segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Capítulo III: VIDA CAPITAL

Nos meses de cacimbo o Kissongo e as suas aldeias se tornam em locais impróprios para visitantes de longe. O fumo das queimadas, o vento frio e seco que sopra lado a lado, o cieiro que rasga e acinzenta a pele e a pobreza trazida pela guerra são coisas que afugentam quem vida melhor almeja. E foi disso e doutras coisas que fugiram Kimbudu, Ximinha, Kaúia, Mbalundu e até Phande-a-Umba, residindo agora em Luanda. Na grande cidade “sem dono” está também Maria Campos, saída da longínqua Missão evangélica de Chissamba e Marieta Fontes, a sonhadora de Vava-a-Yela, que um dia fora recomendada para diaconisa na missão de Chilume, preferindo porém o seu sonho de aeromoça. Todos eles, Fernando e Kakiezo incluídos, têm do passado comum o nascer no interland, emigrar para a terra que ao Ntotela do Kongo pertenceu e o sonhar que tudo se refaz como a onda que cobre e descobre a areia da praia em dia de sol.

E já fazia sol quando o relógio-despertador tocou com toda a sua fúria para o alertar para a medicação das seis e meia, já eram longas as horas de insónia que Fernando carregava. O homem tem dificuldade em digerir aquela reacção da Ia no funeral do Kakiezo quando o padre elogiava o defunto dizendo que em vida fora bom homem, crente e fiel marido.

A Ia abandonou as lágrimas para pedir ao Kelson, filho mais velho de Kakiezo, para confirmar se era mesmo o pai dele ou outra pessoa que estava no caixão. Até as “patas e patos de óbito” não gostaram da reacção da viúva porque se o homem morreu, morreu já. Não adianta mais dizer às pessoas que era um pecaminoso de primeira classe.

Fernando só não jogou aquela pobre mulher ao buraco por pena dos filhos, os muitos sobrinhos com que o compadre lhe brindou. Catorze no total, por causa das “embaixadas” que foi abrindo ao longo dos seus cinquenta e cinco anos de mandato. Ia deveria ter tirado satisfações com o marido ainda vivo. Fazer o morto passar por vergonha é coisa que não se faz desde os tempos avoengos.

Os últimos dias do Kezito eram parecidos aos de quem ganhou na lotaria. “Embaixadas mais embaixadas”, copo mais copo, putos atrás de putos e disbunda ao longo dos sete dias. A depreciação da comadre “holding” era tão acentuada que não fazia nada mais senão rezar. Muxima, Kalumbo, Santo António do Kifangondo e outras igrejas onde se buscava um Deus especial, eram destinos da mulher que procurava a cura divina para as ausências prolongadas do seu homem. Já lá iam dez anos que o marido tinha decidido juntar os trapos com uma viúva de Malanje, cujo esposo tinha encontrado a morte numa boite de Benguela. Dizem que apanhou uma profissional que lhe chupou, chupou como rebuçado, até que se estrebuchou na morte. A morte do irmão Malesso, filho ímpar da Damba, como ele se alcunhava, foi um escândalo internacional. O homem era um cristão da elite e, morrer numa situação vergonhosa daquelas, mereceu muitas páginas no Jornal Boca Livre.

Desde aquele ano em que nós éramos uns Casa/Trabalho e Escola/Casa que vou assistindo a tudo. Já andámos muito. Primeiro na milícia governamental ODP e depois nas FAPLA, o exército do país. Até na kamanga fomos sempre juntos. Kakiezo e eu éramos irmãos de vida embora a sorte batesse sempre mais forte do lado dele do que do meu. A compra e venda de diamantes deu-lhe um Patrol, várias amantes, que ele chamava por embaixadas ou filiais, e agora essa doença de tossir e emagrecer que o levou para junto do Senhor.

Quanto a mim, sempre vivi com a minha desgraça. Sempre estudei mais do que ele, mas na ODP fui guarda e ele foi oficial. Nas FAPLA fui um raso e ele um sargento. Na kamanga ele saiu com um carro de rico e eu, graças ao troco dele, só cheguei ao “Gira-bairro”. Só não me aguentava mesmo era no papo. As moças daquele tempo diziam que eu era um poeta daqueles do Brasil. Ninguém me comparava aos portugueses que se enrolam no rasto das palavras só para dizer “te amo”. Os meus papos eram rajadas como chuva acompanhada de nzaji . Todos me pediam cadernos de papos e davam o meu nome ao primeiro filho que nascesse da relação. Hoje arreei. O papo já não resolve. É o saldo, a moda brazuca, a discoteca e sair voado... Vou continuar a gerir as minhas duas herdades. A holding, mãe dos meus filhos, e a sucursal ou filial que me alivia o stress há já bons anos.

Desde aquela primeira vez em que tentei sair na noite que me está a ser difícil deixar. Reconheço que já não tenho pernas para muitas pedaladas. Um carro velho por cuidar, dois filhos no ensino médio e um na universidade, uma amante xuladora e um enteado comilão é carga pesada. Chegou a vez de racionalizar o esforço e fazer um calendário de atendimentos.

