Este texto é parte do livro "O Colecionador de Pirilampos"
- Júlio, em nome de quem jurarias, se
tal te fosse exigido para celebrares um contrato que muita falta te faz? - A
conversa entre Júlio Katerça e Joana Tako Dimoxi começou assim.
Joana sabia da intenção do amigo em
cravar-lhe um kilapi[1],
mas desta vez, estava determinada em não dar sem ganho. Aliás, dizia ela às
amigas que “dinheiro não investido não se reproduz” e queria aplicar o que
aprendeu no curso de empreendedorismo que frequentou numa das suas idas à
estranja[2].
Apesar de mulher solteira e mãe de
Kamoxi e Kayadi, ambos com pais desconhecidos dos parentes e vizinhança, Joana
tinha a sua vida remendada. Começou com o “compra no armazém, vende na barraca”
que depois transformou em boutique e agora já vai à Ásia, Europa e América em
busca de negócios que lhe rendem bons trocos que dão até para pôr Kamoxi num
colégio com aulas de música e natação. Vive a arrotar bacalhau, apesar de viver
no Tunga Ngó.
Júlio Katerça é outra coisa. É um
jovem qualquer do bairro, sempre pronto a qualquer biscate e sempre dado a
contrair empréstimos, mesmo sem garantia. Muitas vezes, e já depois de muita porrada
dos cobradores mais impacientes, Júlio acaba pagando com trabalho que varia
entre acarretar água, fazer puxadas de luz, cavar fossas e tanques para água,
entre outros serviços domésticos. Até chão já limpou em casa de Maria Paulina
Kanivete, mulher catetense que tem pulungunza[2] de homem.
Naquela tarde de sexta-feira, Katerça
tinha uma festa de contribuição. Daquelas em que os jovens combinam aparecer
com um artigo: uma caixa de cerveja, uma caixa de frango, uma garrafa de wisky,
uma caixa de gasosas, etc. As festas de contribuição são as melhores que há em
Albaláxia e outros bairros de Atukaye, a capital da República de Atujimbi.
- Mas oh Júlio! Você, um sem calções
nem peúgas, vai logo logo se meter com os moços da cidade e ainda por cima
participar da festa de contribuição dos filhos dos mwatas? Vais contribuir com
quê - Questionou Tako Dimoxi ao amigo.
- Mboa Joana, deixa só. “Os wi são môs pancos”.
Eu é que faço a riqueza daqueles ndegues[2]
todos.
- Então se tu é que fazes eles ter
dinheiro porque estás aqui a chorar que nem cachorro molhado a procura de lume?
- Deixa, minha mana. Dá só um kilapi
e te resolvo no primeiro passe que eu fizer ainda hoje lá no Albaláxia.
Os moradores de
Albaláxia, a parte mais alta da capital
do país, eram na sua maioria antigos combatentes contra os invasores Luz e
Tanos que por lá chegaram no tempo da distração dos velhos que perdiam
tempo a cortar a barba junto ao espelho, enquanto os Luz e Tanos se apossavam das
mulheres, das fazendas e de tudo o que Deus dos mambundu[3] lhes tinha dado.
Quando abriram os olhos era tarde mas, mesmo assim, fizeram um recúo estratégico
para as matas onde permaneceram quarenta e um anos de catana na mão, até
conseguirem correr com os invasores no ano de 5791. E foi uma nvunda[3] de fazer crescer barba e cabelo.
À saída dos Luz e
Tanos, os antigos combatentes assaltaram o bairro do Albaláxia, os carros e o
poder que pegaram com todos os dedos de pegar catana. Criaram uma nova forma
diferente de viver e gastar, longe dos seus parentes e coterrâneos, como o pai
de Katerça que quando chegou da mata já não encontrou casa desocupada e foi
viver na bwala[4], com
aqueles que tinham ficado só na clandestinidade.
Os filhos dos novos
donos das casas de Albaláxia também se vestem e agem diferentes dos seus
contemporâneos que se arrastam nas sanzalas e nos musseques, como a Joana Tako
Dimoxi e o próprio Júlio Katerça que só tem amigos na montanha por ser um
liambeiro de fama e conhecido passador de passas.
Mesmo pobretão,
Katerça gosta de fazer-se passar por um bem-sucedido. Tem um fato que lava
todas as quintas e uns sapatos que só calça à sexta-feira quando se dirige às
festas do bairro do monte, o Albaláxia. De biscate em biscate e de dívida em
dívida faz também a sua vida no submundo da droga que os filhos dos grandes de
Albaláxia introduzem impunemente no país.
- Mana Joana, vais
então ou não me dar o dinheiro que te pedi?- Voltou a questionar Katerça.
- Tu, Júlio, quando
precisas de dinheiro até de mana me tratas, mas quando te peço um favor nem
estás ai. – Desabafou Tako Dimoxi, sempre na defensiva.
- Não é nada disso.
Às vezes já tenho compromisso, mas hoje é mesmo a sério. Não posso faltar ao
boda. Há gente pesada que consome toda a noite e ainda leva para o stock ou para oferecer aos amigos ausentes.
- Quanto é que queres? Vamos lá ver se dá. Qual
é a tua garantia? – Perguntou Joana.
- Hum, vamos lá ver…
Quero quinze paus a pagar depois de amanhã, sem falta.
- Depois de amanhã?
Com que garantia? Só se pagares com juros.
- Juros? Ok. Eu pago
com juros. - Respondeu Katerça a esfregar as mãos e esticando depois o braço.
Joana, no seu canto,
mão no queixo, pensando nas voltas que daria para resgatar o valor, caso fosse
adiante com o empréstimo ao vizinho Katerça.
- Só aceito se
receberes os 15 mil Réis e pagares com juro de trinta.- Disse Joana decidida.