Apesar de ser moda, os
nomes dos personagens das telenovelas influenciarem os antropónimos dos que
nascem, dos que estão por nascer e daqueles que ainda estão no mundo das ideias
reprodutoras, o caso dele foi sui generis nos dias que correm. Os mais
brincalhões já tinham inventado nomes como Kamutumbulé, Kecijina, Contranatura,
etc., só para levar Yani e o esposo
Matoso a desvendarem o nome do futuro rebento que todos os dias fazia evoluir a
barriga da jovem.
Mesmo no dia D, dia do
“ó moço, num estás a ver a barriga já subiu e já desceu, começa a se mexer” os
futuros pais mantiveram o segredo do
nome da criança, o que deixava a vizinhança e parentela expectantes.
- Tens que te mexer,
senão o filho vai te nascer em casa. - Aconselhou Xica Pinto, buscando
aproximação ao jovem Matosos.
As vizinhas que gostam
de procurar conversas para irem bwatar ou simplesmente enfeitar a boca e fazer
comparações novelísticas, tentaram ainda procurar pelo jovem Matoso, marido bem
casado da moça em estado terminal de gestação, insinuar, como se para se
atribuir o nome à criança fosse necessário reunir o quarteirão ou os moradores
todos daquele beco longo e apertado do bairro da Pedra Escrita.
- Bom dia vizinho
Matoso, ainda bem que já chamaste o teu primo da ambulância. Assim, quando
chegar a hora do bebé nascer, vai ser mais fácil levar a vizinha ao hospital. –
Elogiou Dona Magda, outra vizinha, para indagar: o vizinho já tem o nome do filho ou quer que
lhe traga revistas chinesas e brasileiras para escolher o nome antes mesmo da
criança nascer?
Matoso, bwamado por
causa daquela inesperada e inusitada oferta, olhos e coração mais voltados para
a mulher que dava indícios de estar a perder ar e sem força para o ”ai meu
Deus, me ajuda só”, fingiu não ouvir a colocação da Vizinha Xica Pinto que se
mostrava, entretanto, pronta a ganhar o desafio do nome.
Magda, cujo atrevimento
era já conhecido de todos no bairro, deu dois pulos atá à casa dela, que era a
última do beco, em busca das anunciadas revistas, mesmo sem que de Matoso
tivesse recebido anuência. Foram quase trinta segundos, o que só podia ser
conseguido por uma voadora ou então usava revistas debaixo das vestimentas para
alinhar as carnes volumosas que lhe fugiam das roupas apertadas, fazendo dela uma
”senhora em rodelas”, como também era conhecida no bairro, fruto das estigas
das moças que se achavam melhor alinhadas corporalmente.
- Mano Matoso, estão
aqui os nomes. São todos bonitos. Tens nomes de várias origens. São todos
bonitos e nomes de moda que passam nos filmes e nas telenovelas da actualidade.
Se for menina é nas páginas ímpares. Se for rapaz é nas pares. – Anunciou Magda
Ferreira, também conhecida como a ”dama das rodelas”, esperando que a sua
sugestão fosse tida em conta.
Matoso folheou as duas
revistas, esboçou um sorriso matreiro, apenas para iludir a impertinente
vizinha e faze-la entrar no quarto onde Yani aguardava pela hora dos toques
vibratórios.
- Muito obrigado,
vizinha Magda. Quando o bebé nascer vamos escolher o que nos parecer melhor. –
Disse-lhe Matoso que continuou a sua lida caseira.
Não tardou para que
outra senhora, também vizinha, e por sinal tia de Yani, que acompanhava o
desenrolar dos acontecimentos, saísse para anunciar a partida para a
maternidade:
- Sobrinhos, ponham já
a trabalhar o carro. Parece que já é hora de irmos andando, antes que a bolsa
do líquido amniótico rebente. – Anunciou dona Irlanda.
As imbambas da kivwadi
e da criança estavam já acondicionados
numa mochila bicolor, azul e rosada. Tudo meticulosamente preparado para
iludir, pois eles, Matoso e Yani, já sabiam o sexo da criança mas queriam
manter as pessoas na espectativa.
Na maternidade, a
conversa das tias e avós, que foram emprestar seus corpos para fazer frente ao
frio estremecedor e aos mosquitos sanguessuga, era somente sobre o sexo oculto
da criança (já se parecia uma discussão sobre o sexo de um anjo) e seu nome
incógnito.