Daqui em diante a quinta, sábado e domingo despacho na holding. À sexta-feira, que é sagrada, folga aqui para o boss. À terça passo a despachar na sucursal. Cada uma com a sua vez. Ainda tenho que consolar a comadre Ia todas as segundas e visitar os sobrinhos que o Kakiezo me deixou espalhados pela cidade. Há sempre um em cada bairro desta Luanda e cada um com os seus problemas!

Fernando dormiu finalmente, embalado pelo monólogo, sonhando com o que fora o percurso de vida vivida daquele que foi o seu distinto amigo.

E sonhou que Kimbundu e Mbalundu são amigos de longa data. Viveram vários anos na fazenda Kazukuta, no Waku Kungo, onde seus pais eram trabalhadores agrícolas, tendo partilhado conhecimentos e vivências, desde a escola primária, o isolamento da circuncisão até à recruta na tropa do governo. Aos olhos de quem os vê juntos são mesmo irmãos de sangue.

Depois dos difíceis combates travados contra os búfalos, sul-africanos e seus amigos, Kimbundu que é de Kissongo voltou a encontrar-se em Luanda com o seu amigo Mbalundu que é de Boas Águas, no Huambo. Na capital, a vida era outra e apesar da decana irmandade e da vontade de sempre estarem juntos, os caminhos nem sempre tinham o mesmo destino. Os encontros tornavam-se raros. Sorte é que meses depois da desmobilização tinham frequentado cursos de artes e ofícios, como também tinham afiado um pouco mais o lápis, daí estarem agora com a vida remendada. Ambos tinham casas e carros próprios, embora vivessem no subúrbio. Casas em condomínios como o New Life não se enquadravam ainda nos seus orçamentos embora lá também quisessem viver.

Kimbundu, agora conhecido por Kim, estava já amigado e da relação resultaram dois rebentos, primos que Ximinha ajudava a cuidar. Mbalundu, por sua vez, levou do Huambo para Luanda a sua Ngueve de Catchiungo.

Nas aldeias, onde se fizeram homens, a carta era o principal meio de comunicação à distância e o hábito ainda fazia lei entre eles, mesmo estando agora na grande cidade dos ajuntamentos. Apenas o tempo é que não recua e este vai levando coisas velhas trazendo outras novas aos olhos dos homens e mulheres que parecem agora desvendados de crenças ritualistas e bairristas. Mbalundu, ou simplesmente Mbalu, estava cansado de comunicar-se por via de cartas que demoravam muito tempo a chegar aos destinatários. Pior ainda porque a sua mulher gostava de vasculhar as imbambas e ler as missivas. Uma vez teve mesmo de escrever em inglês, que aprendeu com os namibianos da SWAPO, para despistar a curiosidade da Ngueve que decidira nunca desprezar um papel com letras. Quanto ao amigo Kim, a sorte parecia-lhe igualmente madrasta. Kaculo tinha uma amiga que frequentava a escola de inglês e já decifrava os primeiros "I love you" das mukandas . Foi o que os levou à decisão de comprar telefones para facilitar a aproximação, tornando-se também nos maiores clientes de recargas da operadora Afasta Só.

Aos fins-de-semana, mal raiava o sol, Kim e Mbalu sacavam dos telefones e conversavam horas sem conta, contando as voltas que o tempo tinha dado e continuaria a dar às suas vidas, preparando as agendas do munhungu seguinte.

– Alô mô Mbalu!

– Epá, Alô!... Como é Kim, ainda estás aonde? A vida está-te a correr-te bem?

– Yá, fixe! Como é hoje? Sai ou não sai uma?

– Não meu, estou fraco. Equilibras-me a balança de pagamentos?

– Yá. Sem makas! Vamos... O teu carro está bala?

– Está, mas falta gasolina. Vou fazer primeiro umas puxadas do Banco ao Porto e depois ligo-te... Comprei agora este Sonyericson para pôr as conversas em dia e mandar também algumas imagéticas de cada munhungu.

– Já sabes Mbalu, há gente que noite-e-dia na ilha. Não é que descobri ontem um monte de camisas?

– Camisas? De quê?

– De vénus. Ali, bem na Vista Mar. Só desci...

– Mas conta então bem...

– Yá. Letal, imoral e outras marcas. Umas estavam já secas, outras ainda com a kissângua lá dentro e outras ainda a cheirar prazer.

– Epá, não será no sitio do teu primo Kezito? Ele disse-me doutra vez que ia também entrar na turma...

– Não acho. Ele não usa esses artigos dos brancos. Prefere mesmo é actuar a judo... Mas também ainda não o introduzimos na “vida verdadeira”.

