sexta-feira, 20 de abril de 2012

ALFARRABISMO E KISALO DAS LETRAS: UM RESGATE QUE SE TORNA NECESSÁRIO*


Ela é paciente. Está todas as noites, das 18 às 22horas, no pátio da escola do II nível de Saurimo onde a Escola Superior Politécnica da Lunda Sul (unidade orgânica da Universidade Lweji A Nkonde) tem salas emprestadas para estudantes nocturnos. Paciência Sanâmbua sabe que os estudantes universitários têm uma carga de conhecimentos muito diminuta devido à falta de bibliografia, aliada à inexistência de hábitos de leitura. Ela não só vende livros, como também aproveita retirar deles o conhecimento que têm.
Na sua bancada, Paciência expõe livros de escritores e autores angolanos editados pela Mayamba. É única em Saurimo a fazer este negócio. A cidade dispõe apenas de uma livraria situada em local de difícil reconhecimento. Não há divulgação/publicitação da mesma e acções tendentes a elevar os níveis de literacia são desconhecidas. Os alfarrabistas inexistem. Feiras de livros e outras artes também são inexistentes na cidade. Os leitores são poucos. Pouquíssimos. “vendo por dia (noite) entre 3 a 5 livros ou menos do que isso”, diz ela rasgando um sorriso característico de quem gosta do que faz. É como quem corre por gosto (não se cansa) e por isso Paciência não desiste da venda de livros.
Alguns professores, preocupados com as causas do tão fraco nível de conhecimentos dos estudantes, vão apelando à leitura e recomendando livros (gramáticas, dicionários, romances, contos, livros técnicos em função da especialidade, etc.). Uns, que já deram conta do quão atrasados estão, vão aplaudindo aos conselhos e vão adquirindo livros para a elevação do seu nível intelectual. Outros fazem “ouvidos de mercador”, mas é assim a vida. “Nem todos estão atrás do conhecimento”, como desabafou um dos meus estudantes preocupado com os colegas que, mesmo estando na universidade, desconhecem a definição do que é o sujeito de uma oração. “Uns querem apenas obter os certificados para serem chamados de doutores ou para terem os salários elevados”, rematou o insigne estudante.
"É o conhecimento que difere o doutor de fato e o Dr. de facto", tenho dito aos meus amigos, em todas as salas por onde ministro.

E, aqueles que pretendem ter um “canundo” como produto da carga de conhecimentos que possuem ou venham a possuir têm de ir à barraca da Paciência e outras barracas/livrarias (quitandas das letras) para enriquecerem as luzes/pistas que os professores dão sobre o saber científico. Fora disso, não há outro caminho.



          * Kisalo: o mesmo que kitanda em kimbundu (mercado em português)
O autor é docente de língua portuguesa na ESPLS-ULAN