A coroa do carnaval de Luanda voltou ao Rangel, mercê da
soberba actuação do União Sagrada Esperança, do bairro (agora distrito urbano)
que me viu crescer e fazer-me homem. Foi no Rangel, entre a Rua da Ambaca, da
Saúde, Comandante Cantiga, Rua do Paraná, Rua da Mão e do Povo, entre outras,
que tomei contacto com o carnaval luandense, ainda no tempo do já finado
“carnaval da vitória” que se realizava em Março, para assinalar a saída do
último “carcamano sul-africano-racista” do solo pátrio, a 27 de Março de
1976, depois da invasão estrangeira que visava inviabilizar a proclamação da
independência de Angla pelo MPLA.
No Rangel, dançávamos ao carnaval da vitória com o Grupo Atu
Zemba, União Estrela do Kaputu (Zona 15), União Mãe
Ya Ndengue, Andorinhas, União Povo do Rangel, União Juventude, e
tantos outros que animavam o município inteiro, antes e nos dias do
desfile. Agradava-me assistir aos ensaios e ver aquela gente alegre. Alegria
espontânea e não comprada ou a troco de alguma distinção à marginal. E
dançávamos eufóricos ao som da ngoma de lata, reco-reco, puíta, chocalho, etc.
O rei e sua rainha vestiam-se à moda angolana e exibiam coroas feitas a base de
ferros recortados e outros metais. Era tudo a base do improviso e da espontaneidade.
A criatividade também morava connosco e já se dizia que corria no sangue.
Mas quem mais alegria dava aos munícipes todos, em especial
às mamãs peixeiras e outras quitandeiras da praça das Corridas (hoje mais
conhecida como praça do Tunga Ngó) e da Praça Nova (defronte a administração
comunal do Rangel) e aos meninos e meninas da minha infância “rangelina”, era o
Mam-Brás, exímio vocalista de carnaval, dançarino e tocador de ngoma. Mam-Brás
sofria de algum distúrbio mental que não cheguei a definir e alimentava-se
frequentemente de carne que lhe era ofertada pelas quintandeiras que apreciavam
os seus toques e retoques de dança carnavalesca.
Depois da exibição, perguntava sempre:
- Há uma gordurinha? - O homem referia-se à miudezas que voluntariamente
lhe eram ofertadas.
Seguindo o som do seu batuque, muitas crianças chegavam a se
perder, dando lugar a outro tocar de lata, desta vez das famílias cujo petiz se
perdeu no rasto da ngoma do Mam-Braz que continua o seu percurso.
- Nanhi wa ngi bongela kamona ka dyalê?! (Quem sabe do paradeiro
de uma criança de sexo masculino?!)
Fruto disso, muitas mães preferiam mandar parar o Mam-Brás e
tocar por alguns minutos à porta de casa, oferecendo-lhe depois aquilo que
houvesse. Assim, as crianças deixavam de o acompanhar. Mas não era a mesma
coisa. Ver o Mam-Braz tocar à porta de nossa casa e vê-lo exibir-se em rua
livre ou na Praça das Corridas.
Mam-Brás foi um feitor e zelador do nosso carnaval de
bairro. Carnaval alegre, sem preço, sem patrocínios, sem contrapartidas e que
não era encomendado por ninguém. Mam-Brás corporizava essa alegria de quem estava
e sentia-se livre na sua terra.
O Mam-Brás vivia na rua da mão, também conhecida por rua do
“ti Avelino dos Santos”. Apesar de sofrer de distúrbio mental, tinha o
reconhecimento e respeito de todos. Era prendado pelas mamãs que gostavam do
som do seu tambor, da voz do seu canto e dos toques da sua dança, quer na rua
ou nos mercados onde preferencialmente se fazia exibir. Nada cobrava. Apenas
recebia o que lhe era dado de oferta no momento da exibição e fazendo do seu
carnaval, sem época, o seu ganha-pão.
Mam-Brás, que ainda faz ecoar no meu ouvido a nossa alegria
de criança esboçada com o refrão: Mam-Bragéé- é, Mam-Bragéé-é!, É o meu
homenageado neste carnaval de 2014, cujo vencedor, em Luanda foi o União
Sagrada Esperança do Rangel que homenageou as vivências tradicionais de Luanda.
Que o próximo homenageado seja o Mam-Bragéé- é,
Mam-Bragéé-é!