O dia de cacimbo levava já algumas horas e o sol intenso começava a morrer. Minguava a força de assar sardinha e a mizangala já saía para o trumunu da tarde. Nos quintais ensombrados por figueiras varriam-se as folhas caídas e quase tudo se aprontava para o fim, menos o diálogo entre Mbalu e Kim, este último pensando ainda na eventualidade daquela asneira do sêmen ter sido protagonizada por Kakiezo. Na verdade, Mbalundu e Kakiezo, nascidos na mesma aldeia eram apenas amigos, mas entre eles havia também algo mais que os tornava parentes. Daí o “primismo” assumido na distante Luanda.

– Meu, quem cai hoje na rede?...Olha: estou agora com uma kitata que já dá para safar a onça. Em casa, já sabes. .. Subir ao palco é à rasca. Fogo já não acende, compreendes. É vida de caracol. Mal sai entra logo. – Reclamou Mbalundu.

– Yá meu. Eu também estou nessa. Por isso é que zungo para desvanecer. E hoje onde será o cenário? Parece que no Maualtar já não se vai... – Respondeu o amigo.

– Ai é? Ainda bem que mo disseste. Mas olha, parece que na vilinha também se trabalha. É só chegar à porta do lado da falecida judiciária e expor a questão com duzentos na mão. O parqueamento é fácil e sem chatices. Disseram-me ontem num kamba... alô, alô, Kim! Olha, vou desligar para poupar os impulsos.

– Ok. Como trabalhas na Mutamba, logo te apanho lá... É só perguntares ao Felito, aí junto ao jornal Boca Livre. Depois decidimos se bumbamos já naquela área ou se subimos para o quintalão da Deolinda.

– Yá mô irmão, Vou ligar para a bombeira. Se estiver com truques de machado, já sabes...caio no consulado...

Enquanto os dois amigos acertavam o logo, no Porto Seco, novo emprego de Kakiezo, o jovem afivelava as ideias. Kakiezo é homem sério, educado na missão de Kamundongo, onde fora aprender teologia, num tempo em que os pais olhavam ainda para o caminho recto dos filhos e a moral pública era mais importante do que a dor do estómago vazio. Fruto dessa educação espartana, complementada com o rigor da tropa que o retirou da missão, Kakiezo mantém na vida uma rotina de casa/trabalho, trabalho/escola/casa. Ironia ou não, até a matrícula atribuída ao seu carro coincide com o que faz: CT-06-22-EC o mesmo que sair às seis de casa ao trabalho e voltar à casa às vinte e duas horas procedente da escola. Era, aos olhos de qualquer pessoa que o visse, um homem exemplar. Kakiezo era também visionário e há muito acompanhava que as rádios e os jornais só falam da grande festa de pontapés que estava por acontecer. Esmeravam-se as ruas, os jardins da cidade e as moças da vida afinavam os decotes e reforçavam o vermelho do batôm. Parecia que o que estava por vir era coisa que mudaria o mundo ou mesmo dar cabo dele.

Do outro lado estava o primo Kimbundu que lhe vinha soprando ao ouvido que “na nguimbi toda a sexta-feira é dia do homem”. Homem ele sempre se sentiu, em casa ou na rua, e nunca viu diferença. Porém, a insistência de vizinhos, como o Manelito e a Alice, aguça-lhe ainda mais a curiosidade.

Para a primeira tentativa, o artista falou antes com os botões e estes aconselharam-no a inventar à mulher uma prova difícil que o levaria a preparar-se para além da hora habitual de saída da escola. A Ia, inocente, aceitou sem hesitar. Tinha plena confiança nas palavras do seu homem e interiorizara que um futuro melhor dependeria de esforços como aquele.

Entre as infinitas ideias que Kakiezo tricota opta pela mais bizarra: Ir à Ilha, afamado centro de carnais prazeres ao léu. A noite já levava a sua nona hora. O espírito buscava inspiração sobrevoando filmes há muito vistos em locais restritos. O corpo transpirava e se incomodava com a mesmice da casa. Sem hesitação expôs a ideia à mulher que a aprovou sem pestanejar. De repente, ergueu os ombros de contente, aqueceu o carro e soltou para o seu íntimo: – Alguém tem de "pegar o maço" porque “a cobra vai fumar”.

Logo na esquina da Maria da Fonte encontrou fontes de excitação. As moças pareciam estar prontas para as pelejas. Era bem na rua Direita de Luanda, ali mesmo, onde a promiscuidade e o sol se confluem. Belezas ímpares estavam entregue à vadiagem, limpando armas encravadas. Homens de mbunda sem carne, fugida para a barriga da cerveja, e mulheres de belezas fingidas no verniz e cabelos importados de índias miseráveis, também se misturavam à festa.

Sorte melhor não teria o inexperiente Kakiezo que tão rápido se entregou à sedução de uma loira lobitanga de cor de côco.

– Que grande sorte! – Delirou.

– Tio, aviso já. Só com camisa! – ordenou a executante do mais antigo ofício.

