Numa dessas raiv´s que os novos fidalgos vão
organizando aos fins-de-semana, tentando impor uma vida importada, perante os
olhares furtivos dos país que tudo podem e fazem, mas nada movem para os situar
na terra de seus ancestrais, dançava-se, fumava-se e bebia-se perdidamente.
As cerca de cem almas que trocavam salivas e sêmenes
naquela cave insonorizada pareciam ter recomposto e trazido à terra de Ngola as
famigeradas cidades de Sodoma e Gomorra dos imemoriais tempos babilónicos.
Beijavam-se aos pares. Homem-mulher, mulher-mulher e homem-homem. Os segregados
“extra-terrestres” socorriam-se da táctica da avestruz: cabeça na terra, corpo
volumoso à mostra. Eram os homens da penumbra. Os “não faço, não condeno” e
deixava-se o barco da raiv navegar até ao nafrágio.
“Me esfrega, me possui toda.” Gritava a música, ao que
as miúdas e os miúdos de pensamento importado acompanhavam em gestos grotescos
e animalescos, ora com os pares que podiam ser de qualquer sexo, ora com o
pilar másculo de betão que suportava a laje do edifício de catorze andares,
pós-chão.
Tocou-se depois o “me lambe” e trocaram efusivas salivas.
Corrias rios boca-adentro, literalmente.
Seguiu-se a dança do cachorrinho, também apelidada por
“do kambwá”. O erotismo e a devassidão inundaram o recinto, qual tourno fecundo
largado em manada de vacas ciciosas. Fez-se “por-nu-e-grafia”. Os celulares
registaram os momentos. No dia seguinte, os lugares de relacionamento digital
estaria repletos dessas imagens que se multiplicam à moda chomskiana.
- Mamá cultura alguém te vê? – Gritou fosca uma voz de
fora que assistia por uma fresta àquelas
cenas de encher a tenda do soba nos dias em que se respeitava a idiossincrasia
dos Ngola. Feliz ou infelizmente, foi apenas uma voz isolada e, pior ainda
vinda de fora daquele mundo moderno.
Quando a festa parecia ter atingido o apogeu, já na
habitual hora do banho e da eleição da “mais recortada”, o organizador
lembrou-se da ausência do trio convidado para júri.
Já meio mundo estava em peças minúsculas. Era, afinal
de contas, a noite do tira tudo. A festa estava repleta de filhos de quem
conjugava os verbos ter e poder.
- DJ, pára a música, por favor. Só meio minuto. –
Falou alto ao microfone, o organizador da raiv.
- Alguém viu os membros do júri? – Questionou, meio
preocupado.
O tom, meio aflito teve interpretações várias. Uns
pensaram que não haveria o desfile da mais recortada que habitualmente é posta
a leilão quando não é a própria que sobre à montra para a “noite do forever”.
Outros pensaram ser mais uma brincadeira do Man-Nelito, o organizador que
voltou a servir-se do microfone.
- Cadê o júri, people?
- Bokwaram.- Respondeu um dos assistentes escondido à
porta de escape.
O som "bo-kw-a-ram", ressonado em eco,
trouxe-lhes á memória um grupo que espalha terror por um apaís da África
Subsariana, exportador de petróleo.
- Bo-Ku-A-RAN?!- Foda-se!- Lengweno!
E foi debandada. Ninguém mais se lembrou das roupas,
inicialmente curtas, curtinhas, íntimas e posteriormente inexistentes nos
corpos ciciosos. O entornar dos candelabros e copos de whisky fez do espaço um
autêntico campo de pólvora. Tudo foi aos ares.
Quando a polícia e os bombeiros chegaram ao local para
confirmar o mujimbo e apagar as cinzas, só encontraram gente nua, cá fora, e
fogo consumindo odores orgiásticos, lá dentro.
- Quê que foi então?- Indagou o chefe da patrulha,
perante aquele estranho ambiente encontrado ao redor do edifício em chamas.
- Bokwaram, kota. Bokwaram! - Respondeu Man-Nelito,
assustado e desolado.
- Boko Haram?
Merda, pá! Cava daqui! - Ordenou o intendente à sua tropa.
O wion, wion, das
patrulhas bateu em retirada, enquanto as chamas lavravam a cave e o edifício
acima.
Durante meses, não se falou sobre outro assunto que
não esse. Até as conversas entre apaixonados acabavam sempre na estória da
noite do tira tudo.
- Oh compadre, Joaquim Luzento tinha lido o debate num
jornal de fim de semana, você aceita o sobrinho Zenito aparecer aqui com um
gaja?
- Um gaja como assim?
Uma gaja ou um gajo?- Inquiriu e Manuel Kambuta que procurara o amigo
para falar sobre os “avanços culturais” dos últimos tempos.
- Porra, pá! Compadre, até agora não me conhece? Eu
quero netos, sangue passado para sangue e não netos de doação. – Atirou, sempre
no seu jeito trocista.
- Pois é, Luzento, folgou a gravata que quase o
enforcava, e prosseguiu. O assunto da semana é então esse Apontando para o
jornal).
Os amigos, já cinquentões, dividiram as páginas e fez-se
silêncio na capital inteira naquele ano de 2015 que corria apressadamente para o século XXIII!
Texto publicado no Semanário Angolense em 2015.
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