segunda-feira, 1 de maio de 2017

A PAZ ENTRE O BODE E O CÃO

Conta-se: Que, em tempos idos, o cão e o cabrito viviam numa paz total. Aliás, habitavam o mesmo espaço e sob o domínio de um mesmo amo.
O cabrito, sendo herbívoro, acordava manhã cedo e punha-se a aparar a relva ao redor da casa, descansando tempos depois, quando os donos de casa, humanos, se faziam à mesa. Quem ficava na sala, de olhos para a mesa, era sempre o cão que tinha o mesmo regime alimentar do seu amo. O cabrito regurgitava e, sendo ruminante, dava forma aos alimentos que engolia antes sem boas mastigadelas.
Apesar de um frequentar o interior da casa e outro se confinar ao estábulo e ao jardim, a paz entre o cão e o cabrito era firme. Total. Chegou um dia em que os de casa decidiram viajar por uma semana. Como à volta de casa frequentavam umas lebres, Mukwamana, o dono de casa, decidiu deixar o portão aberto, de tal sorte que Kawa, o cão, tanto pudesse guardar a propriedade como caçar para saciar a sua fome. Mpembe, o cabrito, continuaria a podar a relva e, se comida lhe faltasse, também podia obtê-la fora daquele domínio.
Passaram-se dois dias. O cabrito sempre com a sua rotina: recolhia relva, levava à pança, regurgitava e voltava a deglutir, sempre sentado à sombra da cajamangueira do quintal. Kawa, por sua vez, padecia de fome. Não tinha as sobras de sempre e minguava. Tinha se esquecido até de farejar. Lá fora, sem o barulho do costume, as lebres festejavam e se procriavam.
Uma cadela rafeira, que passava por perto, ainda perguntou por que razão Kawa não ia à caça, queixando-se de fome com lebres por perto. Este respondeu que estava a espera do momento em que os testículos de Mpembe cairiam.
Passaram-se mais dois dias e a fome apertava. Mpembe sempre com a sua rotina de sempre. Quando já não podia mais viver sem comer, Kawa tentou atacar Mpembe para roubar-lhe os testículos mas este estava firme e sadio. Deu-lhe uma sacudidela e Kawa quase se estraçalhou, indo parar na rua.
Por sorte, a cadela rafeira tinha caçado uma lebre e Kawa teve de se contentar com os ossos deixados por ela. Daí em diante, Kawa e Mpembe vivem uma paz precária. Um está sempre a espera que outro se distraia para roubar-lhe os testículos, ao passo que Mpembe está sempre pronto a defender o que lhe faz ser macho.
Adaptado por Soberano Canhanga, 19.04.2017.

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