– Qual camisa qual quê pá? Uma verdinha de cabeça grande sai ou não sai carne fresca?

Cem dólares era o valor para uma noitada de muitas “apanha moedas” de cada mil burros . Vacilar seria condenar as panelas à greve e o marido sem copo. Marieta não vacilou.

A loira estava em Luanda há alguns anos, fugida da guerra no interior de Benguela. Mas se tinha apresentado como lobitanga devido à sorte de ser filha bastarda dum mulato fazendeiro de Vava-a-Yela, na Nganda. A vida verdadeira duma cidade repleta de feras tinha-a ensinado o princípio da cooperação entre um marido mata-kassumuna e a “mulher trabalhadora”. Mesmo sem a formação que a impedia de alcançar o emprego dos sonhos, que era ser aeromoça, Marieta tinha, afinal de contas, uma grande indústria natural. A vida tinha-lhe ensinado também a barganhar com os seus clientes ocasionais.

O seu cliente, nascido no Libolo, tinha um percurso diferente. Educado no Bié para pastorear almas humanas, acabou na tropa onde a moral da fé e a psicologia militar entravam em colisão, mas nunca se despistando. Kezito está há poucos anos em Luanda e marca os primeiros passos nessas andanças.

Marieta Fontes, verdadeira nascente de prazer, exibia pernas longas e torneadas, seios amabocados pelo soutien do tipo “engana-marido” e um batôn exageradamente avermelhado e convidativo. O seu indicador estava sempre apontado ao lábio. As montanhas traseiras, meio despidas, eram que nem o Moco dando à mbunda o ar de um camião basculante. A moça de meia-idade tinha aprendido também a manobrar homens de bolso roto e a domar aqueles apegados aos dogmas cristãos. Era uma escola de vida mundana.

Com Yeta trabalhavam outras moças de várias procedências. Umas de idades mais avançadas e outras mais recuadas. Estavam aí expostas, exibindo a tonelagem que de graça haviam recebido e que a preço de banana distribuíam. Embora os moralistas reforçassem os apelos e os polícias prometessem castigos e deportações, os homens da ronda nocturna fechavam os olhos e delas também se abasteciam na carne e nas roulottes.

Kakiezo estava num verdadeiro novo mundo. Num mundo de que dispunha apenas de parcos conhecimentos de ouvir dizer... Era a sua primeira aparição in situ. O homem cultivado de moral cristã na distante Kamundongo, estava num abrir e fechar de olhos em mãos quentes de Marieta que o levou de farfalho em farfalho ao defunto Zoológico onde nem pescadores, nem corvos os rodeariam naquela hora. Apenas odores de orgasmos recentes e outros por conseguir em carros de vidros esfumados ou ao relento duma brisa empurrada por furiosas calemas. Não muito longe ouviam-se outros farfalhos do vento contra as árvores que se inclinavam pedindo paz para as folhas do orvalho matinal. Há muito que Kezito não recebia violenta quentura e delirava a cada sopro que recebia ao ouvido.

– Canta filha, canta meu bem, que o “microfone” é todo teu! - Delirava atordoado pelo medo de ser descoberto por algum linguarudo conhecido e pela elevada dose de excitação que recebia. Kakiezo não sabia por onde pegar nem em que pensar. Marieta, sua madrinha de vidas novas, era, de facto, uma máquina de grande cilindrada e mestrada na matéria. Conhecia os vultos dos xulos e dos ximbas que delas se abasteciam. Havia-os aos montes e aquela floresta, escolhida mais pelo prazer do que pela mente, estava repleta deles. Não tardou, antes mesmo que “a cobra fumasse e se engasgasse”, apareceu-lhes à frente um homem empunhando um revólver de marca Walter. Um “maka kiá!” saído doutra viatura em semelhante embaraço anunciava o perigo em presença.

– Jovem desce, é a minha vez! – ordenou o ximba vestido de caki azul.

Atrapalhado, entre o ligar o carro, puxar as calças ou baixar o vidro, Kakiezo e Yeta cruzaram olhares com alguém aparentemente ligado à ordem pública da orla marítima e que acabava de corrigir a sentença:

– A jovem que está no banco de trás não veste. Tu aí, abres a porta e vamos à esquadra. Tens que explicar o que estavam a fazer. Isso é atentado ao pudor!

– À esquadra? Quê isso? Então um camarada já não pode namorar? – Respondeu-lhe.

Kakiezo encheu o peito de coragem e bombardeou o suposto polícia de várias outras perguntas que lhe foram respondidas apenas com o cano da pistola em riste.

No banco traseiro do Starlet, Marieta banhava-se em lágrimas e preces a um Deus que há muito ignorava.

– Mas, sô agente já não se conversa?

– Sô agente não, chefe! – Corrigiu o suposto polícia com rudeza.

– É que, sô chefe! Tenho aqui qualquer coisa que dá para um saldo. Quero resolver o assunto localmente...

