Chegadas as
férias, preparei a "Maria" (nome da carrinha) e fiz-me à estrada: Lwanda-Sumbe-Kanjala-Lopito-Mbengela-Xongoloy-Kilenges-Luvango (Morro da Xela, Cristo Rei, Humpata, Serra da Leba, Tundavala) – Xibya,
Mercado das Mangueiras (Namibe), Luvango. Confira as estórias
Perto de mil
quilómetros da capital de Angola à capital da Huila, a caminho do alto e
montanhoso Sul do país. Entre troços recomendáveis e outros que quase nos
cortam a respiração, ante a presença brusca de buracos assassinos, desfiz-me de
Lwanda-cidade até à ponte erguida sobre o caudaloso e manso Kwanza, a afogar-se no largo Atlântico. É a cobrança de
portagem que me desperta a atenção.
- Tomara que de trezentos em trezentos quilómetros houvesse essa forma de
levar dinheiro ao cofre do Estado. Andámos a reclamar que as estradas estão
más, quando pagamos pouco ou quase nada para as manter. - Atirei ao meu canino amigo e, mais uma vez,
companheiro de viagem. Este concordou e a viagem ganhou motivo de conversa: as
portagens necessárias e os impostos devidos ao Estado.
- Que tal também uma cobrança de portagem na ponte sobre o Kwanza, junto à
localidade de Kabala? É recente, imponente e, tarde ou cedo, carecerá de
manutenção. - Atirou Martins, em jeito de provocação, sem se dar conta que os
Kz 210.00 pagos na portagem não tinham sido facturados. O Estado fora aldrabado
pelo funcionário e nós, distraídos, limitamo-nos a avançar sem cobrar a nota de
facturação.
- No regresso, temos de pedir a factura e se o homem for o mesmo, terá de
nos passar o documento em falta. É preciso que alguém se lembre disso. A ponte
tem de fazer o seu pé-de-meia nesses tempos de verdinhas raras. – Complementei.
Viagem turística é para ver tudo à volta e à beira da estrada. Mas quando a
rodovia nos convida para testarmos a potência do motor e a nossa aptidão,
somente os sinais de trânsito nos impedem de baixar em demasia o acelerador:
visibilidade, condições da via, estado técnico do meio e atenção redobrada são
condimentos para uma condução defensiva. Assim aprendi num curso em Catoca.
Não tardou chegar ao Longa, Porto Amboim (onde o sol nos convidava para uma
praia que ficou adiada para uma próxima digressão), rio Keve (onde o bagre
fumado, à mostra na kitanda ribeirinha, faz verter água na boca faminta de quem
deixou Lwanda sem tomar o mata-bicho). Daqui ao Sumbe foram dois assobios.
Calmo, mas sempre perigoso, o monte do Xingo (pescoço? De quem seria?) apresentava-se
valentão até para os mais destemidos do volante e acelerador. Mudança
intermédia, entre força e velocidade, com o travão sempre a meio. Ao entrar
para a antiga cidade de Novo Redondo, a Maria apresentava o depósito a meio e
teve de ser alimentada.
Já a sair, surgem casas sobrepostas na montanha que atende pelo nome do
Médico-Guerrilheiro do Glorioso M. Uma fenda se presta a engoli-las a qualquer
hora desses dias pluviosos. As casas erguidas em degraus sulcados sobre o monte
argiloso apresentavam um semblante tristonho e medonho. O motoqueiro abordado
não hesita em apresentar-nos o bairro.
- Aqui é no Américo Boa Vida. – Disse empolgado.
Olhei para o Martins que aproveitou a paragem para se aliviar da ureia e
joguei rasteiro:
- O camarada Ngola Kimbanda merecia um chará mais organizado. Aqui não
vislumbro boa vida. Olha para aquela casa abandonada, com a lateral desabada e
sem acesso?
Colhemos as imagens possíveis e cavamos. Uma fomezita se fazia anunciar.
Teríamos de resistir até Kanjala onde "as
bombas e dinamites que despedaçaram a ponte sobre o rio que dá nome à localidade não meteram medo ao povo
unido" que ali fixou residência e sempre fez o seu negócio
agroalimentar. Deslizamos sobre a nova travessia, também ela construída à base
de ferro e betão, mostrando aos amigos da pólvora que o país se faz com
trabalho.
