Decididamente.
Lugar de idoso não é no Beiral. No campo fica melhor. Numa fazenda, quinta ou
lavra, cuidando de plantas, gansos, patos, galinhas, etc.; transformando alevinos
em gostosos "ikusu" ou dando a aprazível companhia de bovídeos,
caprinos e ovinos aos pastos que abundam nas anharas planálticas; fazendo os
ngulu grunhir e os cavalos relincharem ao toque do pastor-ganadeiro.
Provei e
comprovei. Cada volta que se dá no canteiro de ananaseiros, laranjeiras,
pereiras ou laranjeiras; cada cacho de banana que carrega, cada abacate que se colhe
é mais um mês de vida para um idoso.
Longe dessa
vitalidade estão aqueles que, depois de aposentados do serviço decidiram-se em
"matar kasumuna" na cidade, deixando os pés ociosos acumularem
reumatismos e outras doenças derivadas do nada fazer.
- Acordar, comer e
dormir é doença. Confidenciou-me um idoso na casa dos oitenta, mas respirando ainda
vida abundante que retira na kizaca, galinha da capoeira e fruta que transita
da árvore á boca.
Decididamente, um
jovem, ainda que urbano, devia pensar em plantar uma árvore para que de sua
sombra desfrute a vida senil.
Provei e comprovei
isso em Yeyele, um campo agrícola de Sabino Salongue e Argentina Ernesto,
casados há 47 anos, ambos enfermeiros aposentados, vivendo no Cuito, mas dando
emprego a mais de dez famílias em Yeyele onde fazem os seus vitais
"matutinos" agrícolas.
Simpáticos,
alegres, sempre bem-educados, os trabalhadores da fazenda recebem com canções e
danças os seus visitantes.
- Vakombe, kalé,
vakale veya! (os visitantes chegaram!)
- Coros afinados,
harmoniosos, desafiando muitos que se fazem ao microfone para tostões, cantam
incansavelmente, fazendo o visitante sentir-se um Soma.
Antes da partida,
o visitante que ganhou um boi, na hora transformado em vaca, anuncia, não em
umbundu que todos cantam, mas em ucokwe:
- Nguna sakwila
cinji. Ciseke cinji ngunevu (Estou muito agradecido. É imensa a alegria que
sinto). - Soltam-se palmas e assobios.
Uma senhora que fala
ngangela, língua aparentada ao ucokwe traduz para umbundo. Soltam-se novas e
estridentes rajadas de palmas e assobios. Ouvem-se novos cânticos, profanos,
políticos e religiosos. Faz-se festa.
O visitante vê-se
banhado em lágrimas de contente. Recepção única, inédita. Idêntica nunca teve.
Emocionado, alegre, anuncia à jovem que trabalha em casa dos sogros-patrões:
- Tens aqui
dinheiro para ti, para as tuas gasosas, e outros angolares para a família da
fazenda. No fim da jornada, faz a distribuição: Gasosa para aqueles que álcool
só usam na ferida, vinho e aguardente para quem tem as entranhas
ensanguentadas.
A ngoma junta-se à
roda dos dançantes.
- Etali ombebwa
yeya. Kapuli vali uyaki (hoje vivemos tempos de paz, não há mais guerra que nos
impeça de festejar). – Atirou o gerente que também rege a festa.
Tocou o apito. É
hora de partida. O relógio aponta seis e meia da tarde. A circunferência
celeste apresenta-se azulada e com a lua à mostra. O terreiro sempre povoado.
Nunca esteve vazio desde que Maria, que ia a frente de branquinha, cruzou
aquele espaço. Assim foi durante a tarde toda, desde o meio-dia. Cantavam e
dançavam com pequenos intervalos para amamentar os filhos ou colher alguma erva
para a janta. A carne já estava garantida. Era bovina e fresquinha. Os homens
suavam com as mãos ensaguentadas e estômagos cheios de esperança,
adivinhando-se boas e longas garfadas. As línguas ensaiavam as pupilas gustativas
para o repasto da noite. Até a cadela da fazenda parecia felicíssima.
Albertina, a moça que
vive na cidade com os patrões, distribuiu walende. Conhece os acampados
nominalmente. Uns já enfrascados e outros ainda com o "produto" na
mão, de novo toca a ngoma e soltam-se as vozes, cada vez mais afinadas.
- Álcool é remédio
contra o frio, isolamento e até sofrimento (?) – Perguntei a mim mesmo, sem que
alguém me fornecesse a fórmula. Mas eles não sofrem. Eles trabalham e ganham. E
são felizes no seu mundo.
As carrinhas,
Maria e Branquinha, prenhes de carne bovina, bananas, ananases, laranjas, milho
e outras oferendas partem carregadas a gemer. Desta vez, Maria atrás e
branquinha na dianteira.
- Xalipo ciwa.
Cantou-se efusivamente em gesto de despedida. Fez-se carnaval.
Posto na cidade que Silva, o do Porto, fundou, acariciei a
Maria, cansada e alegre.
Ela sempre linda, simpática e demasiadamente sedutora para a minha
sede de aventuras. Cheia de força e vigor em demasia precisava de um macho como
eu que a levasse ao orgasmo na quinta velocidade. Fazendo amor na estrada e na
mata.
