domingo, 1 de setembro de 2019

TIROS MADRUGADORES EM NHUNDU (VI)

Certo dia, a coluna militar de reabastecimento que progredia de Savate a Nhundu, na EN 140 paralela ao rio Kuvangu (Cubango na língua dos outros), teve de pernoitar. Andar com luzes acesas era dos maiores perigos, tendo em conta a vigilância dos "mirages" carcamanos. O comandante ordenou paragem, ocultação dos objectivos e dispersão. Fez as leitura das permissões e, sobretudo, das proibições.
- Não foguear, nem fumar. Não se movimentar de trás para frente. Atenção à senha e contra-senha. Atenção à voz de comando...
Os soldados que não conheciam a zona e os novos na coluna, como foi o caso de Pouca Sorte, foram aconselhados a sinalizarem o nascer e pôr-do-sol como possível orientação de posicionamento em caso de ataque.
É certo que "as FAPLA não dormiam" mas o inimigo atacou a coluna à madrugada e à distância, criando pânico na coluna motorizada da BTR.
- Bum, bum, bum. - Foram três bujardas apenas.
- Apenas? Você que nunca foi tropa de verdade diz apenas?
Toda a tropa acordou a dispara instintivamente a toa. As kalashenikov, sempre à mão, já estavam abastecidas e oleadas desde o momento da partida. O primeiro minuto foi de "fogo de presença e para medir força". Cada disparava aonde lhe pareciam terem saído aquelas "batatas". Depois surgiu o comandante a orientar o posicionamento táctico do fogo, em caso de necessidade de resposta ao inimigo.
Foram muitas balas disparadas. Muitas delas dispersas que poderão ter atingido alguém, um ser vivente com sangue ou simplesmente se enterrado na terra, numa árvore ou ainda na água abundante de rios caudalosos.
Pouca Sorte ficou a pensar noutras guerras mais prazerosas do que violentas que os soldados e jornalistas militares tiveram ao longo de uma vida inteira. Lembrou-se de seu primo Sabalu Kambota, militar da 108 brigada de infantaria e assalto. Contara-lhe, em carta, que tinha passado, mata-a-mata, pelo Lunge-Bungu, Longa, Luxazes, Kamanonge, Mavinga e Kwitu Kwanavale.
- Já depois de recebermos as medalhas dos cubanos pela defesa de Mavinga, e contençãodo inimigo e sua derrota no Kwitu Kwanavale começamos a sair do quartel para as bwalas disparar a arma encravada pela solidão nocturna de todos os dias. Foi assim que conheci uma pioneira filha de um criador de gado com a qual deixei um filho que dei nome do teu primo Kitumba. A vida de tropa tem dessas, meu primo. Uma dia, se a paz chegar e a estrada permitir, vamos lá recuperar a tua cunhada e o teu sobrinho. - Sabalu falava com nostalgia e decisão.
É pena que tenha morrido ingloriamente como civil desmobilizado e que a aldeia e o nome da mulher não tenham sido clarificados. Mas o Facebook ou outras técnicas que os homens gostam de parir ainda são esperança para recuperar Balas Perdidas..!

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