- Kanjala é fome pequena. - Explicou Miqui, a jovem que disse ter nascido e
crescido na aldeia, mas num tempo já de poucas refregas. Sobre os autores da
barbárie contra as pessoas, os edifícios e a ponte, Miqui, aparentemente bem
avisada e disposta apenas a servir o seu pirão que mata a fome, preferiu não
comentar.
- Ó mano, nesses tempos os pais já não andam mais a falar sobre essas
coisas. Quando nasci a ponte já estava na água e nunca me disseram quem foi que
a partiu. – Esquivou-se ela da provocação, destapando as panelas que reluziam
ao sol. Mas é já ao nos despedirmos que Miqui solta um detalhe: estão a ver
aquela "kamunda, katito, tito" (montículo
pequenino pequenino), é ali que se escondiam.
- Mas, que fome tinham os homens da pólvora que em vez de procurarem por
comida a descarregaram sobre a ponte? – Indagou o Martins, cuja resposta ainda
aguarda.
O peso do pirão com kalulú, que
não tinha peixe seco, fez pressão sobre o pedal acelerador e não tardou
chegarmos ao Lopito que me surpreendeu com a estátua que representa um
camionista que abraça numa mão o volante e noutra a kalashenikov. O jardim que
enfeita a rotunda está minimamente cuidado, tirando os zungueiros e as crianças
que jogavam despreocupadas a sua garrafinha por cima da relva. Consultada a
placa sobre o monumento, diz tratar-se de uma “homenagem aos motoristas e ajudantes que de 1975 a 2002 ajudaram o
povo e o poder instituído a levar mantimentos a todos os cantos do país”.
Fiz-me à câmara e, por pouco pediria o livro da cidade para deixar o meu
assentimento: "Homenagem merecida". Mas livro não havia nem tempo.
Mbengela (Benguela) chamáva-nos apressada pois havia encontro “cirúrgico”
combinado com o primo Casemiro, cuja casa devia conhecer. E o encontro foi no
Hospital Provincial que registava um dia de pouca agitação.
Sol ardente, sede a cobrar água para os lábios ressequidos. Bem próximo do
Hospital, a Morena cobiçava-nos desejosa para farfalharmos as suas areias brancas
e águas límpidas. Resistimos: “Ficas na
agenda, ó Praia Morena”.
Não vi o vermelho das acácias, se calhar por não estarem na rodovia que me
conduziu ao Xongoloy (Chongoroi).
Antes, no primeiro desvio para o Wuambu
(Huambo), mulheres de pastores de bovídeos exibem o “mahini”. Aqui tratam-no apenas por leite azedo e não exactamente mahini como no sul. Cardealmente,
estávamos ainda no oeste e não taxativamente no sul como os nortenhos de pouca
instrução catalogam os que nasceram abaixo do Kwanza. Não tardou surgir a vila
que nos recebeu debaixo de chuva grossa.
- Atenção, compadre, à ponte! Tem
uma faixa vedada à circulação. Que terá havido? – A pergunta do Martins ficou
perdida no roncar da Maria que pelejava contra a distância enquanto eu tinha
como adversários os intrusos assassinos e o asfalto molhado.
Com o sol a namorar o mar, um controlo policial desperta a nossa atenção. À
meia-distância estava uma ponte metálica prestes a ruir. Um trilho lateral
indicava-nos que uma outra fora levada pela fúria da água. Levantando o rosto
fui agraciado com a expressão, “Seja benvindo
à província da Huila”. Estávamos a adentrar o município de Kilenges
(Quilengues), cuja vila se apresenta bem cuidada e asseada. A administração
municipal tem no entorno um jardim com representação de espécies da nossa
fauna. Antes, um parque infantil atende pelo nome de Jacaré. O templo católico,
a caminho do duo centenário, também se mostra alegre e decorado. Fazer fotos se
mostrou irresistível.
- Sejam bem-vindos ao nosso município e desfrutem das belezas da Huila. –
Gritou-se do outro lado da estrada, ao que fomos agradecer e perguntar se se
objectava a colecta de imagens.
- Turismo sem fotos é como casamento sem filhos. – Disse irónico o mano de
Kilenges, sempre com um sorriso nos lábios.
Entre Kilenges e Luvangu (Lubango), está Hoke (Hoque), comuna que eterniza
um valente comandante das forças armadas angolanas, tombado em missão
patriótica. Simione Mukune é o nome do bairro que fica depois do ponteco. O
local, contam os moradores, tem dado, em tempo chuvoso, dores de cabeça aos
automobilistas e governantes.
