domingo, 10 de janeiro de 2016

BO-KO-HA-RAM NA NOITE DO TIRA TUDO


Numa dessas raiv´s que os novos fidalgos vão organizando aos fins-de-semana, tentando impor uma vida importada, perante os olhares furtivos dos país que tudo podem e fazem, mas nada movem para os situar na terra de seus ancestrais, dançava-se, fumava-se e bebia-se perdidamente.

As cerca de cem almas que trocavam salivas e sêmenes naquela cave insonorizada pareciam ter recomposto e trazido à terra de Ngola as famigeradas cidades de Sodoma e Gomorra dos imemoriais tempos babilónicos. Beijavam-se aos pares. Homem-mulher, mulher-mulher e homem-homem. Os segregados “extra-terrestres” socorriam-se da táctica da avestruz: cabeça na terra, corpo volumoso à mostra. Eram os homens da penumbra. Os “não faço, não condeno” e deixava-se o barco da raiv navegar até ao nafrágio. 

“Me esfrega, me possui toda.” Gritava a música, ao que as miúdas e os miúdos de pensamento importado acompanhavam em gestos grotescos e animalescos, ora com os pares que podiam ser de qualquer sexo, ora com o pilar másculo de betão que suportava a laje do edifício de catorze andares, pós-chão.

Tocou-se depois o “me lambe” e trocaram efusivas salivas. Corrias rios boca-adentro, literalmente.

Seguiu-se a dança do cachorrinho, também apelidada por “do kambwá”. O erotismo e a devassidão inundaram o recinto, qual tourno fecundo largado em manada de vacas ciciosas. Fez-se “por-nu-e-grafia”. Os celulares registaram os momentos. No dia seguinte, os lugares de relacionamento digital estaria repletos dessas imagens que se multiplicam à moda chomskiana.

- Mamá cultura alguém te vê? – Gritou fosca uma voz de fora que assistia por uma fresta  àquelas cenas de encher a tenda do soba nos dias em que se respeitava a idiossincrasia dos Ngola. Feliz ou infelizmente, foi apenas uma voz isolada e, pior ainda vinda de fora daquele mundo moderno.  

Quando a festa parecia ter atingido o apogeu, já na habitual hora do banho e da eleição da “mais recortada”, o organizador lembrou-se da ausência do trio convidado para júri.

Já meio mundo estava em peças minúsculas. Era, afinal de contas, a noite do tira tudo. A festa estava repleta de filhos de quem conjugava os verbos ter e poder.

- DJ, pára a música, por favor. Só meio minuto. – Falou alto ao microfone, o organizador da raiv.

- Alguém viu os membros do júri? – Questionou, meio preocupado.

O tom, meio aflito teve interpretações várias. Uns pensaram que não haveria o desfile da mais recortada que habitualmente é posta a leilão quando não é a própria que sobre à montra para a “noite do forever”. Outros pensaram ser mais uma brincadeira do Man-Nelito, o organizador que voltou a servir-se do microfone.

- Cadê o júri, people?

- Bokwaram.- Respondeu um dos assistentes escondido à porta de escape.

O som "bo-kw-a-ram", ressonado em eco, trouxe-lhes á memória um grupo que espalha terror por um apaís da África Subsariana, exportador de petróleo.

- Bo-Ku-A-RAN?!- Foda-se!- Lengweno!

E foi debandada. Ninguém mais se lembrou das roupas, inicialmente curtas, curtinhas, íntimas e posteriormente inexistentes nos corpos ciciosos. O entornar dos candelabros e copos de whisky fez do espaço um autêntico campo de pólvora. Tudo foi aos ares.

Quando a polícia e os bombeiros chegaram ao local para confirmar o mujimbo e apagar as cinzas, só encontraram gente nua, cá fora, e fogo consumindo odores orgiásticos, lá dentro.

- Quê que foi então?- Indagou o chefe da patrulha, perante aquele estranho ambiente encontrado ao redor do edifício em chamas.

- Bokwaram, kota. Bokwaram! - Respondeu Man-Nelito, assustado e desolado.

- Boko Haram? Merda, pá! Cava daqui! - Ordenou o intendente à sua tropa.

O wion, wion, das patrulhas bateu em retirada, enquanto as chamas lavravam a cave e o edifício acima.

Durante meses, não se falou sobre outro assunto que não esse. Até as conversas entre apaixonados acabavam sempre na estória da noite do tira tudo.

- Oh compadre, Joaquim Luzento tinha lido o debate num jornal de fim de semana, você aceita o sobrinho Zenito aparecer aqui com um gaja?

- Um gaja como assim?  Uma gaja ou um gajo?- Inquiriu e Manuel Kambuta que procurara o amigo para falar sobre os “avanços culturais” dos últimos tempos.

- Porra, pá! Compadre, até agora não me conhece? Eu quero netos, sangue passado para sangue e não netos de doação. – Atirou, sempre no seu jeito trocista.

- Pois é, Luzento, folgou a gravata que quase o enforcava, e prosseguiu. O assunto da semana é então esse Apontando para o jornal).

Os amigos, já cinquentões, dividiram as páginas e fez-se silêncio na capital inteira naquele ano de 2015 que corria apressadamente para o século XXIII!

 

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