sexta-feira, 1 de março de 2013

O SOL E A GARAPA

Este conto é parte do livro as travessuras do Jacinto

Terminadas as férias, Jacinto voltou a casa dos pais, em Nambuangongo, mas desta preferiu viver com a tia, irmã do pai, que estava viúva e tinha perdido o filho varão, devido à cólera que grassava por aquela vila do Bengo.

Em Nambuangongo, o povo, sobretudo os mais velhos, tinham a mania de estender as coisas num terreiro. Um chão compactado e varrido a preceito que recebia a secagem dos cereais e de outros produtos do campo.

Estendia-se no terreiro a fuba, o bombo, o café, o milho e a jinguba. Era também no terreiro que os meninos mais traquinas enchiam seus bolsos de coisas para comer no intervalo das aulas, como bananas e batata-doce que assavam à escondida.

Habituado a ver o povo a estender quase tudo, Jacinto interiorizou que a palavra estender se aplicava a tudo. Estender água fria ao sol, por exemplo.

E foi neste pensar que um dia desses a sua tia o pediu que estendesse a garapa[1] ao sol para fermentar. A palavra era usada de forma indistinta.

Mbwanga, a tia, tinha tido uma noite de muito labor. A festa de natal que se avizinhava exigia que os preparativos fossem feitos de forma contínua e ao detalhe. Já havia fuba suficiente e francos na capoeira. Estava-se na fase de preparar-se as bebidas. Garapa adocicada com muxiri[2] ou mbundi, e outras bebidas que deviam apanhar doses de sol para fermentar e entorpecer[3].

Como havia trabalhos ainda por fazer na roça de café, Mbwanga chamou pelo sobrinho e ordenou.

- Sobrinho Jacinto!

- Tia, - respondeu o menino.

- Estou a sair. Quando o sol estiver nesta direcção - apontou ela para o meio do centro celeste - vais estender a garapa para fermentar.

- Está bem tia. É a hora em que saio da escola e farei isso de imediato.

A aula daquele dia tinha sido sobre os deveres dos filhos perante os pais. O Professor tinha falado sobre a obediência, sobre as tarefas de casa e a revisão das aulas nos fins-de-semana.

Tão logo voltou da escola, Jacinto levantou a cabeça e a bola amarela estava exactamente na posição indicada pela tia. Eram doze horas mais ou menos. Jacinto pegou a cabaça[4] e com muito jeito a levou até ao terreiro onde estavam já estendidas muitas coisas como de costume.

Pegou numa vassoura, varreu e cuidadosamente jorrou o líquido ao terreiro.

Terminada a jornada, Mbwanga voltou a casa e o seu espanto foi que a cabaça estava vazia.

- Sobrinho Jacintoéééééé! – Chamou ela.

- Tiaaaa! - Respondeu Jacinto que jogava à bola com os amigos.

- Onde foi que me guardaste a garapa?

- Estendi, tia!

- E depois?

- É que, tia… Ela desapareceu. O sol levou toda kisângwa.

Tal como na cena anterior, Mbwanga meteu-se em óbito. Chorou, amaldiçoou o sobrinho e inclusive se queixou ao soba que julgou o caso e mais uma vez o menino teve razão.

- Mana Mbwanga - disse o soba Bwata Maka – quando se fala com crianças e pessoas que não tem muita experiência, a ordem tem de ser dada com clareza. Tem de ser branca como neve. O menino Jacinto tem razão dele!
 
[1] O mesmo que kisângwa: bebida caseira feita á base de farinha de milho ou múcua e açúcar.
[2] Raiz de uma árvore com propriedades adoçantes.
[3] Embebedar.
[4] Vasilha feita de casco seco de um fruto que pode ter 50 cm de diâmetro.