- Por cá passam muitas viaturas que vão ao Kunene (Cunene), Namíbia,
Moçâmedes e outros destinos, procedentes do norte (Luanda, Benguela, Huambo,
etc.). – Contou Zito, um jovem que se apressava em pedir boleia para Luvangu.
Debaixo de um céu já sem sol, ligo o rádio e a música nos convidava: “Vem, vem, vem| Vem conhecer Luvangu|
Luvangu te espera”... A cidade era um clarão abraçado pela estátua Real
implantada sobre o alto da Cela (Chela).
- Chegamos, compadre. Estás a ver aquele cerco montanhoso? É mesmo ali. Já
lá estive por duas vezes em missões de serviço. – Atirei ao Martins que não
conseguiu disfarçar a sua alegria.
- Finalmente, Luvango!
O medidor de distância apontava: mais
de novecentos quilómetros percorridos entre Luanda e a cidade erguida sobre o
sopé do monte da Cela (Chela).
Antes da hospedagem, entendemos estudar as suas quatro principais saídas
rodoviárias. Namibe, Fenda da Tundavala, Kunene e Wambu.
CARTA AO AVÔ
KAZENZA
A chegada à casa do nosso anfitrião não foi dificil. A indicação que
levávamos era para “ir à polícia e pedir
ajuda”. Diligentes e atenciosos, os homens da farda azul cuidaram de nos acompanhar até à vivenda que
ocupa um dos nobres espaços da rua Nossa Senhora do Monte. Antes, pelo caminho,
o carro policial pára e recolhe um casal que caminhava sobre a chuva.
- Já não se fazem polícias como esses! – Exclamei.
Vim a saber que aquela rua tinha registado nos últimos dias alguns crimes
contra cidadãos que se fizeram a caminho no silêncio da noite. Era por aquela e
outras razões que merecia constante patrulhamento e atenção redobrada aos
cidadãos.
Cansado, devido a viagem, é debaixo da colcha que redijo a carta para o meu
avô Kazenza, cujo neto, destacado na Huila para uma missão de Estado, nos
acolhia em sua residência oficial.
Contaram-me.
Não te ouvi dize-lo, pois era infante, que apreciavas tanto o teu filho varão
que chegaste a descreve-lo como alguém tão culto, tão culto, que "escrevia
até debaixo de água". Também me contaram que dizias às pessoas que a tua
nora era tão linda e tão cabeluda que "estando na cozinha, a transa se
estendia até à sala".
Ouvi ainda que o avô Soares Kazenza, pai de Nzunba, a senhora que me cuidava nas ausências da minha progenitora e me defendia d...as porradas de Kilombo, também era um filósofo e curioso, chegando a desmontar um rádio para ver quem lá estava. Essa estória já a escrevi no meu "O sonho de Kaúia".
Ouvi ainda que o avô Soares Kazenza, pai de Nzunba, a senhora que me cuidava nas ausências da minha progenitora e me defendia d...as porradas de Kilombo, também era um filósofo e curioso, chegando a desmontar um rádio para ver quem lá estava. Essa estória já a escrevi no meu "O sonho de Kaúia".
Sou o filho
daquela tua filha (sobrinha) que por pouco te copiava na imaginaçao e ficção, a
Kilombo do Kitinu.
Avô, é verdade que quando já velhinho, regressado ao Kuteka, metias milho na entrada da tua casota para apanhar a primeira galinha que procurasse encher o papo? Ouvi isso.
Disseram que o avô fechava de imediato a porta com a bengala que te ajudava a andar e os aldeões, que muito te amavam e respeitavam, apenas se apercebiam do sumiço do galináceo quando se deparassem com as penas.
Avô, é verdade que quando já velhinho, regressado ao Kuteka, metias milho na entrada da tua casota para apanhar a primeira galinha que procurasse encher o papo? Ouvi isso.
Disseram que o avô fechava de imediato a porta com a bengala que te ajudava a andar e os aldeões, que muito te amavam e respeitavam, apenas se apercebiam do sumiço do galináceo quando se deparassem com as penas.
Partiste sem
que bebesse da tua fonte, avô. Seguiste o Kitinu sem que eu tivesse idade para
te ouvir e te retratar suficientemente nas minhas crónicas.
