quinta-feira, 25 de maio de 2023

PISTAS PARA A HISTÓRIA - KITOTAS: RECUOS E AVANÇOS - UM LIVRO DE MEMÓRIAS

 Discurso de apresentação

                                     Edmira Cariango Manuel [i]

Excelências,

Minhas senhoras e meus senhores,

Respeitosos cumprimentos!

Expresso a minha gratidão em nome do Movimento Litteragris e em meu nome. Coube-me a honra de tecer notas em jeito de leitura crítica a este livro de Soberano Kanyanga, que tendes em posse.

Este livro reúne um conjunto de memórias de uma época de guerra (a civil) e mostra, a partir de um discurso subjectivo, sem preocupações normativas próprias da actividade investigativa, marcas de vários homens e mulheres em lugares variados, maioritariamente na parte sul, que tiveram dias de recuo, que nesse livro são muitas vezes denominados por “recuados”.

São relatos não ficcionais que anotam actos que, à luz dos Direitos Humanos, constituem violação à integridade de pessoas, relatos que cumprem hoje parte da tarefa de pacificação através de expurgação da memória:

“A primeira vez que a guerra chegou aos meus ouvidos foi em 1983. Povos recuados da Kisala e cercanias chegavam com manadas de bois. Descansaram dias ou mesmo semanas na antiga Fazenda Israel, onde havia tanques para o abeberamento e banho dos bovídeos. Porém, a devastação das lavras dos aldeões locais, a inexistência de pastos preparados para o efeito e a proximidade do asfalto tê-los-á levado a procurar por outra área que já teve a mesma serventia”. (p.11)

Na sua estrutura, podemos encontrar títulos como: Ngela aos meus ouvidos; Velho Trinta; Segundo Recuo; Kitota na Munenga; Estórias do Musexi e Kanzangiri; Conversas que Kwachas impediram; Evolução com fuba e peixe frito; Classes que bisei; Segundo ataque a Kalulu; Bicesse e funguta a todo terreno; Bala na câmara, mãos ao ar; cárceres e bailes; Emboscado em Kasanji; Moda de russos e cubanos; Agarrem o Anti motim;

Insere-se assim no conjunto de apontamentos de guerra que cada angolano se predispõe a registar como contributo para a história que se reconstrói continuamente com estudos, testemunhos e o com a ficção literária. 

Dominado pela linguagem corrente com alguns chavões, com títulos em anexo tais quais: O Kwitw depois do cerco; Memórias do Moxico e da paz; Memórias de repórter; Tinta, cimento e novo rosto; Reviver o acordo de paz do Lwena.

São no total 20 textos, cinco dos quais anexados, fazendo da obra uma estrutura composta de duas partes.

É de notar que em termos de matéria histórica, essas memórias oferecem pistas para futuros pesquisadores sobre lugares do Kwanza-Sul, que não podem ser confundidas como um livro de pesquisa histórica.

São indicações que podem ser úteis, exemplo a nota sobre o cerco do Kuito, uma matéria com escassa pesquisa e em construção, que pode ser uma nota importante para aqueles que buscam pela história, adolescentes podem aproveitar para começar uma trajectória de busca pela história dessas localidades.

Sobressai nos conteúdos dessa obra a pista sobre a necessidade de controle dos perímetros minados de Angola, a urgência da reforma dos solos, etc.

Tendo sido a guerra civil uma soma de perdas, ceifa de vidas e tantos recuos, o caminho da reconciliação é extenso. Há muitos danos por se rever continuamente, tanto no solo (terra) quanto no subsolo da memória, o id dos angolanos...

Vários autores anotaram nos seus trabalhos as consequências da guerra civil: (…) órfãos à deriva, desconfiança crónica entre os patrícios e outros recuos. Porém, Kitotas, recuos e avanços representa uma tentativa, o esforço de participar na busca pela reconciliação. Isto, uma marca de avanço.