Não sendo outro o objectivo perseguido pelo homem de arma, o assunto foi resolvido a contento do adúltero Kezito. Porém, para a eternidade permanece a vergonha e a pergunta que o persegue: – Ai se a Ilha falasse!

No vai e vem dos sonhos, Fernando reviveu outras estórias do confrade. Foi levado a lembrar-se que do susto à segunda tentação transcorreram meses. Estava-se numa manhã de uma quinta-feira, de um mês que o tempo apagou, menos o ano que é dois mil e cinco. Kakiezo acordara, já meio tarde, confuso e falou com os botões... Pensou e repensou no que eram as filiais de que há muito ouvia falar sem nunca entender.

Homem de bem, Kakiezo esteve remetido, ao longo de vinte anos, à vida de dorme, ronca e acorda, um sacrifício que às vezes enfrentava com prazer. Mas a recém-chegada revolução feminina parecia atrapalhar-lhe as ideias. Parecia que estavam a chegar, novamente, os tempos babilônicos de que apenas histórias idosas restavam aos neófitos daquela grande aldeia.

Desde o seu casamento que a holding deixou de fazer maravilhas. Já lá vão anos sem fim e o pior é que na rua a aceitação era escassa por causa da argola que carregava religiosamente no anelar. Mesmo entregue à fé evangélica, Kakiezo vivia no lar o pão-nosso-da-desconfiança como fardo da fidelidade, rompida apenas há meses, nas peripécias da grande floresta.

Na escola nocturna o homem aprendeu Ciência e outras “ciências” da vida. Era quem mais dava boleias e patrocínios sem retorno. Lá, os convites indecentes surgiam em quantidades “megabáticas”, procedentes de raparigas que “apenas queriam estudar”. Diziam que era a forma de aliviar os pais de encargos com o vestuário e as propinas... Kezito tinha já experimentado as ilhas mais distantes daquela cidade atlântica e os mais recônditos recantos daquela floresta tropical. Faltava-lhe somente entregar-se, de corpo e alma, aos prazeres terrenos. Deus ainda repousava nele.

Ia, a esposa, fora formosa e fogosa nos tempos áureos da escola feminina da missão de Chissamba onde trocaram os primeiros olhares. Era na época em que se partilhava a estica-estica e os micates da tia Ngonga. Ele franzino e ela mais avantajada, com pernas gordas e traseiro em forma de pirâmide. Difícil era passar por ela e não forçar um olhar discreto para qualquer que fosse a parte da sua intimidade resguardada em seda e algodão orientais trazidos pelo pai de missões de serviço. Costa Campos foi diplomata em tempos idos.

Maria Campos, ou simplesmente Ia, tinha deixado volatilizar toda a sua graça com a ninhada de filhos e o desfilar dos anos. A prole masculina já formava uma equipa de basquetebol e a feminina podia manter a assistência à partida. A caseiridade e o desleixo da companheira tinham tornado a vida íntima numa mesmice. As inovações que Kakiezo trazia dos livros de Kama Sutra e dos filmes para homens da sua idade eram interpretados como rescaldos de ultrapassagens à direita. Ia entendia de tudo à volta, menos de renovação, uma apatia que atacava Kakiezo agora entregue a trajes multicolores e sempre incondizentes.

De galã, Kakiezo tinha se tornado em sombra de si mesmo e no lar mergulhava em problemas dia após dia, definhando por dentro. O seu andar de passos candentes se tinha tornado num conta-passos. Pesava-lhe o significado das juras trocadas perante o padre e os padrinhos. As desavenças caseiras tinham-no empurrado para o sabor da rua, onde já tinha experimentado álcool e algumas aventuras para afogar as mágoas, mas quase se deu mal com aquele ximba a apontar-lhe a pistola. Era outro o poiso que o seu pássaro precisava. Era preciso chegar à solução que até os filhos, às vezes, palpitavam nas conversas que se seguiam à interpretação da novela Maria Bonita, cujo enredo se parecia ao seu “filme”. A rua já se tinha tornado demasiado quente perante a “Sibéria” daquele lar. A vida intra-muros carecia de descompressão. Faltava o momento exacto para sair sem dar nas vistas. E a oportunidade de pôr a teoria em prática surgiu em vésperas do casamento de Ngaxi.

– Kezito, amanhã é o casamento da minha prima. Como a comida é feita em casa, vou lá dar um jeito e quero te pedir que me deixes sair agora... Deixo a comida já pronta para ti e para os miúdos. Depois é só pôr no micro-ondas... - disse-lhe a mulher.

Kakiezo esfregou as mãos de contente, mas a dar antes uma de marido desconfiante e enciumado:

– E a que hora é que vens? Com quem vais e quem lá estará? E olha, deixas-me com o teu carro para a minha saída em caso de urgência…

A masculinidade parecia ressuscitar nele. Os planos pareciam coincidir, mas Kakiezo não era homem de dar nas vistas. Nada melhor do que aproveitar a saída da esposa para a reentré na vida vivida, pensou.

