sexta-feira, 1 de julho de 2016

LUZ ENCANDEIA COLÓNIA PRISIONAL

Já foi um local inóspito para desterro de gente que desafiou a máquina repressiva de Salazar e, depois,  Marcelo Caetano nos anos sessenta e setenta do século vinte. Na colónia prisional de Missombo, Cuando-Cubango, amputaram-se vidas mas realizou-se um sonho. O sonho da liuta pela liberdade e pela identidade angolana.

As palavras são de um antigo preso de delito comum mas que viveu na pele as sevícias a que eram submetidos os presos de delito político.

Artur, único antropónimo no bilhete de identidade, mostra um a um os antigos edifícios e recorda-se dos seus ocupantes ou das tarefas nelas executadas.

- Ali era o posto médico, aponta. Este era a oficina geral e ali, ao lado, a ficavam as cozinhas. Hoje tudo se foi com o tempo. – Recorda saudoso, apesar do sofrimento daquele tempo que a memória teima em conservar.


Os edifícios que configuravam a colónia prisional estão hoje todos em ruínas, restando uns poucos como o que acolhia os serviços administrativos, no piso superior, e as minúsculas celas na cave. O edifício principal foi reabilitado e serve hoje a Administração Comunal do Missombo, que dista perto de cvatorze  quilómetros de Menongue, a capital da província.

Apesar do estado em escombros em que se encontra o local, o administrador comunal diz que melhores dias estão por chegar e vai mais longe na sua premonição.

- Os mais velhos vão poder conferir os seus processos, rever o Centro com as mesmas feições arquitetónicas antigas e reviver os dias de cárcere e trabalhos forçados na fazenda ou na construção manual do dique. – Diz confiante Francisco Kassemuqueno, para quem "existe já um projecto integrado do Governo que visa manter vivas as páginas longas da luta dos angolanos pela emancipação", conta o administrador com a autoridade de um historiador, embora tenha estudado ciências agrárias.

- É o tempo em que estamos aqui e as tarefas a que somos chamados a executar que nos fazem ter de cor toda a história desse recinto. – Esclarece Kassemuqueno quando elogiado sobre o domínio da História do campo prisional de Missombo.

Uma cidade ergue-se, aos poucos, na cabeceira do antigo campo prisional, sendo que o perímetro irrigado já serve os estudantes do Instituto Médio Agrícola, construído, propositadamente, nas proximidades do antigo campo prisional para fazer parte do pólo urbano e valorização do que resta e do que se há-de construir no Missombo.

A caminho do Missombo estão também os estudantes do curso de agronomia da Escola Superior Politécnica do Cuando-Cubango, dependência orgânica da Universidade Kwito Kwanavale, cuja comissão instaladora foi já apresentada ao governo chefiado por Higino Carneiro e comunidade universitária.

As províncias do Cuando-Cubango e do Cunene "libertam-se assim da dependência da Universidade Mandume ya Ndemufayo que atendia a Huila, o Namibe, o Cuando Cubango e o Cunene, atendendo apenas as duas primeiras". - Explicou a Secretária de Estado para o Ensino Superior Maria Martins que visitou com o cronista o Instituto Médio de Agronomia e outras instalações que vão receber os estudantes de nível superior.

Mas, sobre o Missombo não é tudo. O campo correcional fez parte do triângulo penal repressivo da PIDE-DGS contra os nacionalistas angolanos. As colónias penais do Bié, Missombo e São Nicolau ou Bentiaba (existindo ainda o campo correcional de produção de Quibala, mas em menor escala demográfica), guardam registos sobre quão tenebrosa para os nacionalistas angolanos foi a "defesa" de um Estado que nunca pertenceu a Salazar e seu sucedâneo Marcelo Caetano.

Pelo Missombo passaram nacionalistas como Adriano Sebastião e outros, antes de serem desterrados para S. Nicolau (Namibe) ou Tarrafal (Cabo Verde).

Dos imóveis que ainda estão em pé e com alguma utilidade, contam-se poucos. Apenas os que atendem a administração comunal, a sede comunal do MPLA, a escola (edifício construído no pós-independência) a residência protocolar da administração comunal, a antiga esquadra policial (também erguida no pós independência) e o posto médico. O edifício multi-ofícios, as residências dos carcereiros e pessoal ao serviço da PIDE estão completamente destruídos pela acçao humana e do tempo.

 
O campo já acolheu, nos tempos em que o país era forte e frequentemente fustigado pelas South African Forces, SAF, uma brigada das FAPLA/FAA que defendia a cidade de Menongue contra o avanço dos sul-africanos carcamanos e seus apaniguados nacionais.

- O local vai ser uma espécie de museu com valor hostorico-turistico., Narrou o administrador Francisco Kassemuqueno, para quem os serviços da administração local vão passar para a nova centralidade projectada para a margem oposta da Estrada Nacional 140, onde já despontam, entre vários edifícios, o Instituto Médio Agrário, a Escola de Formação de Professores do Futuro (afecta à ADPP), a Escola Provincial de Turismo que contará com um hotel de trinta quartos, a Escola Nacional de Formação de Fiscais Ambientais (afecta ao projecto transfronteiriço "KASA"), etc.


De baixo do edifício da administração, onde nos encontramos, contou o administrador, estavam as celas subterrâneas para os presos que eram interrogados sucessivamente, numa espécie de tortura psicológica. Os menos perigosos eram usados para trabalhos agrícolas no perímetro irrigado ou levando pedras à represa", ajuntou o agrónomo que dirige a comuna.

-A antiga represa de água sobre o rio Cuebe foi reabilitada e modernizada, pretendendo o governo do Cuando-Cubango, narrou ainda Francisco Kassemuqueno, dar uma dimensão histórica ao Missombo que acolheu muitos dos nossos nacionalistas e obreiros da luta de libertação nacional contra o jugo colonial.

A primeira fase da Nova Centralidade de Menongue, explicou ainda Kassemuqueno, está a ser executada em Missombo. Segundo o "mwata mutolo (assim são tratados os administradores na língua ucokwe, sendo ele também um kacokwe), o antigo edifício de artes e ofícios já foi adjudicado para reabilitação, devendo conservar, à semelhança dos demais, o traçado arquitetónico original.

"A actual administração será transladada para a nova cidade, sendo as instalações do antigo centro prisional um Centro histórico-cultural e turístico, devendo possuir ainda a parte agrária" - Informou. 
O Kassemuqueno avançou também que "os processos dos antigos presos de Missombo ou aqueles que por lá passaram estão a ser negociados pelo Ministério da Cultura com os arquivos coloniais da Torre do Tombo, em Portugal, e, tão logo se tenha êxitos, serão transladados e arquivados na sala que atende hoje as reuniões da administração comunal". As demais casas, prosseguiu, também serão reabilitadas, sendo que já foi feito um levantamento do estado actual e nível de intervenção.

- Acho que não vai demorar muito tempo para dar uma visão mais realística daquilo que foi o centro. - Disse esperançoso, e a concluir, Francisco Kassemuqueno, o administrador comunal do Missombo.

 Nota:texto publicado pelo Semanário Angolense, 29 de Agosto de 2015.

Sem comentários:

Enviar um comentário