In "Contos para a Lúcia"
Havia quatro dias que os dois encarapuçados trocavam mimos, disputando algumas cajá-mangas que caíam pelo jardim.
O cágado, aos meus olhos, chegou primeiro e fez cortes na suculenta fruta que repousava sobre a relva.
Chamado pelo cheiro doce, o caracol saiu da sua toca e foi também sorver um pouco do melaço.
Quando a fruta acabou, o cágado aproximou-se do sabor que o caracol escondia por cima e dentro da sua carapaça.
Seguiram-se dois dias de brincadeiras de mau gosto. Foi assim:
O cágado queria lamber o melaço da cajá-manga que ainda restava sobre o caracol e, se pudesse, até comê-lo!
Mas o caracol, já avisado das intenções do vizinho — viviam no mesmo quintal e brincavam no mesmo jardim relvado —, procurou esconder-se no mais recôndito espaço, onde a largura e a rigidez do corpo do cágado não permitiam alcançá-lo. Assim passaram dois dias, até que...
Chegou o sol. O caracol precisava aquecer o corpo. Saiu da toca e esticou-se para fora da carapaça. Não percebeu que o cágado já estava ali, à espera de fruta... ou dele.
Astuto, o cágado fingiu ser uma pedra, outra toca que bem podia servir de refúgio para o caracol em caso de perigo.
Aos poucos, o cágado, já senhor da situação, começou a se mover: abriu os olhos, ainda na sua fortaleza corporal, esticou o pescoço e mediu a distância entre o caracol e a extremidade da relva. Soltou uma perna, depois outra. Largou os membros superiores e foi ao ataque!
— Ah, agora te apanho! — pensou o cágado, avançando.
O caracol ainda tentou encolher-se na sua cápsula, mas uma golpada do atacante abriu-lhe uma fenda, seguida de outros ataques.
Hábil em confundir predadores, o caracol fingiu-se morto e encolheu-se o máximo que pôde na sua carapaça.
O cágado bem tentou colocá-lo entre as mandíbulas e engoli-lo, mas jamais o volume da carapaça passaria pela sua garganta.
Cansado, o cágado desistiu, deixando o caracol ferido... mas vivo!

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