Lembrou-se que na ponta da rua, uma “ex-criança” acabara de florescer o peito e a pintar os olhos que todos os dias a ele se dirigiam em tons provocantes. “Carne que não é para nossos dentes, que se dê aos cães”, falou para si mesmo e pegou o telefone cuja chamada caiu no sítio certo.

– Alô, Ximinha, vamos chupar gelados? - perguntou.

Kakiezo não sabia que a Ximinha era a tal miúda, irmã do seu amigo de infância Kaúia, que fora mandada a Luanda para cuidar dum primo recém-nascido e aprender a ler... Na sua adolescência Ximinha ignorava também a infância comum do seu irmão com o “boss” da Rua Jinga.

– Quê isso Sr. Kezito? O Sr. 'stá a convidar-me a sério?... Sabe que sempre estive à sua disposição…Quer saber mais?

– Não! Diz apenas a que hora e onde te posso apanhar. Sabes… Vou andar com um carro que não é meu, o da Ia. Ficas junto à agência, faz uma conta inicial na roulote que eu liquido depois.

– E ficaremos apenas por aqui ou haverá mais? Sabe, Sr. Kezito, preciso…

– Oh! Kanuka, também preciso. Só que é de coisa diferente... tá? - Terminou a conversa evitando a curiosidade da miudagem que dele se abeirava.


***

Nos preparativos do casamento de Engrácia da Silva Campos, a Ia, comadres e primas punham as conversas em dia. É nesses encontros que as mulheres aproveitam falar do lar, dos filhos e, às vezes, dos companheiros. Umas trocando saberes e outras expondo as veleidades e fortalezas do cônjuge. Nas ocasiões em que o batuque e a dança se combinam, o pudor volatiliza-se e os homens são passados a pente fino.

– Sabes Manuela, os homens de agora são que nem os aparelhos electrónicos. Ou são CD, ou são DVD, com ou sem R e há ainda os VHS. Se a pessoa fica em casa é só mesmo por causa do juramento sagrado e dos miúdos que têm de ser criados num lar com harmonia, porque quando a porta se fecha é só mesmo esperar o sol abrir outra vez para cada um ir à sua vida diária. O rendimento que conheço é só mesmo o do salário. Quanto ao que Paulo aconselha aos Coríntios, ninguém liga a ninguém.

– Pegaste num bom ponto, prima – replicou a Marisa, Isa de seu nome íntimo. - Pensava que fosse apenas comigo. Os anos quarenta são de muito sacrifício para as mulheres. Já ninguém dá o que pedimos… e quando se lembram é para apenas uma gota. Até já não sei se são as gaiteiras que sugam tudo ou se é a força que se perde na barriga. Também como bebem é de esperar qualquer desgraça!

– Mas, Tininha, o quê isso de DêVêDês, CêDês, Érres e Vê-Agá-Ésses? - questionou a Ia escondida no seu pudor de mais velha da turma.

Nela vira-se para o lado esquerdo fitando a irmã Maria que lançou a pergunta. Mas é para a prima Madó que direcciona os olhos. Uma pergunta dessas não era de esperar de uma pessoa com a idade de Ia. Madó ainda é criança, tem vinte e dois anos, pensou.

– Não foi a Madó quem perguntou, foi a prima Ia. Cristina Campos, a Tininha ou Tina no seio familiar, endireitou a conversa na expectativa de obter as respostas que também lhe interessavam.

– Olha Tina, marido DVD é aquele que se deita, vira e dorme. Acorda só no dia seguinte quando já não é hora de satisfazer as vontades. Agora o DVD-R é pior ainda. Esse, se alguém de vocês tem, é melhor passar a dormir no quarto das miúdas, porque dorme e vira. Você pensa já que chegou a hora, mas ele dorme mais e ainda por cima ronca. Mas há mais. O CD é aquele que aborrece pouco, assim como o teu cunhado. Ele come e dorme e quando se lembra que estive ao lado dele já estou a caminho do serviço.

– Mas falta um. Agá e Vê ou Vê-Agá-Essê, já nem sei. Será que é aquele que tem SIDA?

– Hum! Qual lá SIDA? É aquele puramente quentaço. VHS é só “Várias Horas de Sexo” como nos tempos de namoro.


***

E os sonhos do Fernando continuam velozes de recordação em recordação, como se, ao virar-se na cama, agitado, recebesse imagens de um outro filme, ou se mudasse de dimensão no espaço e no tempo.

Às vinte e trinta, Kakiezo e Ximinha já faziam do veículo o seu leito.

– Sr. Kezito, posso tratá-lo por meu docinho? – pediu ela.

_ Sim baby. Diz que os meus ouvidos são somente pra ti!

_ Onde é que está a tua mulher que te permitiu sair com o carro dela? – perguntou como que mostrando desinteresse pelo convite.

