O acesso através da estrada asfaltada, EN110, um ramal que também nos conduz à rodovia principal para o Sumbe, faz do vilarejo um local aprazível para turismo interior, facilitado pela existência de instâncias hoteleiras e restauração, bem como por um mercado informal que floresce ao assobio silencioso do Kwanza navegável, o mesmo que levou o donatário Paulo Dias de Novaes ao Ndondo e Ndongo.
Aqui, contam os que frequentam o
santuário católico com regularidade, acontecem coisas do arco da velha.
Chegou-me ao ouvido que duas esposas de um mesmo homem bafejado pela sorte dos
fáceis dólares do passado pegaram ambas em fotos da rival e foram pedir a "mamã
coração" que afastasse a adversária do seu caminho.
- Mamã muxima, apareci sozinha, no
tempo da pobreza, por que me surge uma intrusa na relação agora que é tempo de
colheita, ainda por cima ela de carnes fartas? Ajude-me, mamã, a defuntá-la. Todo o víntimo vou trazer durante ano e meio, se a
mamã me ajudar. - Terá suplicado Kadihiba, a primeira das esposas do sô Kitadi
Yangu.
- Mamã do coração, já me deste
metade do que te pedi nos últimos cinco anos. Só falta aquela cavalona deixar
de privatizar o homem, tipo nasceram juntos do mesmo ventre. Outras abrem vaga,
menos ela, mamã. Só falta um bocado. Mesmo metade do salário e metade de tudo
que ele me dá posso trazer à mamã se ela abrir vaga. - Implorou Kakinga, a Luanda dois.
O resultado, segundo o meu amigo
Katimba, que jura ter visto com seus próprios olhos, foi uma pancadaria
daquelas de pôr o padre com o pé no ngimbu, para que não fosse apanhado por um
murro perdido na algazarra.
- Foi na hora de levar ao altar as
ofertas e a prova (foto) do que se pede. Kadihiba com a cara de Kakinga e
essa com a da concorrente Kadihiba. As duas caralmente, olho no olho sem espaço para
esquiva. Ali esmo, nome chama nome, começaram a se dar kibetu. - Narrou o
sempre bem humorado Katimba que foi introduzindo, entre os supostos factos,
elementos de sua criatividade, dando mais calor à narrativa.
Contaram-me também que as moças,
aconselhadas por tias mais experimentadas, e algumas tias na idade entre "
a sobra e o salda negócio" são as que mais preces dedicam à mamã para que
mande no seu caminho um homem que tenha "quatro cês sem efe-a". Vou
explicar melhor essa dos cês e sem efe-a. É tudo da lavra do Man Didas que
nasceu na Kisama ao tempo em que os kisamistas se diziam ainda kwanza-sulinos:
"casamento, casa, carro e conta farta sem filhos anteriores",
reportou-me o Didi Segundo com a seriedade que lhe é característica.
Pois, essas estórias todas
acrescidas ao discurso de um idoso do município biodiverso da Kisama que numa
das barracas de Katete narrou a célebre frase "uxa dikongo, kuxê kitadi.
Andodijiba (deves deixar dívida e não dinheiro como herança vão
matar-se)!", levou-me a espreitar o outro lado do Kwanza, atravessando
pela segunda ponte, da foz à nascente, a que se estende sobre os terrenos
pantanosos da Kabala. Quem não se lembra da Kabala, reportada no antigo livro
de leitura da segunda classe, ensino do tempo de Agostinho Neto, onde se lia:
"na Kabala, uma pequena aldeia perto do rio Kwanza vive a família do Viti.
O pai trabalha na loja do povo. A mãe trabalha na lavra. O Viti e os irmãos
andam na escola".
Pois é. Transpus a Kabala instalado
num FIAT Punto que ensaiava o motor, acompanhado da mulher, que ignorava o
destino, e lá nos fizemos Kisama adentro, ou melhor, coração adentro. MUXIMA! A
Entrada é de cortar a respiração. A estrada é um sulco sobre a montanha
lamacenta nos dias de fúria de São Pedro. As habitações e outras construções
melhor apresentadas, construídas em alvenaria para longa vida, acham-se em
topos de colinas, fazendo as águas pluviais deslizarem até à curta zona plana
que se estende longitudinalmente como faixa de lençol, entregando-se
lateralmente ao Kwanza milenar.
As devotas peregrinas, sem chuva nem
distâncias que as detêm, marcam presença no terreiro contiguo à capela ou nas
instalações vizinhas, erguendo tendas de campismo. A capitania do Porto de
Luanda, a polícia e outras instituições como o Partido MPLA mostram-se também
aos residentes e aos visitantes com suas representações. E aqueles que exploram
o turismo interior encontram a "senhora Ritz" ocupando a parte da
zona baixa com módulos contentorizados a preço concorrencial.
- O kakusu tem de encomendar com
antecedência. É preciso pedir "nos" pescadores para trazerem na faina
da manhã. - Explicou a garçonete caprichosamente vestida. Uma saia chitada,
neve branca da cintura acima e negro na batina a combinar com cabelos reais.
Quanto aos quartos, lá estão,
branquinhos e arrumadinhos, "mas se vier em tempo de maior
peregrinação, tem de fazer reserva" para não lerpar. - Aconselha o gerente tuga, para
quem "há quem até encomende o quarto
com um ano de antecedência". Verdade ou não, foi a boca dele que
cumpriu com o papel da fala. Quartos havia e de sobra num dia de chuva miúda,
farta e continuada, com muximeiros escassos quando contados e comparados aos números
milhentos das televisões em períodos de romarias sagradas.
- E a catedral mostrada ao papa
Bento XVI, marido? Será que está noutro lugar fora daqui?! - Quis saber a
mulher a quem sosseguei com um "está no Vaticano. Come e relaxa porque
ainda temos 118 quilómetros até a casa!"
E partimos com a
sensação de uma tarde bem passada e uma vivência curta que se recomenda à
repetição da dose. Bem haja Muxima no coração do Município da Kisama que acolhe
o Parque Nacional com a mesma designação.
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