sexta-feira, 9 de março de 2012

VEI AÍ MANONGO-NONGO

ANGOP:07-03-2012 10:36
LiteraturaLuciano Canhanga anuncia lançamento do seu segundo livro
Luanda - O jornalista e escritor Luciano António Canhanga anunciou hoje, quarta-feira em Luanda, ter previsão de lançar no II semestre do corrente ano o seu segundo livro intitulado "Manongo-Nongo".
Segundo o autor, em declarações à Angop, Manongo-Nongo é para os tchokwé (povos de Leste de Angola) uma cerimónia festiva que se dá de forma espontânea quando nasce uma nova criança na família.
Manongo-nongo é, por isso, a festa do recém-nascido. É a festa da criança que engrandece o agregado social.
Fez saber que decidiu intitular o seu livro de "Manongo-Nongo" por ser uma oferta às crianças de toda Angola que devem crescer com inteligência encontrada nos livros que lêm e na sabedoria e experiências transmitidas pelos mais velhos.
"Este livro contém estórias do nosso povo, contadas e recontadas de geração em geração, e outras que foram criadas e recriadas por mim", referiu.
O livro terá aproximadamente 70 páginas, devendo ser impresso no modelo A5 com textos (estórias) ilustrados e será lançado inicialmente em Luanda e posteriormente na província do Kwanza Sul.
Luciano Canhanga nasceu no Libolo (Kwanza Sul) em 1976. Jornalista desde 1996 é formado em Comunicação Social, trabalhou na LAC e colaborou em diversas rádios e jornais nacionais e estrangeiros.
Como escritor publicou "O Sonho de Kaúia" (romance-2010). Tem outros títulos por publicar, com destaque para "10 Encantos'' (poemas) e "O Relógio do Velho Trinta" (romance).
Trabalha desde 2006 em assessoria de imprensa na Sociedade Mineira de Catoca Lda.

