhes chegariam aos ouvidos, por meio de tios e tias com que os pais conviviam.
- Teu pai deflorou minha mãe! - Disse um dia Totó, despretensioso e a seco.
Tininha nem sim, nem não. Era ainda uma flor imaculada. Rolaram os tempos, cada vez mais eram vistos de mãos dadas.
Tininha nem sim, nem não. Era ainda uma flor imaculada. Rolaram os tempos, cada vez mais eram vistos de mãos dadas.
- Esses meninos estão mesmo a seguir as peugadas dos pais. - Diziam os mais velhos do bairro que sabiam mas nada diziam.
Dias depois. Noite de pouca luz. Depois da telenovela das vinte e trinta, Tininha chegava a casa banhada de lágrimas. Saia, quase a cambalear, do terraço do prédio onde fora vista a conversar com o Totó.
- O que foi, filha? - Questionou o pai preocupado.
- Foi o Totó, pai. Fez-me o que o papá fez à mãe dele!
Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 29/06/17