sábado, 1 de outubro de 2016

QUEIXUMES DE MARIA


- Mas, ó Kanyanga, dizem que és Soberano. É verdade?
- Sim Maria. Sou um soberano. Soba grande que é saudado com rajada de palmas e de joelho curvado.

- Hum? Soba ou sopa? - Voltou a questionar Maria.
- Soba. S+o+b+a. Autoridade. Gajo que "mija" de acordo ao legado histórico-cultural do povo bantu, associando o direito costumeiro e o positivo. - Expliquei para que não houvesse mais equívocos.
Maria, porém, parecia não estar satisfeita e intercalava a música suave do seu motor com queixumes, próprios de quem está prenhe e que desliza sobre solo acidentado.

- Conheces o governa a dor Júnior Henry Quê? - Perguntou.
- Sim. Conheço. Já estive com ele algumas vezes no tempo em que andava a chefiar os pesca a dores.

- E o chefe Brita masculina? – Voltou a indagar Maria. 

- Brita masculina? Como assim, Maria? - Retorqui, aproveitando engatar-lhe uma carinhosa quarta farfalhada.

- Sim. É isso mesmo que ouviste. Se brita é feminino como seria o masculino caso houvesse?

- Hum?! Já sei aonde queres chegar. Também conheço, embora seja só de ver na televisão e ler nos jornais.

- Mas, um soberano que conhece tanta gente que manda, com tantos poderes que tens, nada fazes para aliviar o sofrimento da tua dama?

- Mas, Maria, (fiz pausa para endireitar o discurso) que queres, afinal de contas e que não dizes logo? Aprecio a tua música quando estás embalada. Aprecio também os teus gemidos prazerosos, quando nos encaixamos um na outra. Dizes que gostas de ficar comigo nessa aventura. Que mais está em falta ou que não corre à feição, Maria? - Falei-lhe, quase em súplicas amorosas.
- Estou passada com os administra as dores de cinco municípios. - Atirou ela, sempre em meias-conversas, nunca indo ao concreto. Se calhar, para manter acesa a minha curiosidade e tornar o nosso envolvimento mais profundo, mais íntimo, com mais cumplicidade. Uma conversa com rodeios, mas que chega sempre ao final e ao contento dos dois.
- Pois é, meu Soba - Maria pareceu abrir-se mais para deixar-me aplicar-lhe a quinta farfalhada - se eu fosse você ou se no mínimo tivesse o teu poder, os teus conhecimentos e influências teria procurado o Vida Boa, o Henry Quê e o Brita Masculina para lhes propor uma averiguação aos administra as dores de Kambambi, Lubolu, Kipala, Waku Kungu, e Kwitu. Já viste os buracos na via Zenza-Ndondu?

- Sim, vi, Maria.
- E os buracos do desvio da Munenga ao Longa?

- Sim. Também os vi.

- Viste ainda as crateras do Longa ao Kimone? Parece que esses administra as dores não andam a ver a dor. - Atirou cómica.
- Sim, Maria querida. Passamos por cima deles ou soubeste contorná-los.
- Sim, mas com essa gravi-carga que me meteste, estou com a barriga, as pernas e os braços todos retorcidos. Viste ainda como está o caminho de Katofe ao Keve? Eu que não sou Maria Vagarosa tive de me arrastar devagar, devagarinho, parece dia de parto é hoje?
- Compreendo a tua mágoa, Maria. Vamos diligenciar. Procurar fazer chegar a tua reclamação, através de uma petição aos camaradas governa as dores das provinciais. Só há um senão, Maria. A EN 120, e mesmo aquela que me esqueci o numero, que nos leva do Zenza ao Ndondu, são da responsabilidade do vai (go) ver no central e os administra as dores não se podem meter, senão arranjam doença de se coçar.
- Já viste quantos carros carregados de burgau, pedra intacta ou britada e terra circulam pelas rodovias em que passamos? Já imaginaste se cada um desses administra as dores pedisse aos donos das burgaleiras e donos dos carros para implementarem um projecto de responsabilidade social rodoviária?
- Sim, Maria. Mas como seria essa tal responsabilidade social com pedras, terra e burgau? Essas empresas, calculo, não têm capacidade para arranjarem estradas. E mesmo que tivessem kumbú arranjariam também sarna diante do vai (go) ver no central que é dono das estradas que começam com EN.
- Tu és mesmo um soba distraído. Vou baixar-te de soba para sopa. Estás bwezeza tipo sopa de restos. - Disse gozona, mas cantando alegre.
O nosso quinto round estava quase no auge. O ponto G estava à vista. Maria flexava excitada, mas sempre conversadora.
- Já pensaste se eles, os administra as dores dos municípios, chamassem todos os exploradores de inertes, os carregadores, os construtores e todos os demais beneficentes a se juntarem para, no mínimo, taparem os buracos enquanto o vai ver central leva alcatrão aonde ainda não há? - Propôs Maria, mis assertiva.

- Sim, Maria. Agora te percebo. É uma excelente ideia. Vou propô-la aos camaradas administra as dores municipais e aos governa as dores provinciais dos Kwanzas.

- Se eu fosse você, prosseguiu Maria, com todos os poderes, conhecimentos e influências que dizes ter, mandava as sugestões sobre responsabilidade social rodoviária já com um pedido de inquérito sobre o que os administra as dores não andam a fazer e outra sugestão aos seus chefes para que os que pouco fazem sejam afastados. A dor que sinto é grande e penso que não andam a administrá-la como devia. - Disse, queixosa.
- Está bem, minha pinta vermelhinha. Vou redigir a petição com tudo quanto sugeriste.

- E não te esqueças de notificar o Dr. Vida Boa, por causa do Kunje. Aquelas crateras fizeram-me lembrar o tempo do tri-ti-ti, quando havia mais buracos do que estradas. - Concluiu Maria.
A conversa estava doce. Como sempre, o soar máximo do batuque é prenúncio do fim da festa. Ou acaba o walende e todos se espalham, ou rebenta a pele do ngoma. Com a Maria foi o gasóleo.

Obs: Publicado pelo semanário angolense de 13 de Junho de 2015

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