Uma vez em passeio ao Cuando Cubango (enquanto
não surge o novo registo, grafo como está oficializado), tomei o desafio de ir
ao Cuito Cuanavale, local onde o meu primo, Sabalo Kambota Canhanga, ajudou,
entre 1986-7 a travar os invasores sul-africanos. A estrada está convidativa
para quem gosta de fazer a combinação: acelerador, travão e muita precaução.
- Minha senhora, pode dizer-me quantos
quilómetros tenho de percorrer até chegar ao Cuito Cuanavale? – Indaguei à
agende policial que se encontrava no rotunda do aeroporto de Menongue.
Ferrada em altura mas beneficiada em edução,
Ana respondeu-me sorridente. Aliás, começou por questionar se eu “era
visitante”.
- São mais de duzentos quilómetros, mas vai
passar antes pelo Longa, onde há fazenda de arroz.- Explicou Ana (não retive o
sobrenome).
Vai com prudência, por causa dos animais, e se
vai fazer turismo, divirta-se à vontade que o país já está seguro. –
Recomendou-me a agente reguladora de trânsito. Ela preparando-se para
interpelar uma viatura e eu inspecionando a pressão dos pneumáticos.
Marcha adentro, cheguei à comuna do Longa que
fica à meia distância entre Menongue e Cuito Cuanavale. É uma pequena vila
cortada pela estrada nacional 280.
- Aqui travaram-se encarniçados combates pela
defesa da pátria ameaçada. Aqui tombaram camaradas de várias procedências do
nosso país. – Contou João Mbambi, professor primário da circunscrição. Mas
longa não é apenas baluarte da luta para a preservação da independência do
país. Contam-se também, na sub-zona da Terceira Região Político-Militar do
Glorioso, que engloba a comuna do Longa, estórias sobre resistência contra a
colonização, estórias sobre a resistência heroica contra os invasores
sul-africanos quando os homens de Roelof Pik e Pieter Botha pretendiam fazer em
Angola um "passeio turístico-militar” em socorro de amigos angolanos que a
história se encarregou de catalogar. Hoje a luta que se trava no Longa e zona
contígua é reerguer o que se destruiu durantes as várias guerras (contra
ocupação colonial, contra a invasão sul-africana, contra a insurreição interna)
e construir coisas novas: novas escolas, novas habitações, novos centros e
postos médicos. É produzir arroz, milho, leguminosas e tubérculos e aumentar o
nível académico-cultural dos seus habitantes.
Longa, com os seus perto de cinco mil almas é
uma comuna que perdoa o passado lúgubre mas que jamais se esquecerá do passado
para que não se repitam as atrocidades que apagaram vidas e transformaram em
escombros casas, lojas, hospitais e outros haveres.
A carcaça de um helicóptero militar danificado
na cabeceira da sua pequena pista de terra batida e alguns edifícios coloniais
convertidos em pedaços pela aviação e artilharia "inimiga" são
registos históricos que devem passar para as próximas gerações, como forma de
testemunho material.
Os meninos do Longa contam hoje a história sobre a sua região, lida nos poucos livros existentes, e jogam à bola num pedaço lateral do "campo de aviação". A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a portuguesa a segunda língua, obrigatória apenas na escola que foi, felizmente, poupada e reconstruida.
Os meninos do Longa contam hoje a história sobre a sua região, lida nos poucos livros existentes, e jogam à bola num pedaço lateral do "campo de aviação". A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a portuguesa a segunda língua, obrigatória apenas na escola que foi, felizmente, poupada e reconstruida.
"Outra maior, de 12 salas, construída de
raiz, aguarda(va) pela inauguração, devendo elevar o nível de ensino e o número
de alunos escolarizados", contou João Mbambi, professor que ganhou um
"Relógio do velho Trinta" (romance do autor dessa prosa).
Os petizes, uns vestindo calções e camisolas amarelos e outros de tronco à mostra, imitavam, emotivos e sonhadores, os craques do Girabola.
- Quero ser como Job ou Ary Papel. - Disse um deles, quando convidados para a foto-testemunho.
- O nosso campo é no lado de lá da estrada,
onde os colonos jogavam. Contou Moisés, ganhando no fim um outro “Relógio do
velho Trinta”.
O árbitro vestia uma jeans, uma tshirt e calçava chuteiras, ao passos que os pequenos "artistas da bola" poucos mostraram ter o privilégio de jogar com os pés calçados. Alegres, sem temor, nem represálias. Hora pós-escolar, 5h30 da tarde, girava alegremente a bola no Longa, enquanto me aprumava para a viagem de regresso a Menongue. Cerca de 90 km por cronometrar.
Moisés Sacinene, 14 anos, frequenta a sétima classe. Foi meu companheiro de conversas, e fotógrafo de ocasião. Não se fez ao campo por considerar aquele "um jogo de crianças". O seu campeonato é outro. Naquele pedaço de terreno plano roubado ao aeródromo militar, ou assiste apenas os putos a se “trumunarem” ou é convidado a ajuizar os jogos dos kandenges.
Quem vai de Menongue ao Cuito Cuanavale, tem,
no lado direito do Longa: a pista, parte da aldeia e o quartel. Do outro lado
da Estrada Nacional 280 ficam os edifícios administrativos e equipamentos
sociais como o mercado, as escolas, o posto médico. Por mais incrível que
pareça, Longa possui um campo relvado a reclamar por novas balizas.
- Esse campo foi sempre assim desde que nasci". - Contou o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos.
- Esse campo foi sempre assim desde que nasci". - Contou o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos.
- O campo é mesmo do governo. É ele que manda
cortar a relva quando fica muito alta. Elucidou.
No Longa, podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitos" (lança rokets) já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde os "laças e canhões que serviram a guerra serão transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e pobreza.
Mas abaixo, junto ao rio que dá o nome à comuna e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, surge um vasto prado que se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Longa, cujas águas não só me convidaram para matar a sede mas também para lavar a Maria Canhanga que me transporta nessa odisseia.
- Tio, não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. - Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci.
Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas de lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.
No Longa, podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitos" (lança rokets) já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde os "laças e canhões que serviram a guerra serão transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e pobreza.
Mas abaixo, junto ao rio que dá o nome à comuna e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, surge um vasto prado que se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Longa, cujas águas não só me convidaram para matar a sede mas também para lavar a Maria Canhanga que me transporta nessa odisseia.
- Tio, não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. - Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci.
Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas de lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.
Enfim, conheci a comuna do Longa, fruto da paz que o povo tanto pedia. E não fui cumprir a "vida Kwemba" como o meu finado primo Sabalo, nem em serviço forçado numa cadeia pidesca do caputo ou “disesca” da ressaca revolucionária. Estive apenas a desfrutar Angola e os benefícios da força da razão que sempre lutou mais forte do que a razão da força que fez de todos nós meros objectos.
Que saibamos todos dizer "tri-ti-ti nunca
mais" porque agora que a paz já chegou "fui embora no Longa". E
a visita ao Cuito Cuanavale, perto de 100 km a leste de Longa, fica na agenda a
cumprir nas próximas férias.
NB. publicada pelo Semanário Angolense a 23 de Maio de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário