Em Luanda, era festa de natal. Pouca Sorte, Sabalu (o desmobilizado), outro Sabalu (o kaynga) e mais outras famílias de sangue tinham juntado tudo o que conseguiram para viverem uma festa ímpar de suas vidas.
- Até água-ardente bagaceira havia. - Contou Kiteta, anos depois, aos sobrinhos reunidos para rememorar.
Kiteta era o anfitrião dos Sabalu e Súmbula, todos sobrinhos. Entre eles estava o Etelvino, afilhado do casal hospedeiro que decidiu passar a quadra natalina com a madrinha de quem era muito chegada.
- Amo mais a minha madrinha do que a mamã que me bate bwé. - Dizia ele quando questionado por que era mais visto em casa dos padrinhos do que na de seus progenitores.
Etelvino era hiperactivo, razão que levava sua mãe constantemente aos arames.
- Meu filho num põe pé no chão. Vida dele é só andar, é só mexer. Pessoa num tem descanso, toda a hora é progulema aqui, é receber parte ali. Esse filho lhe faço mais como então, vizinha Bela? Me fala você que nasceu e criou dez e é nossa mãe aqui no bairro. Me dá só conselho, faxavor!- Suplicava Manda-dya Xiku.
Etelvino, na escola, pioneiro esperto. Primeiro nas perguntas e nas contas. tarefa ele sempre faz antes de ir para casa. Rapaz inteligente, olho aqui, outro olho ali, tirou as medidas da rua e do bairro. A madrinha entretida nos bolos e os padrinho na caneca. Jorravam vinho, gasosas, kisângwa, cerveja pomba branca, Havana Club e água-ardente bagaceira. Os homens estavam no desfrute. Etelvino foi medir a rua que estava larga, decorada com fitas que suspendiam tiras de papel, de dez em dez metros. Havia farra de canudo e gira-discos e alguns simbas com cassete dos kassav.
Etelvino com lápis e caderninho anotava tudo que via e ouvia para contar ao professor e colegas, na redacção encomendada sobre as festas de natal e ano-novo.
Chegou o casamento dos ponteiros do relógio. Meia-noite. os tiros começaram em todos os quintais onde houvesse militares, kayngas, desmobilizados ou refractários armados.
- Trá-tra-trá-tra-ta-ta-ta!. - Muitas rajadas a saírem de todos os lados e a pintarem de vermelho o céu. Assim se comemoravam os acontecimentos de grande importância, fazendo recurso ás armas-de-fogo que quase todos tinham. Tiros ao ar, bastantes até o carregador declarar secura, era sinónimo de festa ou vingança. Mas o dia era de festa nalguns lares.
Kiteta, a mulher e demais convivas, até os pais de Etelvino, estavam nas engordas, a comemorar mais um natal.
- Acudam, socorro, faxavor! É um pioneiro! - O grito replicado de gente que se divertia, fez despertar o bairro.
De repente, a rua ficou apinhada. Era pioneiro desconhecido. Não tardou, chegaram os padrinhos, também movidos pela curiosidade, apenas para ver e não esperar pelo disse-que-disse do dia seguinte. Olho de mulher é tipo de lince. Dina Santos, olho atento nas vestimentas do pioneiro tombado.
- Wawé, kokolo dyami! Wawé, Etelinoé! Falo quê na tua mãe, mô afilhado?! - O choro desesperado de Dina prolongou-se durante a manhã toda e toda a semana. O Etelvino fora atingido por uma balça perdida que se alojou no seu crânio.
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