Finalizando as minhas notas, deixo algumas recomendações:

Edmira Cariango
Edmira Cariango

Que se trabalhe numa edição mais normativa e um pouco mais legível em termos de disposição dos textos e a sua representação gráfica. Talvez seja uma boa ideia adaptar o formato para livro de bolso.

Tratando-se de memórias, o autor tem a liberdade de recorrer a termos sem precisar destacá-los por pressuposta ambiguidade que podem acarretar. A ficha técnica deixa outros intermediários sem ferramentas completas de busca, que convencionalmente são representados, não apenas pelo título e data, mas também pelo número de depósito legal e de catalogação internacional, este não rigidamente requerível, mas que se deva respeitar. Porém, o registo de depósito legal é requerível, pois salvaguarda também a documentação e o melhor controle do que se vai produzindo. Não queira o autor estar à margem disso.

Aproveito também expressar que o acto de reconciliar e pacificar requer uma predisposição da parte de todos, opressores e oprimidos, em aceitar a história e o passado como algo que deva ser expiado e consumido pelos ideais renovadores do presente a fim de se olhar para o futuro e traçar nele as constantes reformulações.

Agradeço a atenção dispensada, pacificar a minha gratidão em nome do Movimento Litteragris e em meu próprio. Parabéns ao autor e à sua equipa! 

Votos de boa leitura!

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[i] Ensaísta

terça-feira, 9 de maio de 2023

SOBERANO KANYANGA COM NOVA OBRA LITERÁRIA

 Soberano Kanyanga com nova obra literária - ANGOP

     Cultura Luanda     Segunda, 08 Maio De 2023    20h36  
Novas instalações do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás
Pedro Parente-Angop

Luanda -O escritor angolano Soberano Kanyanga lança, a 26 deste mês, a sua nova obra literária denominada “ Kitotas: Recuos e Avanços“ (nas instalações do MIREMPET).

A obra, em crónica, aborda as peripécias vividas em tempo de guerra no Libolo (Cuanza Sul), até a assinatura dos acordos de paz, em 2022.

Em declarações à ANGOP, o escritor avançou ainda que a obra, cujo lançamento está marcado para a sede do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, retrata três periódos da sua vida, nomeadamente dos 8 aos 10, dos 13 aos 16, numa leitura simples de assuntos verdadeiros e que podem ser elencados como literatura complementar da história recente de Angola.

"Desta vez não é ficção e as pessoas citadas com nomes de registo oficial, nomes de guerra ou de casa (nas aldeias temos nomes de casa e nome da escola) estão muitas ainda presentes. 

Conforme o autor, apesar de ainda "quase jovem" decidiu trazer as memórias em livro, pois a vida é curta e os miúdos de hoje, a começar pelos seus filhos e sobrinhos, acham determinadas narrativas verdadeiras como se de ficção se tratasse. 

O escritor esclareceu que esta obra vai contribuir para que a nova geração saiba de facto preservar a paz.

“A guerra comeu pessoas e não capim. A paz deve ser preservada e, no universo da triste história de guerra civil, quem fez o quê ou quem esteve em que lado, é necessário conhecer os factos nus e crus, para que a juventude se possa guiar no futuro", reforçou.

Para o escritor, os jovens de hoje, os nascidos depois da "paz do Kamorteiro" agem de forma muito emocional, fazendo apelos à rebelião, à guerra como se fossem assistir a um filme.

"É um livro com uma média de 80 páginas. Pequeno em volume rico em conteúdo. São trechos de tempo vivido e trazido à prosa", avançou.  

Apelou aos leitores, principalmente aos jovens, que leiam, comentem e partilhem o que conseguirem reter e saibam o quanto custou a paz e quanto se deve esforçar para preservá-la.

O escritor Luciano Kanyanga tem nove obras literárias já públicas, nomeadamente O Sonho de Kauia (2010), Manongonongo (2011), 10 encantos (2012), O relógio do Velho Trinta (2014), O caçador de pirilampos (2014), Canções ao vento (2015), As travessuras de Jack (2017), Amor sem pudor (2018). FMA/VM