– Está no Prenda, ali junto à antiga Praça do Banga Sumo. A minha mulher descende de kibalistas e lá é a capital da Kibala em Luanda como é o Rangel para Catete. Não vês a composição demográfica? - Ironizou.

Ao lado da agência bancária, local do encontro, espreitavam-nos as famosas mansões Meia Luva e Reflexo da Terra Louca, casas erguidas propositadamente para o sexo oculto e estadia cobrada à hora. Ximinha, embora apresentasse um rosto angelical, estava baptizada naquelas andanças e bem conhecida dos funcionários públicos e outros frequentadores do recinto. Apenas Kezito não sabia em que mares navegava. O mundo dele era apenas o mundo da friolenta Maria Campos ameaçada agora no seu monopólio.

Ximinha estava cursada na escola da vida e fazia o seu melhor para que não mais perdesse o boss. O seu rostinho esbelto e o peito imaculado contrastavam com as técnicas que utilizava e que faziam o quarentão Kezito “perder a cabeça”, espremendo-se como viúva no funeral do marido.

– Tudo o que tenho é, doravante, teu. A casa, o carro, a farmácia do serviço e os medicamentos... Tudo é teu. – Prometia Kezito. Até avião prometeu dar à sua estrela d’alva.

Grande piscina para mergulhos! - Pensou mais tarde Kakiezo, sem o dizer.

Distraídos nos jogos preliminares do amor, viriam os mosquitos anteciparem-se no quarto encomendado ao telefone. E como a noite ainda era criança, decidiram rever o casamento da noite com a aurora na ponta do Cabo, terra de ninguém àquela hora, onde matilhas e humanos se revezam no cenário da procriação em campo aberto, até que extenuados e desarrumados pela peleja, cruzariam com a Ia, na madrugada do dia seguinte. Tudo aconteceu no mesmo caminho para casa. Preocupado, o homem tentou, em vão, acelerar para chegar primeiro e refazer a maquiagem distorcida. Um alerta secreto tinha tocado Maria João Campos, deixando-a em pólvora.

Avistado o colarinho da camisa do marido pintado de batom, a Ia perdeu a visão por alguns instantes. Tentou, atarantada, reconhecer o local em que se encontrava e as pessoas que a cercavam. Apenas vultos lhe apareceram em frente.

Sentiu-se como uma cadela à procura do seu amo. De repente tudo o que era nefasto lhe visitava. Odiou o carro, a vizinhança, o Kakiezo e a si mesma. Mandou, inclusive, os filhos da sua própria barriga para o diabo! Recuperada momentos depois, tentou encontrar no seu íntimo a explicação que Kakiezo nunca lhe daria.

_ E se o carro falasse! Desabafou consigo mesma.

Foi pena. O carro emudeceu. Aliás, continuou mudo como sempre e como os outros. Dos rastos possíveis apenas a fina areia que pintava o carro de branco como fuba de milho. Tudo o que ele permitiu foi uma briga rija como os seios da Ximinha. Até Kezito voltar a descarrilar foram necessários uns três anos de sã convivência.

Mas Fernando não ficou por aqui na sua viagem sem custos. Lembrou-se que antes a Ia tentou o seu melhor. Tinha procurado, finalmente, os melhores conselhos para o escuro do quarto e Kezito parecia reformado aos olhos da mulher. Porém a verdade verdadeira é que se tornara em homem de muitos lugares desde que conheceu o muro oposto da casa. O seu aparente comodismo era apenas para não ressuscitar a fera ferida em que Ia se tornara. Kezito criara também gostos ímpares no que se referisse a companhias femininas. Dir-se-ia mesmo, um bom coleccionador de preciosidades. Mulatas, morenas, arménias, nepalesas, xindongas , aztecas entre outras que só ele mesmo conhecia as origens. Altura acima da média feminina e busto não muito arredondado caia melhor no seu engodo. Homossexualidade era para ele uma depravação, por isso mesmo coisa desprezível. Para Kezito, as donzelas “quanto mais novas e difíceis, mais apetecíveis se tornavam”.

Fruto das viagens ao exterior que o novo serviço lhe proporciona, Jacinto Kakiezo ganhou outros gostos e outras projecções. É na primeira classe dos aviões que frequenta, como taxi para os pobres, onde se acomodam as madres, freiras, ministras, parlamentares e outras senhoras da primeira fila da Res Publica. E como bom aluno de Fernando que foi, Kezito aprendeu a arte de cortejar. O ar de bem-estar que respira, a altura e a barriga algo empinada para frente dão-lhe um charme ímpar que desbarata a resistência de qualquer quarentona. No estrangeiro costuma mesmo gabar-se de ser “dono de uma enorme destilaria de petróleo num país africano ao sul do Sahara”.

Num Sábado de Novembro, na discoteca Tamankos, Kezito acompanhado de duas musas de Chitembo encontrou o que dizia ser o pior azar da sua vida. O recinto transbordava de gente que até ar para respirar rareava. Apenas o kaxeketela se podia dançar para o anelo da mizangala que desaprendera os toques do antigamente. Rumba e Kizomba já pouco se dançavam nas pistas.