Tenho, porém, uma mensagem para te dar, avó, que será na variante do teu Kimbundu de Kuteka.
Tenho, porém, uma mensagem para te dar, avó, que será na variante do teu Kimbundu de Kuteka.
Akuku! Omon'a, Nzumba,
wakiti. Manu Sabalu-a-Soba, uku amundumisa ku tuma, fuka yenene.
Kekayo! (Avô! A tua filha, Nzumba, tem um filho honrado. O mano
Sabalo, filho do Soba, foi destacado para liderar numa terra enorme. Repara-a!)
Desperto suado e rápido dou conta de que tinha
sonhado.
D0
ALTO DA CELA E TUNDAVALA contemplo
a maravilha que a natureza nos oferece complementada pelo engenho humano e vejo
quão imensa é a cidade de Luvangu. Não tarda, chega mais uma viatura com dezena
de crianças a que se seguem outras de jovens excursionistas. O espaço ganha
vida. Corre-se à volta como se procurando por algo.
- Não há cá balneários públicos? – Atira um dos
turistas desejoso de desfazer-se de líquidos ou sólidos transformados em pasta.
Abro a minha caixa de recordações e voo até à “Mesa
Montanha” da cidade do Cabo e projecto aí um “cable” e todo o apetrecho
turístico como loja de conveniências, restaurante, café e um Motel erguidos com
material local e sem beliscos ao meio natural. Um pouco desgostoso, já a
caminho da Humpata, para ver a Leba, reparo que o restaurante e a loja de
conveniências com que sonhei ficaram pelo alicerce.
- “Table Moubtain" nacional, ainda vamos a tempo,
se os que têm dinheiro e aqueles que decidem quiserem. ‘ Falei aos botões.
A observação não se distancia da Tundavala que
desperdiça a sua enorme paisagem. Só falta mesmo quem decida erguer instalações
que alimentem o turismo. Organizar transporte da cidade ao miradouro, cobrar
taxa de usufruto, impedir que se suje a área com detritos humanos, latas de
cervejas e refrigerantes ou ainda marmitex. Empregar guias que expliquem cada
um daqueles recantos ou colocar em cada atalho placas informativas sobre a
história do local e sua subdivisão espacial. Recrutar fiscais, fotógrafos e
instalar o que atrairia e reteria mais gente ao espaço turístico e recreativo:
restaurantes, cafés, lojas de souvenirs, albergaria rústica, toiletes, etc. Com
tudo isso, ou mesmo metade, não mais nos espantaríamos com o cable e Table
Moutain de Cape Town...
A
ESPIRAL DA LEBA: a estrada que desafia a escarpada serra
da Leba é uma "serpente" enrolada sobre a montanha vertical. A
natureza fez a sua parte e o homem engenhoso complementou com a escada sobre o
"edifício" de dezenas de andares. Que maravilha!
Pena é não se ter erguido ainda no local espaços para
reter o turista, depois de saciado pela natureza circundante.
Ainda do alto da Leba, depois de pagar a portagem de
Kz 150.00, contemplo a sua raridade e me recordo de um velho sonho: descer e subir
ao volante de uma viatura.
Ensaio a fiabilidade dos travões e engato uma mudança intermédia,
combinando força e velocidade que não passava de 40 Km/h no início da odisseia.
A meio do percurso, um camião tractor geme pesado e cauteloso, pressionado pelo
bloco de mármore que há-de trazer divisas ao país e ornamentar um edificio num
país qualquer.
- Quão bom seria se tivéssemos já indústria de beneficiação das rochas
ornamentais. Deixaríamos de vender comodities baratas e comprar refinados
caros! – Atirou o Martins que sabendo onde trabalho aproveitou provocar-me
sorrateiramente. Mas é para a descida da Leba que concentro todo o meu talento
e destreza.
O MERCADO DAS
MANGUEIRAS: É já em território do Namibe que os fóbicos da Leba
engolem despreocupados ar puro.
- Ebenezer (até aqui o Senhor nos
ajudou)!- Foi a frase que ouvi do meu companheiro de viagem que soltou
poucas palavras enquanto eu pelejava contra as curvas e contracurvas numa
espécie de espiral regressivo. Nem mesmo os batuques, os recipientes para a
ordenha, os cacetetes (porrinhos), estatuetas e outros artefactos de madeira
expostos em venda, ao longo da parte final da descendente Leba, despertaram a
atenção do Martins que apenas reagiu aos meus beliscos verbais quando deixou de
ver curvas à frente. Cinco quilómetros abaixo da Leba, depois de uma vasta mata
de mulolas espinhosas, se estende o
Mercado das Mangueiras onde matámos a fome e a sede. A carne, assada em tiras
finas espectadas em palitos, custava Kz 150.00 ao passo que uma perna de galinha
rija custava quatro vezes mais.
