sábado, 9 de abril de 2016

OS TRÊS RELÓGIOS

Discutiam três colegas de serviço sobre quem delas era mais útil à organização em que laboravam.

Suraya, esbelta de parar o transito, gabava-se de ser a mais elogiada e que tudo fazia para impressionar os colegas e a chefia todos os dias. Atendendo que os chefes tinham decidido ser madrugadores, ela, catadora de elogios, começou também a chegar cedo ao serviço, gingando de um lado para sitio incerto. Porém, mal começassem a chegar os colegas sem olhos para a sua montra, ela se retirava para o andar em que se situava o secretariado onde se ocupava mais em buscar actualidade do mundo da moda, através das redes sociais, do que do seu trabalho que até estava clarificado no descritivo de funções. E gabava-se de sol a sol que era pontual.

- Nessa organização não há quem chegue mais cedo do que eu, por isso mereço promoção e uma gala para me homenagearem. - Atirou, certa vez numa actividade social da organização.

- Você, Suraya? Nunca. Nem pensar. Nem que a vaca fale. Chegas cedo mas não és assidua. És uma pisca-pisca (dia sim, dia não vens) e quando se olham para os teus resultados parece que só são borboletas que caiem no teu cesto. - Zombou Tina, outra colega que tinha a má fama de trabalhar apenas quando a lua estivesse no centro da circunferência celeste.

A discussão, aparentemente sem nexo, ganharia força quando chegou Rita. Rita era uma senhora "Baby boom" que fora já reformada e recontratada devido ao seu apego ao trabalho e seu perfeccionismo naquilo que fazia. Não precisou de fazer parte daquela histérica algazarra, pois era exemplo de dedicação, bom desempenho e comprometimento. Vestia a camisola, via-se. Entretanto, não era tão pontual, nem muito assídua devido aos compromissos familiares. Era do conhecimento da chefia que dela cobrava resultados e não presença física obrigatória. Dona Rita, ou mesmo vovô para os mais brincalhões, tinha entretanto uma agenda de encontros presenciais bem arrumada e não se atrasava às suas reuniões. Das suas poupanças tinha conseguido instalar telefone fixo e internet em casa, um computador, impressora e um scanner que lhe permitiam trabalhar "at home" e apresentar resultados surpreendentes.

Quando a senhora se fez presente naquela sala em que se comemorava o aniversario da organização, dois grupos miravam para ela toda a atenção: uns, sobretudo aqueles que enxergavam qualidades e que com ela procuravam aprender, seguindo os seus bons exemplos, a aplaudiam e apontavam como a mais provável homenageada da noite. Era já habito do titular de direcção daquela organização homenagear o trabalhador mais produtivo do ano. Outro grupo, composto maioritariamente pelas gerações Y e Z cochichavam que a "velha" já estava fora de tempo e que naquele ano não levaria sequer um elogio do chefe. Apostavam mesmo que a "senhora dos mil prémios" como também era conhecida sairia dai banhada de lágrimas porque o tempo dela já tinha passado.

- Essa tia que chega quando quer, até o chefe já sabe que ela é uma cansada e chata, o que que veio fazer? Acha que leva daqui alguma coisa? Atirou Gina, uma jovem que ainda nem era do quadro permanente de funcionários.

Quando o titular chegou, mal se dirigiu ao presidiu para cortar o bolo, chamou dois nomes: Dona Rosa, a mais idosa da organização, e Dra. Suraya, uma das mais novas e mais extravagantes, para junto dele.

A Suraya já tinha distribuído beijinhos e abraços a todos os colegas, contando que seria a estrela iluminante da noite.

- Chamei as duas funcionárias que refletem dois exemplos de na nossa organização. - Disse o titular, prosseguindo. - A dona Rita é quase invisível. Chega numa altura em que todos já estão nos seus gabinetes e muitas vezes sai quando todos estão já nos seus aposentos. Até seus encontros com clientes e fornecedores acontecem sempre depois das 8h30. Faz tudo ao detalhe e não deixa nada para o dia seguinte. A Dra. Suraya, continuou, é das que mais cedo chega, das mais vista pelos gabinetes e corredores. Porém, a medição que temos vindo a fazer é por resultados. A Dra. Suraya produziu durante o ano findo que hoje comemoramos, dois terços do que ganha e a Dona Rosa foi, directa e indirectamente, responsável, por um terço do resultado da nossa organização. Peço uma salva de palmas à nossa estrela da noite que ganha uma bolsa familiar para licenciatura. – Concluiu o boss.

Pasmos, os mais jovens não perceberam por que razão a sexagenária iria estudar quando eles que se gabavam ter "toda a vida e todo o sangue para derramarem em prol da organização" ficariam em terra. Jaja, outra das colegas, e Suraya chegaram mesmo a questionar os critérios usados pela administração para encontrar o vencedor do prémio de e por que razão iria Vovô Rita à formação, estando já sem força. Suraya alcandorou-se do facto de ser regular e por isso merecedora da distinção. Outra, a Jaja, apregoou a sua pontualidade. Mas o presidente, astuto, contou-lhes a estória sobre os três relógios: um é de prata, toca o despertador à hora certa mas não tem o ponteiro dos minutos. Outro é banhado em ouro e não funciona. O terceiro é de plástico metalizado e tem os ponteiros completos, marcando correctamente as horas e o despertador.

- Qual dos três me faz falta? Questionou o titular.

A geração Z optou pelo de ouro, alegando ser um adereço moderno e vistoso. A geração Y optou pelo de prata pois, dizia, embora mais modesto do que o primeiro, tinha algo funcional, o despertador, que permitia o titular não se atrasar nos seus encontros. As gerações M e X optaram pelo relógio de plástico banhado em metal por ser o que funcionava em pleno.

- Pois é, todos parecem ter razão, mas o relógio que me apresenta resultados é aquele que funciona. Assim também são os funcionários, prosseguiu. Não basta chegar cedo, quando se vem, ou vir todos os dias em horários distintos. Pontualidade e assiduidade devem ser regulares, estando acima de tudo a produção. As organizações são talhadas para os resultados e não apenas para as presenças físicas dos funcionários. -Deixou explícito o titular.

Todos compreenderam a mensagem e ouviu-se uma estrondosa salva de palmas em homenagem à sexagenária Rita.

Texto Publicado pelo Semanário Angolense a 21 de Julho de 2015

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