De repente, um ser com cara de homem e gestos femininos encostou-se-lhe ao ouvido em tons de cio. Kezito transitava entre o sono e o despertar. Custava-lhe acreditar no que via e ouvia. Foi então que o ousado lhe fez a proposta:

– O senhor importa-se ser meu pitchu ?

Aflito, Kezito retirou-se aos gritos, lançando intempéries de toda a sorte, deixando para trás e às expensas de ninguém, as companheiras de ocasião que lhe prestavam serventia na mesa de sempre daquele lugar. Era para elas um serviço habitual em troca de alguns goles de álcool e gorjetas que alimentam outras bocas.

Era numa daquelas noites em que saíra de casa de pianinho, portanto sem o seu Nissan Patroll. Servira-se da boleia do amigo Fernando que o apanharia apenas às cinco da manhã para o muzongué da Nova Era. Kezito inflamado de ira nem tempo teve para medir a distância, tão menos o destino. Ao primeiro azul-e-branco que se lhe apareceu não hesitou. Estava decidido, desta vez, em regressar à casa.

– Isso só pode ser pemba da Ia. – Vociferou, prometendo explicações!

Vidrado na coabitação com o pecado, encontrou na sua viagem para Viana, mais uma oportunidade de pôr a arma em haste, numa demonstração de cana para toda pescaria. Kakiezo trocaria olhares íntimos com uma “noviça” perdida na algazarra da noite. A jovem, nos seus vinte e tal cacimbos, era excepcionalmente linda e o artista não perdeu a oportunidade para desfiar-lhe o rosário.

– A senhorita pode dizer-me como se chama?

– Irmã Ema – respondeu ela inquieta.

– Se não se importa, gostaria de ser seu amigo e poder mostrar-lhe o que há de bom fora dos véus. _ Atirou em jeito de provocação o galanteador-mor.

A religiosa, surpresa, recusou o convite e rapidamente, na primeira paragem efectuada pelo condutor da carrinha, se desfez da incómoda companhia.

Kakiezo ainda não se tinha dado conta que o “amigo” da Tamankos o seguia a passos e com uma nova indumentária, até que o cobrador sugeriu ao caçador de beldades que tinha a receita de como levar a freira à caçada. Kakiezo encheu-se de curiosidade e não se coibiu em solicitar a benigna prescrição.

– Toda a quarta-feira, à noite, ela vai à capela do cemitério rezar. Como você tem barba e cabelo comprido, é só vestir uma túnica e cobrir um pouco o rosto. Ela vai pensar que é Jesus Cristo... e então ordene que ela transe consigo.

A táctica parecia boa demais para que o “apreciador de carne fresca” a submetesse a exame racional. Tal qual a recebeu assim a digeriu, não lhe sabendo a amargo. Não era ele uma espécie de cana para toda a pescaria?

Na quarta-feira seguinte, lá estava o caçador esperando pela presa. Aparentemente viu Ema nas suas vestes de freira. Transpirou, mas rápido se conteve. Deixou que ela se aprumasse para a habitual romaria. A “mulher” escondia-se em trajes que obrigavam a respeitabilidade de qualquer crente apostólico, excepto o sedento Kezito que não tardou em fazer a sua anunciação à vítima.

– Mulher, eu sou Jesus! Ouvi as tuas preces e elas serão logo logo atendidas desde que antes levantes o hábito.

A freira corta a respiração, mostra-se atónita, mas por fim concorda, virando-se e pedindo num murmúrio que a use apenas desse lado do canal das saídas pódridas, pois pretende manter o seu voto perpétuo de castidade.

– Meu Senhor, a ordem é Vossa! Eis-me aqui Salvador!

Terminado o acto, o falso Cristo retira a túnica e, a gabar-se de ter ludibriado mais uma de suas prezas, solta uma estrondosa gargalhada.

– Hahahaha...! eu sou o Kezito, o tal do candongueiro, lembras-te minha freira?

Nisso, a suposta religiosa descobre o rosto e responde:

– Hahahaha...! meu docinho! E eu sou apenas o simples dançarino de boite e cobrador em horas esquivas. Sou aquela formosa que te pediu namoro na Tamankos e negaste com desdém. Viste que conseguiste com jeitinho?!

Até à morte, carregou Kezito este peso na alma.

Finalmente, com o sol já a caminho do reencontro com as estrelas, acordou Fernando, concluindo que nessa vida de distracção na rua, muitos voltaram para o bairro e encontraram a casa noutro lugar. A mulher já é do vizinho, os filhos são da rua, as filhas já andam com o colega do pai, a quem tratam por tio, e a casa vendida. Manuel Adão acabou assim. Estar nesta idade obriga a uma fidelidade canina de um "Cão" já sem caninos. É preciso abrir o olho porque a emancipação está a vir com força e espírito de vingança.

 

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