Girei sua cintura, apertando-lhe os seios-buzina, falando-lhe ao ouvido até fechar os olhos ou abri-los de contente.
Girei sua cintura, apertando-lhe os seios-buzina, falando-lhe ao ouvido até fechar os olhos ou abri-los de contente.
- Vamos ao Kunje, ver a estação do
caminho-de-ferro de Benguela, Maria. - Pedi.
- Chega. Estou cansada. Aceitei o convite de
boa vontade para te ajudar e te acompanhar aonde quiseres ir, mas chega. Não
quero que me voltes a trepar. - Reclamou contorcendo-se de dores lombares.
- Mas, Maria, o acordo foi me levares. Pretendo chegar ao Kunje e ver a estação do CFB e a estrada do Cunhinga. - Tentei buscar a sua compreensão.
Maria, a vermelha, meneou a cabeça e lá se pós aos muxoxos, mas andando devagar e cada vez com mais vagar.
- Essa vida assim não dá. Uma gaja te leva a bons caminhos. É meu dever. Agora me metes nessas crateras e lamaçal? Vou levar-te, mas ficas já avisado: quando terminar o percurso quero água, pano, escova e sabão.
- Bravo, bravo. Granda Maria! Fiz-lhe umas carícias no círculo condutor, engatei a primeira, equilibrei o acelerador e a embraiagem e lá foi ela. Alegre, novamente, apesar dos solavancos. Chegamos à comuna do Cunje, onde os comboios do caminho-de-ferro de Benguela tangenciam o Cuito, a caminho do Luau.
Com carinho, pedi-lhe ainda que roubasse uns quilómetros à picada do Cunhinga, mas lá estavam os assassinos a mandar-nos saltitar, ao que preferi desistir, antes que a Maria voltasse a reclamar. Invertemos a marcha, contornando cada buraco ou passando por eles, secos ou enlameados, até à cidade fundada por Silva, o do Porto.
- Queres saber duma coisa, Soberano? - Interrogou ela para continuar: gostei da estação ferroviária mas aquelas casas que se situam na margem esquerda já deviam ter o rosto lavado. Será que os maquinistas e pessoal de apoio não precisam delas?
- Mas, Maria, o acordo foi me levares. Pretendo chegar ao Kunje e ver a estação do CFB e a estrada do Cunhinga. - Tentei buscar a sua compreensão.
Maria, a vermelha, meneou a cabeça e lá se pós aos muxoxos, mas andando devagar e cada vez com mais vagar.
- Essa vida assim não dá. Uma gaja te leva a bons caminhos. É meu dever. Agora me metes nessas crateras e lamaçal? Vou levar-te, mas ficas já avisado: quando terminar o percurso quero água, pano, escova e sabão.
- Bravo, bravo. Granda Maria! Fiz-lhe umas carícias no círculo condutor, engatei a primeira, equilibrei o acelerador e a embraiagem e lá foi ela. Alegre, novamente, apesar dos solavancos. Chegamos à comuna do Cunje, onde os comboios do caminho-de-ferro de Benguela tangenciam o Cuito, a caminho do Luau.
Com carinho, pedi-lhe ainda que roubasse uns quilómetros à picada do Cunhinga, mas lá estavam os assassinos a mandar-nos saltitar, ao que preferi desistir, antes que a Maria voltasse a reclamar. Invertemos a marcha, contornando cada buraco ou passando por eles, secos ou enlameados, até à cidade fundada por Silva, o do Porto.
- Queres saber duma coisa, Soberano? - Interrogou ela para continuar: gostei da estação ferroviária mas aquelas casas que se situam na margem esquerda já deviam ter o rosto lavado. Será que os maquinistas e pessoal de apoio não precisam delas?
Apenas aprovei com o balancear da cabeça mas
ela prosseguiu irónica.
- Aquelas luzes altas, que não sei se acendem ou não, também estão muito giras, mas o estado da rodovia é que não se recomenda mesmo a ninguém. Por acaso, amanhã me podes levar ao administra a dor para saber por que ele gosta tanto de ver os carros partidos?
Engoli mais uma das tiradas de Maria, a minha carrinha, sem que houvesse uma resposta pronta na ponta da língua.
- Aquelas luzes altas, que não sei se acendem ou não, também estão muito giras, mas o estado da rodovia é que não se recomenda mesmo a ninguém. Por acaso, amanhã me podes levar ao administra a dor para saber por que ele gosta tanto de ver os carros partidos?
Engoli mais uma das tiradas de Maria, a minha carrinha, sem que houvesse uma resposta pronta na ponta da língua.
Meia-noite menos um quarto, fomos descansar,
porque no dia seguinte a Maria teria de me levar num percurso de 700
quilómetros, entre asfalto e buracos.
Nota: publicado pelo Semanário Angolense a 04 de Abril de 2015.
Nota: publicado pelo Semanário Angolense a 04 de Abril de 2015.
Olá, gostei muito do blog!
ResponderEliminarTambém tenho um onde coloco algumas poesias minhas.
Poderia visitar?
http://wordsbyalonelyguy.blogspot.com.br
Caro Douglas Álisson,
ResponderEliminarGrato pela visita e volte sempre,
Canhanga