No
mercado espontâneo surgido à beira da estrada, no local em que os carros que se
fazem às províncias, atestam os depósitos de combustível e o estomago, o pregão
dele é único. Samy corre de carro em carro com um leitor de CD e uma caixa
repleta de discos pirateados na mão.
-
É cê-dê origon, kota. Música de qualidade que não te deixa mal durante toda a
viagem. Quem "me" compra "vorta" sempre a me procurar na
próxima viagem. – Apregoa Samy.
Cabelo
comprido a fazer sair uma crista que lhe percorre o ngwimbu à testa, Samy vive
desse negócio há já cinco anos e com os frutos sustenta a mulher e três filhos.
-
Kota - voltou a chamar-me – já ouviste esse disco (apontava para um que tinha a
inscrição "rir até mostrar o último molar"?!
-
Não, puto. Ainda não tenho. Mas de quem é o disco?
-
É teu, kota. Passa só duzentos paus. Com cento e noventa também bate. -
Regateou.
Meti
a mão na algibeira e de lá saquei os Kwanzas necessários. Porém, a contra
gosto, tratando-se de produto aparentemente contra feito embora o disco
estivesse forrado em plástico.
-
Kota, experimenta a faixa quatro. - Ordenou Samy, sorridente, enquanto ajeitava
o kitadi na carteira. Liguei o rádio e fui, aos pulos, conferindo as músicas inscritas
na capa, para depois as ouvir na íntegra ao longo do percurso que me leva de
Luanda a Menongue.
"Se
vais na província tenha cuidado. Na via do Dondo tem lá buraco. Buraco
bué", soltou o rádio.
-
Epá, grand´a queta. Está mesmo a condizer com o estado "caprichado"
da via. Será que o cantor tem circulado por aqui todos os dias? - Interrogou um
dos meus dois passageiros, sem que obtivesse de minha parte uma pronta
resposta.
Eu
saboreava a alegria de ter acertado na escolha do disco e o ocupante do banco
de trás conferia as últimas novidades do facebook. Apenas o mais velho colocava
perguntas ao longo do percurso, ou para explicar algo que tenha vivenciado no
seu tempo de juventude ou perguntando sobre coisas novas com que se vai
deparando pela primeira vez.
E
a letra da música, que parecia ter sido feita à medida, prosseguia nos apelos à
prudência: via do Dondo tem la buraco; na do Libolo tem lá buraco; da kibala bue
de buraco; no Bailundo vão já cavar; toda angola está um buraco; mas a taxa já
está no pontoé! – Terminava de forma satírica a canção.
Até
concluir os primeiros 750quilómetros que separam Luanda das terras planálticas
do “olongombe Vye”, não se ouviu outra balada que não fosse essa, do grupo
humorístico "Estamos a vir" que é um retrato fiel de muitos troços
das nossas estradas aí aonde a incúria de "quem de direito" ainda se
faz sentir.
Do Kuito a Menongue, viajo sozinho sobre as estradas largas, rectilíneas e bem conservadas do centro e sudeste de Angola, acomodado ao volante da minha Maria Canhanga (viatura em que me faço circular). Ela comporta-se como mãe que nunca deseja que o mal se acapare do filho. Aliás, vou acompanhado do Justino Handanga instalado no leitor do meu rádio, cantando os benefícios da paz. E diz, o bom do Handanga, no seu sempre bem pronunciado umbundu "a Suku lombembwa, ndapandula avoyo!
Ndakulihile ño o misäwu yo Ndondi. Vavayela vo Mbongo. Elende vo Cipeyo. Ndamosiwila vemi lyomunda vo Hanga" (Agradeço, Senhor, pela paz que me permitiu conhecer a missão de Dondi, Vavayela/Babaera no Mbongo, Elende no Cipeyo e a montanha do Hanga…).
Embora o administrador “Andonho Kotingo tenha chorado ao ver a missão destruída e os eucaliptos secos", canta ainda Handanga, a paz permite ter esperança de que o quadro seja revertido. E observei que aquilo que se passa no oeste (reconstrução e construção) está também a acontecer no centro de Angola onde Cachingues é u exemplo do que é começar do zero uma vila completamente arrasada pelas inúmeras refregas militares.
Em relação à
agricultura, fiquei sem saber se as casas tinham sido implantadas no meio de
milheiro ou este fora semeado nos espaços entre casas.
Chegado ao sudeste, o
mesmo cenário inovador. Também verifiquei que ou o velo, destruído pela guerra
havia sido reabilitado ou entre os escombros e próximo deles nasceram novos
edifícios que conferem alegria às circunscrições. Notei que as margens das
estradas estavam literalmente agricultadas de mandioca, milho, massango e
massambala. Sendo milhares de hectares lavrados, desafiando a tenacidade da
floresta húmida e densa.
E fiquei a pensar nos
machados, buldozers e outros meios empregues para derrubar tanta árvore e fazer
do bosque campos produtores de alimentos. Bons exemplos desses povos, ovimbundu
e ovingangela.
Com tanta floresta, fiquei também a pensar por que razão a guerra terá sido muito renhida no Sudeste angolano, não tardando a resposta que veio logo a seguir.
Com tanta floresta, fiquei também a pensar por que razão a guerra terá sido muito renhida no Sudeste angolano, não tardando a resposta que veio logo a seguir.
- Muita mata. Muito
esconderijo, até da aviação. E como se não bastasse, muita comida produzida
pelos coitados dos populares que eram assaltados dias sim, semanas também pelos
insurrectos sem logística militar.
Ainda bem que os tempos são outros. As florestas que serviam para o esconderijo de malfeitores dão hoje sustento a gente que trabalha, proporcionando madeira, carne de caça e mel.
Ainda bem que os tempos são outros. As florestas que serviam para o esconderijo de malfeitores dão hoje sustento a gente que trabalha, proporcionando madeira, carne de caça e mel.
Estou
no sudeste, em Menongue (ex-Serpa Pinto), Cuando-Cubango, faltando-me apenas
conhecer a antiga Carmona. Já vi
o rio Cuebe que trespassa a cidade construída sobre as terras do Mwene Vunonge
e recebi o forte abraço do simpático Carlos Bequengue da Rádio KK.
De Luanda-Dondo- Huambo-Cuito e Cuito-Menongue, a EN 140, último trajecto, me pareceu ser das melhores estradas que há em termos de transitabilidade. Tive o mesmo gozo nos trajectos Alto Hama-Huambo ou ainda Alto Hama-Cachungo-Cuito. Fiz gosto ao pé e testei a Maria (nome da Hilux vermelha que me carrega) que correspondeu em velocidade, consumo e estabilidade, fazendo-me esquecer o António (Tucson marron) que é automático.
De Luanda-Dondo- Huambo-Cuito e Cuito-Menongue, a EN 140, último trajecto, me pareceu ser das melhores estradas que há em termos de transitabilidade. Tive o mesmo gozo nos trajectos Alto Hama-Huambo ou ainda Alto Hama-Cachungo-Cuito. Fiz gosto ao pé e testei a Maria (nome da Hilux vermelha que me carrega) que correspondeu em velocidade, consumo e estabilidade, fazendo-me esquecer o António (Tucson marron) que é automático.
Tri-ti-ti (alusão à guerra, música cantada por
Viñi Viñi), nunca mais, nem haverá mais gente a “partir londango por causa do
lukangu”, como acrescenta Kapenda Salongue.
Publicado pelo jornal de Angola de 21.04.2019
Publicado pelo jornal de Angola de 21.04.2019
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