domingo, 2 de março de 2014

MULHERES DE KAMUNDONGO

- Tu kusiña kimbo lya vel´apo! (Encontrar-te-emos na aldeia celestial!) – Cantava de forma angelical o coro da sociedade de mulheres da IECA que acompanhou Celita Adolfo à sua última morada.


A octogenária nascida e crescida na missão de Kamundongo (Kuito-Bié), onde se formou e louvou, manifestara, em vida, o desejo de ser sepultada junto de seus familiares e contemporâneos cujos restos repousavam já em Kamundongo.
 
Os filhos, sobrinhos, netos e bisnetos, contados em centenas, não fizeram mais senão cumprir o pedido da antiga diaconisa.
 
- Vamos levar a avó a Kamundongo e cumprir com o seu último desejo. - Afirmaram entre tristeza e alegria.
 
Tristeza porque era uma biblioteca que ia a enterrar. Alegria porque a sua obra apontava para um descanso merecido ao lado do Senhor. Dai a canção “Tu kusiña kimbo lya vel´apo!”
 
A missão de Kamundongo fica a 22 quilómetros da capital biena. À semelhança das missões homólogas do Chilesso, Dondi, Chissamba, Chilume, Vouga, entre outras, Kamundongo viu nascer e formou homens e mulheres que tiveram um papel relevante no surgimento da consciência nacionalista angolana, na luta pela emancipação dos angolanos e no processo de criação da nossa nação (ainda em curso).
 
Inicialmente como professora de artes e ofícios e mais tarde como parteira, Celita Adolfo, nascida em 1928, foi uma mulher que fez o máximo que pôde pelos homens e pela sua IECA de que foi diaconisa. Teve, por isso, a merecida homenagem de despedida na Igreja Central do Kuito, também designada por “Catedral da Paz”, e um elogio fúnebre à dimensão da Grande mulher que foi.
 
Troço da picada que nos leva a Missão de Kamundongo
Em Kamundongo, localidade alcançável em tempo chuvoso apenas com recurso a carros todo-o-terreno e com pontecos a reclamar por reparações, as árvores frondosas que guardam a memória de notáveis homens e mulheres da sociedade Biena e não só, acolheram as centenas de pessoas que foram ao último adeus a Celita.
 
Uns cantando, outros acompanhando apenas os coros mas guardando reverência e expressando nos seus rostos comoção, outros ainda mais soltos nos gestos e mais alegres nos semblantes, duas mulheres se destacam entre a multidão.
 
Uma é idosa. Tem o netinho às costas. Setenta ou mais anos, indicam as rugas e a flacidez da epiderme. Está toda apossada de tristeza, como quem quer dizer, mas sem força, sem fôlego “sempre estivemos juntas, por que me deixas nesta cidade provisória”? Despejada de quase tudo, dos amigos de infância e adolescência, das colegas dos coros em que cantou, despojada talvez de filhos e netos ao longo das carnívoras guerras travadas no planalto central angolano, a idosa só podia oferecer a sua comoção, enquanto panos já envelhecidos de tantas lavagens cobriam seu corpo quase secular como também amparavam o “nekulu” que cabriolava despreocupado nas costas.
 
Noutra frente, uma jovem há pouco saída da adolescência, disputava com as amigas o melhor cabelo emprestado e grife da tarde carente de sol e chuva. Com um vestidinho colado ao corpo, como se fosse sua pele, e a mostrar as encostas das nádegas, a jovem estava pintada à moda mulher da vida. E, como nestes eventos a vaidade e a petulância vivem juntas, lá estava ela totalmente singular, exibindo as chaves de uma viatura que seu trabalho honesto e limpo ainda não permitem comprar. Se calhar, esteja também a sonhar com uma despedida e um  repouso eterno em Kamundongo… Porém, para lá chegar, terá antes de conhecer e seguir as peugadas de Celita Adolfo e ter como guião a fé, boas obras, honestidade e moderação.
 
Kamundongo, Kuito, 04 de Fevereiro de 2014.
 

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