As palavras são de um antigo preso de delito comum mas que
viveu na pele as sevícias a que eram submetidos os presos de delito político.
Artur, único antropónimo no bilhete de identidade, mostra um
a um os antigos edifícios e recorda-se dos seus ocupantes ou das tarefas nelas
executadas.
- Ali era o posto médico, aponta. Este era a oficina geral e
ali, ao lado, a ficavam as cozinhas. Hoje tudo se foi com o tempo. – Recorda
saudoso, apesar do sofrimento daquele tempo que a memória teima em conservar.
Os edifícios que configuravam a colónia prisional estão hoje todos em ruínas, restando uns poucos como o que acolhia os serviços administrativos, no piso superior, e as minúsculas celas na cave. O edifício principal foi reabilitado e serve hoje a Administração Comunal do Missombo, que dista perto de cvatorze quilómetros de Menongue, a capital da província.
Apesar do estado em escombros em que se encontra o local, o
administrador comunal diz que melhores dias estão por chegar e vai mais longe
na sua premonição.
- Os mais velhos vão poder conferir os seus processos, rever
o Centro com as mesmas feições arquitetónicas antigas e reviver os dias de
cárcere e trabalhos forçados na fazenda ou na
construção manual do dique. – Diz confiante Francisco Kassemuqueno, para quem "existe já um projecto integrado do
Governo que visa manter vivas as páginas longas da luta dos angolanos pela
emancipação", conta o administrador com a autoridade de um historiador,
embora tenha estudado ciências agrárias.
- É o tempo em que estamos aqui e as
tarefas a que somos chamados a executar que nos fazem ter de cor toda a história
desse recinto. – Esclarece Kassemuqueno quando elogiado sobre o domínio da
História do campo prisional de Missombo.
Uma cidade ergue-se, aos poucos, na
cabeceira do antigo campo prisional, sendo que o perímetro irrigado já serve os
estudantes do Instituto Médio Agrícola, construído, propositadamente, nas
proximidades do antigo campo prisional para fazer parte do pólo urbano e
valorização do que resta e do que se há-de construir no Missombo.
A caminho do Missombo estão também os
estudantes do curso de agronomia da Escola Superior Politécnica do
Cuando-Cubango, dependência orgânica da Universidade Kwito Kwanavale, cuja
comissão instaladora foi já apresentada ao governo chefiado por Higino Carneiro
e comunidade universitária.
As províncias do Cuando-Cubango e do
Cunene "libertam-se assim da dependência da Universidade Mandume ya
Ndemufayo que atendia a Huila, o Namibe, o Cuando Cubango e o Cunene, atendendo
apenas as duas primeiras". - Explicou a Secretária de Estado para o Ensino
Superior Maria Martins que visitou com o cronista o Instituto Médio de
Agronomia e outras instalações que vão receber os estudantes de nível superior.
Mas, sobre o Missombo não é tudo. O
campo correcional fez parte do
triângulo penal repressivo da PIDE-DGS contra os nacionalistas angolanos. As
colónias penais do Bié, Missombo e São Nicolau ou Bentiaba (existindo ainda o
campo correcional de produção de Quibala, mas em menor escala demográfica),
guardam registos sobre quão tenebrosa para os nacionalistas angolanos foi a
"defesa" de um Estado que nunca pertenceu a Salazar e seu sucedâneo
Marcelo Caetano.
Pelo
Missombo passaram nacionalistas como Adriano Sebastião e outros, antes de serem
desterrados para S. Nicolau (Namibe) ou Tarrafal (Cabo Verde).
Dos imóveis que ainda estão em pé e com
alguma utilidade, contam-se poucos. Apenas os que atendem a administração
comunal, a sede comunal do MPLA, a
escola (edifício construído no pós-independência) a residência protocolar da
administração comunal, a antiga esquadra policial (também erguida no pós
independência) e o posto médico. O edifício multi-ofícios, as residências dos
carcereiros e pessoal ao serviço da PIDE estão completamente destruídos pela
acçao humana e do tempo.
O campo já acolheu, nos tempos em que o país era forte e frequentemente fustigado pelas South African Forces, SAF, uma brigada das FAPLA/FAA que defendia a cidade de Menongue contra o avanço dos sul-africanos carcamanos e seus apaniguados nacionais.
- O
local vai ser uma espécie de museu com valor hostorico-turistico., Narrou o
administrador Francisco Kassemuqueno, para quem os serviços da administração
local vão passar para a nova centralidade projectada para a margem oposta da
Estrada Nacional 140, onde já despontam, entre vários edifícios, o Instituto
Médio Agrário, a Escola de Formação de Professores do Futuro (afecta à ADPP), a
Escola Provincial de Turismo que contará com um hotel de trinta quartos, a
Escola Nacional de Formação de Fiscais Ambientais (afecta ao projecto
transfronteiriço "KASA"), etc.
De baixo do edifício da administração, onde nos encontramos, contou o administrador, estavam as celas subterrâneas para os presos que eram interrogados sucessivamente, numa espécie de tortura psicológica. Os menos perigosos eram usados para trabalhos agrícolas no perímetro irrigado ou levando pedras à represa", ajuntou o agrónomo que dirige a comuna.
-A
antiga represa de água sobre o rio Cuebe foi reabilitada e modernizada,
pretendendo o governo do Cuando-Cubango, narrou ainda Francisco Kassemuqueno,
dar uma dimensão histórica ao Missombo que acolheu muitos dos nossos
nacionalistas e obreiros da luta de libertação nacional contra o jugo colonial.
A
primeira fase da Nova Centralidade de Menongue, explicou ainda Kassemuqueno,
está a ser executada em Missombo. Segundo o "mwata mutolo (assim são
tratados os administradores na língua ucokwe, sendo ele também um kacokwe), o antigo
edifício de artes e ofícios já foi adjudicado para reabilitação, devendo
conservar, à semelhança dos demais, o traçado arquitetónico original.
"A
actual administração será transladada para a nova cidade, sendo as instalações
do antigo centro prisional um Centro histórico-cultural e turístico, devendo
possuir ainda a parte agrária" - Informou.
O Kassemuqueno avançou também que "os processos dos antigos presos de Missombo ou aqueles que por lá passaram estão a ser negociados pelo Ministério da Cultura com os arquivos coloniais da Torre do Tombo, em Portugal, e, tão logo se tenha êxitos, serão transladados e arquivados na sala que atende hoje as reuniões da administração comunal". As demais casas, prosseguiu, também serão reabilitadas, sendo que já foi feito um levantamento do estado actual e nível de intervenção.
O Kassemuqueno avançou também que "os processos dos antigos presos de Missombo ou aqueles que por lá passaram estão a ser negociados pelo Ministério da Cultura com os arquivos coloniais da Torre do Tombo, em Portugal, e, tão logo se tenha êxitos, serão transladados e arquivados na sala que atende hoje as reuniões da administração comunal". As demais casas, prosseguiu, também serão reabilitadas, sendo que já foi feito um levantamento do estado actual e nível de intervenção.
- Acho
que não vai demorar muito tempo para dar uma visão mais realística daquilo que
foi o centro. - Disse esperançoso, e a concluir, Francisco Kassemuqueno, o
administrador comunal do Missombo.
Nota:texto publicado pelo Semanário Angolense, 29 de Agosto de 2015.
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