Já tinham sido feitas
várias cogitações e sugestões, mas o casal, pais de primeira viagem, mantinha a
chave fechada aos caprichos dos parentes e amigos.
- Esses jovens são
duros, yá?! Até me fazem recordar o nosso tempo de Kivwadi, quando só os homens
é que davam os nomes e, para te abonarem
com a nomeação de um familiar tinhas que lhe
encher a casa de filhos saudáveis. – Desabafou a Velha Nzumba, avó
materna de Yani.
Em casa, no bairro
Pedra Escrita, a ngoma já estava encostada ao lume brando e as bebidas ganhavam
forma nas caixas térmicas. A moçada toda, rapazes e raparigas, amigas,
primos e amigos do casal, estavam
literalmente de telefone em punho, aguardando pela mensagem de confirmação
do nascimento. Todos queriam ser os
primeiros a receber a benquista mensagem. Cogitavam também nomes e simulavam
junções de iniciais de Judith, a Yani, e de Necas Matoso. Ora juntavam as iniciais
dos avôs do bebé, sogros do casal, e até dos amigos e amigas mais chegadas. As
mulheres faziam passear a imaginação pelas novelas e big brothers angolanos,
mexicanos, chineses e brasileiros, procurando pelos actores galãs e atrizes de
beleza invulgar conhecidos até à data.
Estava já estampada na
parede, em letras garrafais, uma enorme
lista de nomes inventados. Era a
surpresa que os amigos tinham preparado para Yani e Matoso. Quando Josina, da
parte do marido, e Masoxi, da parte da esposa, receberam as mensagens nos
telemóveis, confirmando o nascimento do bebé e pedindo-lhes que difundissem a
boa nova aos convivas, a lista foi refeita e a festa teve oficialmente o seu
início.
Tocou-se música sacra
de recepção ao menino. Coros afinados de distintas igrejas cristãs, mas
convergentes na hinologia, entoaram o ”Vinde meninos, vinde a Jesus”. E a
criança era menino! Depois foi a vez da música profana acompanhada de doses
imodestas de bebidas fermentadas e destiladas. À chegada dos pais e avós,
acompanhados do bebé, já latas e garrafas pulverizavam o quintal que recebia
gente atrás de gente. Os que chegavam traziam consigo manjares e lubrificadores
para as gargantas ressequidas por canções adventistas. Eram já nove horas da
manhã do dia seguinte.
- E como se chama o
rapaz? - Perguntou a tia Irlanda que acabara de chegar, também curiosa.
- Tia, por enquanto
vamos tratá-lo por Papa. – Respondeu a parturiente.
- Papa ou Papá! –
Voltou a questionar a senhora, nada satisfeita com a resposta recebida, e
ajuntou: Se vier a ser Papá será chará da parte materna ou paterna!
- Tia, ainda vamos
acertar. Temos de esperar até que as minhas feridas sarem. – Yani respondia
olhando para Matoso que parecia ter perdido a fala de tanta alegria.
- E o sobrinho não diz
nada! – Atirou novamente Irlanda, de forma provocadora.
- Titi, por mim é
Leite. Papa & Leite. Isso é a preocupação do momento. Quando conseguirmos
esses indispensáveis alimentos para o bebé conseguiremos definir o nome
dele. – Explicou Matoso irónico.
A festa e a conversa
prosseguiram noutra dimensão. Já não era
sobre o nome que se falava. Era sobre o homónimo real. Uns tratavam o menino
por Papa ou Papá e outros por Leite ou Leitinho. Assim foi por uma semana até
que o casal recebeu a visita do Tio Soba que, olhando para o netinho, exclamou:
- Cara do Comissário!
Que nome atribuíram ao rapaz!
- Na ausência do nome
definitivo estamos a tratá-lo por Papa e Leite. – Explicou Matoso, acompanhado
pela esposa, que é sobrinha do Soba.
- Lembram-se daquela
crónica ”O Comissário Papa Galinhas” que publiquei no Angolense, em homenagem
ao pai da Yani? Então, podem anotar: Comissário Papa Leite fica bem, só para
começar.
O casal que ja vinha
alinhando ideias naquela direcção não rejeitou a sugestão e o bebé ganhou o
registo oficial com o nome do avô materno que é oficial comissário.
Obs: texto publicado pelo Semanário Angolense a 13.11.2015
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