sábado, 8 de novembro de 2025

TAXI COLECTIVO, MEMÓRIA, LUTA E ASCENSÃO SOCIAL

O subúrbio e a cidade acordaram poeirentos, como vem sendo desde que São Pedro fechou a torneira em Maio último. Não goteja. Não chove. Apenas preguiçocas neblinas _ quando calha _ que trazem o recado de que "há condensação algures", trazendo o advento de que as folhas das árvores que se apresentam acastanhadas podem vir a ser lavadas a partir dos céus. O dia, mostrou-se limpo, por isso. Sem sombras e sem ameaças. Dois objectivos levaram-me a adentrar num taxi colectivo, desses azuis-e-brancos que preenchem as vias urbanas e suburbanas de Luanda. O primeiro objectivo tem sido rotineiro. Duas ou 4 vezes ao ano, visto a pele do cidadão comum sem carro. Sinto-lhe as preocupações e as frustrações e os desejos. Numa situação momentânea sem veículo, aproveitei cumprir a profecia. Havia ido ao bairro da Caop _ Agora municipio do Sequele, província de Icolo e Bemgo _ onde deixei o carro na oficina para manutenção.

Sem conseguir accionar os sistemas de chamada de taxis particulares — tentei dois aplicativos sem sucesso — tive de pedir boleia até à vila de Cacuaco.

Mesmo assim, posto na Vila, os aplicativos não funcionaram e, não querendo ser indelicado para com o motorista da oficina que fora orientado apenas a deixar-me na vila, pedi-lhe que me deixasse na praça de taxis colectivos. Assim, meti-me num dos que fazem o trajecto Vila de Cacuaco–Desvio do Zango.

Éramos quinze passageiros. Uns foram ficando pelo caminho, outros entraram e preencheram as vagas deixadas. Aos quinze, juntavam-se o chauffeur e o cobrador. Fazia tempo que não me aventurava em deslocações como esta. Não sabia quanto se pagava pela corrida — curta ou longa — como a que estava a fazer. A viagem decorreu ao som de músicas de Socorro e Baló Januário, em volume aceitável para a minha idade — pós-cinquenta.

Os meus co-passageiros eram jovens: homens e mulheres. Uns, via-se, faziam negócios precários, mas lutam pela vida sem pôr mão em coisa alheia. Um é pintor. Tinha os cotovelos e o telefone pintados de branco. Outros, poucos, eram adventistas do sétimo dia, a caminho das confissões religiosas ou de regresso a casa. Eu era o mais velho e com trajes que, mesmo sendo calças de ganga, ténis e camisa normais, pareciam denunciar-me como “intruso” desabituado àquela vida.

A minha paragem foi na ponte do Km 25, ao preço de Kz 500.

Já no viaduto do Km 25 — que a criatividade popular baptizou por “Ponte do 25” — um dos aplicativos funcionou. Aleluia! Levei, porém, mais de vinte minutos para que o mui pretendido taxi particular chegasse. Primeiro, uma demora de oito minutos levou ao cancelamento. Quando voltei a solicitar, eis que o mais próximo era o anterior, obrigando-me a aguardar nada menos do que um terço de hora sob o sol escaldante que se aproximava do meio-dia.

Esta viagem serviu-me, maisnuma vez, de medida. Uma medida da distância dada na vida. De onde saí e onde estou socialmente. E tudo isso foi obra da formação académica, da formação profissional, do trabalho honesto e da lealdade. Haveria como sentir estranheza num taxi colectivo se, acaso, não me tivesse formado? Se, embora trabalhando por conta de outrem, não auferisse um salário que dá para comer trinta dias e fazer pequenas poupanças que levam a ter carro?

A resposta é redondamente não.

Daí o apelo renovado àqueles que ainda vegetam na ociosidade, na torpência e na falácia de que “não há crescimento possível no país”. Lutem. Não adormeçam debaixo da sombra plantada por outrem. A ascensão é possível. Mas exige acção, coragem e persistência.

Aos que governam, pede-se que tirem duas horas por mês ou trimestre e andem pelos subúrbios. Experimentem um taxi particular e depois um taxi colectivo. Sintam, em poucos instantes, o “dias sempre” dos governados. Se calhar isso crie maior empatia, pois cada um dos que o povo colocou em cima tem sempre um exército — directo ou indirecto — de plebeus que vivem a vida árdua e verdadeira dos governados.

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