As lojas eram do povo. Os governantes também. Até os malucos tinham donos, os seus parentes que deles cuidavam e com eles se preocupavam. Havia malucos, mas não os víamos desnudados e famintos como agora. Para o acesso ao pão, faziam-se filas nos depósitos, mas os malucos também comiam.
Nas cidades grandes, havia lixeiras e eram muitas. Só que quase não tinham lixo como o de agora. As ruas eram limpas. Manhã cedo, cada mamã ou sua filha mais amada estavam de vassouras nas mãos. As ruas eram varridas de ponta à outra. Cada casa agia à dimensão do comprimento do seu quintal ao eixo da via.
Os gatos miavam noite adentro, brancos pretos e malhados, e comiam ratos. Não eram tidos como bruxos. Vezes havia em que os gatos roubavam peixe na grelha, mas os maninhos ficavam de olho. Um olho no peixe e outro no gato. Não eram os irmãos dos maninhos que roubavam o peixe na grelha, nem a panela de cachupa.
E dizia-se: conselho de uma mãe servia para todos os meninos da rua. Ralhete de um pai, idem. Os desencaminhados eram banidos por todos. Não se viam tias a defenderem parentes larápios e havia tios para repreender e a tropa para os endireitar. Os tropas cumpriam missão. O salário que era "subsídio de suor e sangue" era quando calhasse. Não era salário, nem emprego como se vê, não!
Kaxarandanda ficava longe. Longe dos olhos e das pessoas da cidade grande. Tinha pessoas estudadas e aeroporto como noutras capitais e o povo de Kaxarandanda aprendera a respeitar e a bem receber os seus visitantes. Não tinham impressoras nem serigrafias. Escreviam mesmo em rolos de tecido branco, comprado na loja do povo. E era com cartazes, feitos à maneira local, que bem-vindavam os governantes.
A coisa mudou, quando algumas coisas distantes lhes foram impostas. Sim. Impostas mesmo. Mudou suas rotinas. Veja: o aeroporto era de terra batida e tinha manutenções semanais. O novo é asfaltado e cai aos pedaços. A árvore grande geradora de sombra permanente foi derrubada e a casota substituta tem nascente no tecto e mete água por dentro.
Bem, vamos à estória.
Manuel Kwaku Dimoxi era activista político. Perdera a mão numas kitotas sangrentas que tiveram lugar em Kaxarandanda. Dizem que foi no intervalo pequeno entre uma guerra e outra. O dia de sol intermitente, com nuvens que viajavam ora lentas ora apressadas pelo vento, estava no pico. As gentes caloriadas pareciam ter apanhado chuva. Era dia de visita oficial.
O Dimixi havia apenas avisado que Kaxarandanda receberia uma visita importante. Era pessoa mesmo da vila que trabalhava e vivia na capital. Por isso, para as pessoas saberem que Kaxarandanda não era um lugar qualquer, mas gerador de gente que foi longe na administração do Estado, o nome era para descobrir quando o mon'a'bata chegasse e se apresentasse por cima da escada do avião, onde os pioneiros lhe aguardariam com o lenço branco.
Kwaku Dimoxi, nas vestes de secretário para a acção política, era também o instrutor dos pioneiros e fez-se por isso à escada do avião. Os pilotos não tinham ainda aberto a porta. De cima para baixo, Kwaku Dimoxi a querer ver como estava o povo organizado para receber o camarada-conterra-chefe-grande de nome ainda incógnito, olhou para a inscrição pregada sobre a porta da casa que recebe os passageiros desembarcados. Com os conhecimentos sólidos que lhe conferem a sua quarta classe do tempo colonial leu sem soletrar: "Bem-vindo, Wellcome"
_ Porra! _ Soltou a maliciosa interjeição, num som quase inaudível, mas que despertou os dois pioneiros que tinham os lenços nas mãos. _ Nasci aqui. Cresci aqui. Fiz tropa aqui. Esse camarada Wellcome, com esse nome, é daonde? Daqui não pode ser!