Discurso de apresentação
Edmira Cariango Manuel [i]
Excelências,
Minhas senhoras e meus senhores,
Respeitosos
cumprimentos!
Expresso a minha gratidão em nome do
Movimento Litteragris e em meu nome. Coube-me a honra de tecer notas em jeito
de leitura crítica a este livro de Soberano Kanyanga, que tendes em posse.
Este livro reúne um conjunto de memórias de uma época de guerra (a civil) e mostra, a partir de um discurso subjectivo, sem preocupações normativas próprias da actividade investigativa, marcas de vários homens e mulheres em lugares variados, maioritariamente na parte sul, que tiveram dias de recuo, que nesse livro são muitas vezes denominados por “recuados”.
São relatos não ficcionais que
anotam actos que, à luz dos Direitos Humanos, constituem violação à integridade
de pessoas, relatos que cumprem hoje parte da tarefa de pacificação através de
expurgação da memória:
“A primeira vez que a guerra chegou
aos meus ouvidos foi em 1983. Povos recuados da Kisala e cercanias chegavam com
manadas de bois. Descansaram dias ou mesmo semanas na antiga Fazenda Israel,
onde havia tanques para o abeberamento e banho dos bovídeos. Porém, a
devastação das lavras dos aldeões locais, a inexistência de pastos preparados
para o efeito e a proximidade do asfalto tê-los-á levado a procurar por outra
área que já teve a mesma serventia”. (p.11)
Na sua estrutura, podemos encontrar
títulos como: Ngela aos meus ouvidos; Velho Trinta; Segundo Recuo; Kitota na
Munenga; Estórias do Musexi e Kanzangiri; Conversas que Kwachas impediram;
Evolução com fuba e peixe frito; Classes que bisei; Segundo ataque a Kalulu;
Bicesse e funguta a todo terreno; Bala na câmara, mãos ao ar; cárceres e
bailes; Emboscado em Kasanji; Moda de russos e cubanos; Agarrem o Anti motim;
Insere-se assim no conjunto de
apontamentos de guerra que cada angolano se predispõe a registar como
contributo para a história que se reconstrói continuamente com estudos,
testemunhos e o com a ficção literária.
Dominado pela linguagem corrente com
alguns chavões, com títulos em anexo tais quais: O Kwitw depois do cerco;
Memórias do Moxico e da paz; Memórias de repórter; Tinta, cimento e novo rosto;
Reviver o acordo de paz do Lwena.
São no total 20 textos, cinco dos
quais anexados, fazendo da obra uma estrutura composta de duas partes.
É de notar que em termos de matéria
histórica, essas memórias oferecem pistas para futuros pesquisadores sobre
lugares do Kwanza-Sul, que não podem ser confundidas como um livro de pesquisa
histórica.
São indicações que podem ser úteis,
exemplo a nota sobre o cerco do Kuito, uma matéria com escassa pesquisa e em
construção, que pode ser uma nota importante para aqueles que buscam pela
história, adolescentes podem aproveitar para começar uma trajectória de busca
pela história dessas localidades.
Sobressai nos conteúdos dessa obra a
pista sobre a necessidade de controle dos perímetros minados de Angola, a
urgência da reforma dos solos, etc.
Tendo sido a guerra civil uma soma de
perdas, ceifa de vidas e tantos recuos, o caminho da reconciliação é extenso.
Há muitos danos por se rever continuamente, tanto no solo (terra) quanto no
subsolo da memória, o id dos angolanos...
Vários autores anotaram nos seus
trabalhos as consequências da guerra civil: (…) órfãos à deriva, desconfiança
crónica entre os patrícios e outros recuos. Porém, Kitotas, recuos e avanços
representa uma tentativa, o esforço de participar na busca pela reconciliação.
Isto, uma marca de avanço.
Finalizando as minhas notas, deixo
algumas recomendações:Edmira Cariango
Que se trabalhe numa edição mais
normativa e um pouco mais legível em termos de disposição dos textos e a sua
representação gráfica. Talvez seja uma boa ideia adaptar o formato para livro
de bolso.
Tratando-se de memórias, o autor tem
a liberdade de recorrer a termos sem precisar destacá-los por pressuposta
ambiguidade que podem acarretar. A ficha técnica deixa outros intermediários
sem ferramentas completas de busca, que convencionalmente são representados,
não apenas pelo título e data, mas também pelo número de depósito legal e de
catalogação internacional, este não rigidamente requerível, mas que se deva
respeitar. Porém, o registo de depósito legal é requerível, pois salvaguarda
também a documentação e o melhor controle do que se vai produzindo. Não queira
o autor estar à margem disso.
Aproveito também expressar que o
acto de reconciliar e pacificar requer uma predisposição da parte de todos,
opressores e oprimidos, em aceitar a história e o passado como algo que deva
ser expiado e consumido pelos ideais renovadores do presente a fim de se olhar
para o futuro e traçar nele as constantes reformulações.
Agradeço a atenção dispensada, pacificar a minha gratidão em nome do Movimento Litteragris e em meu próprio. Parabéns ao autor e à sua equipa!
Votos de boa leitura!
________________
[i] Ensaísta
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