sábado, 1 de setembro de 2012

MANONGONONGO DA MAURA

(Este texto é parte do livro "O Colecionador de Pirilampos")

É sexta-feira. As mulheres camponesas voltam cedo das lavras e as que trabalham na cidade também chegam uma hora mais cedo do que o habitual. Os homens, barulhentos como são à sexta-feira, estão todos reunidos. Uns nos jangos[1] comunitários que abundam na região e outros nos seus quintais, metendo conversa em dia.

A cantina do Dialó, um senegalês que aqui aportou em busca de negócios, regista um entra e sai sem precedentes. O estrangeiro, alheio à cultura deste povo, apenas bate palmas de contente devido à enchente que regista o seu estabelecimento, ignorando o que estará por atrás de tamanha procura de sumos, gasosas[2] e frangos congelados.

Mais movimentada ainda está a loja do Satxambe onde o tilintar das garrafas que saem carregadas faz adivinhar a ocorrência de uma festa em local não muito distante.

Maria, a filha do Sô Joaquim, da mota de três rodas, deu à luz uma menina. Pariu com apenas sete meses de gestação mas a bebé está saudável e dispensou a incubadora. É por isso que todos da família estão contentes e em festa.

Na rua da trás, a dona Isabel, parteira, mulher do Zé Toy que é kamanguista[3] de muita fama e dinheiro, também deu à luz gémeos. Um rapaz, gordinho como leitão, e uma menina com corpo de miss. Até já foi apelidada de miss Maura.

Zé Toy que se tornou pai pela primeira vez não consegue conter a alegria e quase fechou a rua para dar uma festa aberta a todos os vizinhos e outros transeuntes. A polícia teve mesmo de intervir para amainar os ânimos e acautelar excessos. Uma notificação foi-lhe passada para pagar a transgressão administrativa no comissariado, mas o Kamanguista, apesar de ter acatado, não está preocupado com a multa e a sua festa continua no quintal e no passeio da rua. É que todos os colegas e amigos dele e da mulher apareceram com os seus carros e caixas térmicas repletas de bebidas diversas, carne e peixe já temperados e outras iguarias. A festa tornou-se mesmo popular e as mulheres do bairro vão chegando para saudar os novos na phasa[4] e sa phasa da rua Verde[5].

Na rua Amarela, onde vive Maria e o seu pai Sô Joaquim, como lhe chamam os mais novos do bairro, também há festa rija. Kasovita[6] é motivo de alegria que contagia a vizinhança e vão chegando de hora em hora brindes para a kivadi[7]. Maria e o seu marido Kexijina, apesar de muito novos, já vão no quarto manongonongo[8] que acaba sempre por juntar as duas famílias e todos os amigos comuns.

Na Lunda é assim. A festa espontânea do recém-nascido só termina quando secar a última gota de álcool, quando soar o último ngoma[9] e quando cantar o último galo. É até se fartar a madrugada!

- Xé mano, paga manongonongo, não fica só kamwelo[10]! – Dizem as mulheres à passagem de um transeunte bem vestido.

E a festa que adivinhava o seu epílogo retoma com as moedas doadas pelo forasteiro que deixa as últimas reservas da sua algibeira para se juntar à festa tradicional. É manongonongo!





















[1] - Alpendre onde se reúnem os notáveis da aldeia para discutir e resolver os problemas da comunidade (termo Bantu).
[2] - Refrigerantes.
[3] - Traficante ou explorador artesanal de diamantes (termo Cokwe)
[4] - Mãe de gémeos (termo Cokwe)
[5] - Pai de gémeos (termo Cokwe)
[6] - Menina que nasce depois de rapazes seguidos (termo Umbundu)
[7] - Parturiente (termo Kimbundu).
[8] -Festa espontânea que se dá ao nascer de um bebé (termo Cokwe).
[9] -Batuque; tambor.
[10] - Pouco dado à partilha, soberbo (do kimbundu).