sábado, 1 de fevereiro de 2020

DIA D (XI)

A operação FF estava como prevista.  Pouca Sorte, saído de Luanda, foi ver a Libertação de Kalulu. A coluna de Libertação de Kalulu, procedeu tudo quanto fora planeado. Os homens do Comandante Infeliz, conhecedores do terreno, foram à frente. No meio posicionaram-se os de Kara-Podre. O grosso saído de Luanda, com toda a fúria e fogo, posicionou-se na recta-guarda, como quem diz "Aqui, a ferro e fogo, ninguém recua".
- É retirar o galo da capoeira e má-nada! - Dizia o comandante Bonifácio nas recomendações finais.
Os primeiros foram pela Kakula. Os segundos entraram por Kibuma, os terceiros subdividiram-se em três subgrupos coordenados no espaço e tempo: A saída pelo Kisongu, sendo inatingível, estava sob a alça-de-mira da artilharia pesada, fazendo com que quem lá estivesse ou procurasse fuga tivesse como alternativa adentrar a vila. Um pente fino se fazia pela estrada de Mukongu-Longolo e outro, não menos apertado, por Kabuta.
-  É morrer ou se entregar! - Gritou, furioso, o Comandante Infeliz, ao reentrar no seu Quartel das Mangueirinhas, de onde fora desalojado, havia semana e meia, no dia de Natal daquele ano bissexto.
- Lupuka, lupuka, twendi.- Gritavam os desalojados, carregando o que podiam.
As milícias sobreviventes, já sem farda e sem armas deixadas na atrapalhação, tiveram, na fuga, de se juntar ao povo que procurava por abrigos mais seguros aos morteiros que caiam como chuva de Abril.
                                               
Depois da kitota, a tropa reuniu-se para curar os feridos, dar dignidade aos tombados e contabilizar o material restante e deixado pelos fugitivos.
Era no rossio da vila que os cansados e estropiados se curavam ao e com sol ausente na trincheira e caserna. No logradouro da casa do comissário, que se achava no sopé do monte que carrega a fortaleza, estavam os comandantes de olhos para a cozinha. Já tinha havido fumo, fogo, fumo e silêncio. Menos aquilo que levaria à contenda os garfos e facas sobre a mesa estendida longitudinalmente e forrada com lençóis verdes do SAMM (serviços de assistência médica militar).
Quando a paciência da tropa e do comando começou a escassear com o agigantar da fome, o cozinheiro saiu confesso:
- Comandante Boni, infelizmente não temos almoço.
- O quê? O Tê-Cê Infeliz mentiu?
-Não chefe. Não é o comandante que mentiu.
- Então quê que se passa para o comando não ter almoço? Falta arroz e lataria?
- Chefe, me perdoa só. Fizemos funji. Já está mesmo pronto. Só que na hora de ver onde estava o conduto, sentimos que o óleo estava misturado com gasóleo?
- E porque não matam o cabrito que disseram que estava a morar no palácio?
- Chefe, o cabrito também fugiu!

O quadrúpede que já se tinha habituado com os invasores e ocupantes temporários do Palácio que aí o levaram, ao vê-los em debandada, meteu-se também a fresco, indo pastar o mais distantes possível, na baixa do Kambuku, caminho da Kibuma, onde fora "raptado".

Publicado no Jornal Cultura de 22 de Novembro de 2023

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