sexta-feira, 15 de maio de 2015

O BENGO AOS OLHOS DE SPINA

Nunca é tarde para se conhecer uma terra, uma cidade ou vila, mesmo tratando-se das que se situam nas proximidades das nossas barbas mas que a falta de oportunidade ou interesse imediato impediam. Aliás, há gente que não passa do costumeiro café da esquina mesmo sabendo da existência do amplo mundo por explorar.

Nesta senda, conheci, finalmente, Caxito (desconfio que a grafia correcta e fiel ao Kimbundu, língua da região, seja Kaxitu: carne pequena?), capital do Bengo, sede provincial mais próxima de Luanda e que, em termos de infraestruturas, também deve muito (quando comparada) a capital do país ou a outras 17 sedes provinciais.

Por exemplo, Caxito é uma vila rasgada por uma única rodovia, EN 100, que nos conduz ao "Úkwa, Negaje e Wíje".

Aproveitando a extensão para dia seguinte do feriado dedicado ao dia internacional da mulher, 08 de Março, eu e os de casa, acompanhados pelos compadres Spina e Yana, decidimos "explorar" o Bengo, começando por Caxito.

Encontramos uma cidade (?) inundada, aparentemente sem colectores de esgotos, impossibilitando a prestação de alguns serviços como no "banco do imbondeiro" que se encontrava quase submerso, ante a chuva de véspera e outra do dia, cuja água se juntou à anterior.

Água e lama juntaram-se ao famigerado jacaré bangão (que se terá negado a pagar o imposto indígena no tempo do kaputu) como postais de visita aos neófitos excursionistas.

E como se uma cidade (?) construída em zona plana, sem declive para encaminhar as águas pluviais ao sorvedor Atlântico, fosse pouco, assistimos a um trânsito automóvel muito lento e perigoso, de Cacuaco (Luanda) a Caxito. São apenas duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, que não facilitam as ultrapassagens aos inúmeros camiões basculantes que trafegam, sem cessar, dia e noite.

Quem entra no mercado do Panguila confirma, através da montra de veículos acidentados, o grau de sinistralidade na EN 100, associado sempre a excessos de velocidade que, diga-se, muito se deve tambem à curta largura da via, fraca sinalizaçao, ausência de iluminaçao,  escapatórias e faixas para acostamento.

Inexistindo roseira espinhosa sem flor encantadora, gostamos de ver os investimentos em bananais, citrinos, videiras e em piscicultura que dão valor acrescentado à  terra e contribuem para a "nacionalizaçao do prato angolano", como defendia o cidadão Robert Adrien, frequentador assíduo do mercado do "Sassa".

Que tal alargar um pouco mais a EN 100, com mangas para acostamento e vias de serviço para paragens de táxis e autocarros? É apenas a sugestão de um leigo em mobilidade e segurança rodoviárias, mas apaixonado por estradas.

Num discurso trocista, o meu compadre Spina que com sua família foi também curtir Caxito, chegou mesmo a sugerir que "Bengo fosse uma província laboratório para estágio de governadores" ou seja, dizia ele, "tendo em conta o muito que têm de mudar e melhorar, partindo da sua capital, os governantes que se estreiam na gestão provincial deviam começar pelo Bengo, seguindo depois a outras províncias".

Quando o questionei sobre o porquê da sua tese, Spina, sem papas na língua, argumentou:

- Normalmente, o estagiário tem muitas ideias e precisa de terreno para as implementar. - Explicou.

Aqueles que conseguissem mudar algumas coisas no Bengo e Caxito ganhariam como promoção, no dizer dele, uma nomeação sucedânea para outra província mais evoluída.

E nao é que a ideia dele, surgida do nada, ganhou adeptos entre os que apreciavam o funje de carne de caça numa das barracas do mercado do "Sassa"?

- Esse camarada é mesmo um ideológo que devia ser convidado como assessor do Governo. - Afirmou Nhanga, ja meio desiquilibrado ante as elevadas doses de maluvu que ingerira, tentando desfazer-se de fibras de "Robert Adrien" (carne de macaco) que lhe ficaram presas entre os dentes.

Nota: Rober Adriens é o nome de um cidadão frequentador das barracas do Bengi e grande apreciador de carne de caça, com preferência à de macaco, e que os miúdos mais gozões do mercado de "Sassa" diziam aparentar feiçoes simiescas.

- Kota Roberto, esse janguto é de quê? - Questionavam em troça, ao que ele respondia e corrigia num sotaque meio afrancesado e arrastado.- Não me chamar kota Roberto. Eu chamar-se mister Robert Adrien e gosta comerr somente ndiba (funji) com carrna de prrimo (macaco). - Dizia de boca cheia, quase feliz, das várias vezes em que foi questionado.

E os rapazes do "Sassa" tanto gozavam com os consumidores de carne de caça, quanto com as cozinheiras dos manjares e com os caçadores de "Robert Adrien", alusão aos símios que são abatidos indiscriminadamente nas matas do Úkwa para pôr as panelas e os estômagos em actividade.

Numa brincadeira que se tornou extensiva, toda a carne de caça passou a designar-se "Robert Adrien".

- Mané, já escolheste o prato do dia?

- Claro: uma fubada a "Robert Adrien"!

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