- Mas aqui, com tanto gado, a carne é assim tão cara? – Questionei à
vendedeira que atendia pelo nome de Fernandinha. Era também o nome gravado à
entrada da barraca.
- Senhor, é a crise. Até o preço da taxa subiu!
Fazia sol de assar sardinha e o mar que distava perto de uma centena de
quilómetros fazia o convite: “Venham também ver Moçâmedes”.
- Desculpe-me Namibe, mas não será desta vez o nosso reencontro! –
Despedi-me, forçado pelo relógio que corria apressado. Havia ainda a cascata da
Xibya (Chibia) por explorar e fizemo-nos de regresso ao Luvangu, com curta
paragem na Humpata onde o gado bovino, as maçãs, as peras, o tortulho e o bom
clima convidam o turista a uma contemplação do belo. Ponto de passagem entre
Luvangu e a Leba que nos conduz ao Namibe, Humpata é também um local turístico
e de recreação. Tem um mercado municipal recheado de frutas de vontade e pousadas com camas fofas.
Chegados à grande cidade do sul, o caminho seguinte foi o que dá ao
Kunene. Perdidos entre as mulolas e rios
caudalosos em tempo de chuvas fartas, mas que se tornam desérticos em horas
seguintes, precisei de tradutores para "assuntar" que precisava de
fazer fotos com as mulheres mundimbas
trajadas a preceito. Estava na Xibya (Chibia), famosa pelos seus campos
agrícolas onde se haviam estabelecido colonatos luso. Conta-se que Sá da
Bandeira, nome por que fora baptizada a capital huilana, ter-se-á enamorado pelo
clima da Xibya...
Dois tradutores de ocasião ajudam-me a transmitir a ideia, na língua
nativa, às mulheres mundimba que
ignoram o idioma trazido por Sá da Bendeira e conterrâneos.
- Ele veio nos visitar e quer tirar fotos para recordação. Também promete
dar algum dinheiro para os que ficam comprar recordação. - Terá dito, mais ou
menos, um dos tradutores, antes de reclamar: - eu que estou a “assuntar” com as
mamãs também me põe na conta da recordação. A ele se juntou outro jovem, também
pretendendo a boleia da tradução.
As senhoras, caprichosamente trajadas em seus panos e bijuteria de misanga (missanga na grafia
convencional) ao pescoço, acederam sem
resistência. Até apareceram mais do que as minhas previsões, mesmo sabendo que
a quantia prometida era, para mim, irrisória. Mulher mundimba também gosta de se ver na foto registada e guardada na
memória do telefone. E foi o que pediram.
Havia prometido dar cem kwanzas a cada uma das cinco senhoras que contactei
inicialmente. No fim, lá estavam onze mulheres. Para manter o que anunciara
paguei mil e cem às senhoras, juntando mais duzentos para os dois homens que ajudaram a manter tangíveis os discursos.
No momento de despedida, soaram rajadas de palmas. Todos agradecidos. Numa
picada interior da Xibya (Chibia) onde quase nada se compra, senão as misanga (plural de musanga) e o álcool
que "afugenta" o frio que vai e vem sem parar, onde a água pluvial
corre furiosa da montanha para lado desconhecido, de tanto não poder adentrar o
solo pedregoso, cem Kwanzas terá sido
dinheiro.
Não foi dia de turismo. Caminho não havia para chegar à tão recomendada
cascata que, afinal, estava antes, na comuna da Huila. Também guias turísticos
e bons entendedores da Língua de Camões estavam raros.
Do turismo passamos à aventura. E valeu. É que nem a Maria (viatura)
decepcionou na transposição dos obstáculos pedregosos, quanto não lamacentos,
que se apresentavam na picada escarpada que risca a nuca da montanha que se
estica da Xibya ao Namibe.
Regressados a Luanda, verifico de novo o contador de distâncias e este me
informa: consumidos dois mil, trezentos e
quarenta e nove quilómetros.
Bem haja turismo!
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