domingo, 4 de março de 2012

A MÃE DO MEU AMIGO

(Este texto é parte do livro "O Coleccionador de Pirilampos")
Eram amigos desde o tempo da Mukaanda[1] quando ainda lhes faltava dentes na boca por completar. Desde os seus dez a doze anos que mais pareciam irmãos do que amigos. Frequentavam os mesmos bailes, a mesma escola, namoraram miúdas de mesmas ruas até que conseguiram emprego de estivador numa roça de café, em Kunda-dya-Base.
Mukwateno, mais excêntrico, e também grande apreciador de kangonha[2] parecia mais velho de Mutambuleno, um kapuqueiro[3] de dotes afinados.
Na manhã daquela terça-feira, depois de um fim-de-semana prolongado, os dois cavalheiros decidiram permanecer em casa, mesmo com a dureza da lei que estipulava faltas duplas para ausências em dias imediatos aos feriados e fins-de-semana.
- Hoje não vou bumbar. – Ligou Mutambuleno ao irmão Mukwateno.
- O que é isso, mano? Não sabes da nova lei?
- Qual lei?
- Aquela “de dois para um”. Já te esqueceste que hoje se faltarmos mamamos logo duas?
- Ah sim… mas… Há sempre uma forma.- Afirmou Mutambuleno.
Não tardou, o autocarro da recolha passou pela rua de Mukwateno e depois na de Mutambuleno, o permanente insatisfeito, que ao longo do percurso de trinta quilómetros, da vila de Kunda à roça, ia maquinando planos para a evasão ao trabalho.
- Mano, já imaginaste se fossemos pedir ao boss uma dispensa?
- Como assim? Que diríamos? – Questionou em réplica, já meio admirado, Mukwateno.
- Espera só. Quando chegarmos vou fazer duas cartas e tu me acompanhas. Bastará aceitares o que eu disser ao chefe Kaprakata.
A empresa trabalhava como de hábito. Pessoas correndo de um sítio para o outro. Uns cuidando da estufa, outros dos animais e outros ainda do plantio. Apenas o armazém estava em “hibernação”. Parecia uma área morta embora estivessem aí dois homens de complexidade física de meter inveja. Numa mesa de madeira, Mutambuleno redigia pesadamente uma carta. A lentidão no soletrar evidenciava, para os que lá passavam, quão sofrível era a sua redacção. Mukwateno, por sua vez, acondicionava uma carroça de cebola que devia seguir para Bula-a-Tumba.
Sem ainda tempo para a revista habitual em todas as secções e frentes de trabalho, o encarregado-geral, Kaprakata, desdobrava-se em recepções de clientes e fornecedores, todos desejosos de ter as contas acertadas. Foi naquele mesmo instante que irromperam, sala adentro, os dois cavalheiros.
- Chefe Kaprakata, bom… bom dia. – Saudaram aos soluços Mukwateno e Mutambuleno.
- Bom dia, colegas… que se passa?
- É nossa mãe, chefe, - Respondeu Mutambuleno.
- Que se passa com vossa mãe?
- Está doente chefe. Hoje mesmo ninguém conseguiu dormir. - Mukwateno sacou de um lenço de papel para enxugar as lágrimas que corriam como rio.
- Chefe! Por isso viemos aqui para falar consigo, chefe.
- E em que posso ajudar? Já a levaram ao centro médico?
- Não chefe. Ontem, assim mesmo que estamos a falar, a velha já estava no Kimbanda, mas o dinheiro que pediu não temos. -Responderam num coro desafinado que levantava suspeições.
- Ok. Então querem adiantamento…
- Sim chefe é isso mesmo. Nê, mano? - Interrogou Mutambuleno, buscando a confirmação do companheiro.
- Sim. Sim, mano. - Respondeu, abanando a cabeça de baixo para cima.
O chefe fixou o olhar aos dois e de seguida sentenciou:
- Ok. Ok… Vamos por partes. Mas quanto é que vocês querem?
- Dois salários para cada um, chefe. É que, como ganhamos pouco, queremos já juntar os dois adiantamentos para completar a conta do “mestre” que está a tratar a nossa mãe.
- Mas posso falar com vocês, um de cada vez? - Perguntou o encarregado.
- Sim chefe, “num tem prubulema”. Ou tem? - Perguntou novamente Mukwateno ao companheiro.
- Não, chefe num tem. - Confirmou Mutambuleno.
Lá fora, tudo parecia o mesmo, como nos outros dias, excepto aquela intromissão dos dois M na sala do patrão como era conhecida a sala administrativa.
Os cabritinhos medindo forças, as galinhas cacarejando, o cachorro atrás das borboletas e o sol ainda preguiçoso, desejoso de atingir o meio-dia. Na tonga[4] era momento apropriado para a rega. Kaprakata chamou pelo primeiro: entra o Mukwateno.
- Então, mostra lá a tua carta. Como se chama a mãe que está doente.
- É mãe Isaura, chefe.
- Mas somente Isaura? Não tem sobrenome?
- Outro nome, chefe?
- Sim. Sobrenome... Note bem… Eu sou Adolfo Kaprakata. Calculo que ela seja Isaura fulano, por exemplo…
- Ah, chefe! (a coçar a nuca) “Se chama” Isaura Muzuleno.
- Ok. Pode sair e diz para teu irmão entrar imediatamente.
- E tu Mutambuleno, qual é mesmo o significado do teu nome?
- Lhe recebem, chefe!
- Ah! Recebem-no. E você quer receber dois salários adiantados…
- Sim. É isso mesmo chefe.
- Ok. Vamos a isso. Como se chama a sua mãe?
- Chefe é aquele nome mesmo que o meu irmão disse.
- Sim, mas eu quero confirmar… Diz lá para eu assinar já os vossos documentos.
(A coçar a cabeça) - Chefe! é mãe Magui.
- Mas é só mesmo Magui? Não tem outro nome?
- Chefe! Vou falar já minha verdade. Eu não sei bem o nome dela.
- Oh, mas como assim? Ela é ou não é sua mãe?
- Chefe! Vou mesmo já falar minha verdade: é mãe do meu amigo!


[1] - Circuncisão (termo Cokwe).
[2] - Marijuana (termo Kimbundu).
[3] - Utilizador de kaporroto; bebida destilada usando processos tradicionais (termo Kimbundu).
[4] - Roça (termo Kimbundu).